Narcotráfico no Brasil
movimenta R$ 15,5 bilhões por ano; cifra é o pivô de massacres
Filipe Motta,
Tatiana Lagôa, Paula Coura
Em Roraima, os próprios presos colocavam os corpos nos rabecões para
direcionamento ao IML
A carnificina em unidades prisionais do Norte do país, que nos primeiros
seis dias de 2017 matou 93 encarcerados, escancarou a força do narcotráfico no
Brasil. Nacionalmente, o negócio gira aproximadamente R$ 15,5 bilhões ao ano,
de acordo com levantamento da Consultoria Legislativa da Câmara de Deputados,
realizado em agosto de 2016.
Conforme os dados, a maconha deve movimentar, anualmente, R$ 6,68 bilhões.
A cocaína gera outros R$ 4,69 bilhões; o crack, R$ 2,95 bilhões; e o ecstasy,
R$ 1,189 bilhão.
As cifras explicam porque a atividade gera tantas disputas entre facções
criminosas como Comando Vermelho (CV), Família do Norte (FDN) e Primeiro
Comando da Capital (PCC).
À frente da Colômbia, do Equador, da República Dominicana e da
Argentina, o Brasil foi o país mais frequentemente utilizado como base para
envio de cocaína para a Europa, entre 2009 e 2014, segundo o Anuário das Drogas
da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2016. No mesmo período, 51% do
fornecimento de cocaína que chegou à África partiu também do Brasil.
O negócio das drogas, que envolve um em cada quatro adultos no mundo,
movimenta cerca de U$S 320 bilhões ao ano, segundo a ONU. No Brasil, somente o
Comando Vermelho e a Família do Norte, pivôs da crise atual, giram cerca de R$
1 bilhão por ano, aponta o sociólogo e integrante do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública Robson Sávio.
De acordo com o pesquisador, a diversificação de negócios com a qual o
PCC se envolve para lavar o dinheiro da droga é tamanha, em ramos como
transportadoras e mercado imobiliário, que torna-se impossível mensurar o
volume dos negócios da facção paulista.
“Quem garantia a segurança nos presídios eram os criminosos”
Cristiano Maronna
Presidente do Ibccrim
Pilares
O modelo repressivo de policiamento brasileiro, que relega a
investigação a segundo plano; a dificuldade da Justiça em responsabilizar os
grandes players do tráfico; e o sistema prisional superlotado, em que
parcela significativa dos detentos vira “mão-de-obra” para as grandes facções
são tidos como os principais eixos para o colapso da chamada “guerra às
drogas”.
“Ao invés de o foco ser o pequeno traficante, é preciso pegar o grande
produtor da droga. Temos uma polícia reativa e uma justiça muito punitiva que
não prende da mesma forma o aviãozinho e o dono da droga”, observa Robson
Sávio.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(Ibccrim), Cristiano Maronna, a desigualdade e a corrupção também colaboram
para o que ele chama de “falência do sistema prisional brasileiro”, que culmina
na violência extrema nos presídios.
Para especialistas, é preciso investir em inteligência
Enquanto foram investidos R$ 23,9 bilhões em policiamento em todo o
país, em 2015, as despesas com informação e inteligência, no mesmo ano, somaram
apenas R$ 829,16 milhões, aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
divulgado no ano passado.
“É preciso inverter a lógica e investir com mais força na questão da inteligência”,
destaca Sandro Cabral, professor de estratégia do Instituto de Ensino e
Pesquisa (Insper) de São Paulo.
Cabral critica a morosidade na Justiça na resolução da situação dos
presos provisórios. Dados de 2014, publicados no último anuário da segurança,
apontam que 212,17 mil presos se encontravam nesta situação no país. Para
efeito de comparação, o número era de 164,68 mil em 2012.
“Não há país onde a cruzada antidrogas funcione. Onde há mais repressão,
as drogas ficam mais valiosas. A grande questão é que, como são ilegais, não há
qualquer regulamentação. Quem tem mais poder e arma consegue se estabelecer”
Cristiano Maronna
Presidente do Ibccrim
“O nosso sistema penal prevê uma série de sanções. Infelizmente, a
prisão se tornou regra, gerando explosão no encarceramento. E o sistema não
funciona, a ressocialização não acontece”, observa Cristiano Maronna,
presidente do Instituto Brasileira de Ciências Criminais.
Integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Robson Sávio reforça que,
co<CW0>mo crime “organizado”, o narcotráfico encontra-se inserido no
sistema judiciário, da polícia e do sistema político, inclusive financiando, de
forma irregular, campanhas eleitorais. Tudo isso torna o desafio de combatê-lo
mais complexo.
Parceiros
Dentro dos presídios, a relação entre diferentes perfis de presos
reforça a inserção de novos detentos nas facções. “Primeiramente, é
preciso ter a quantidade de presos adequada à capacidade. A segunda coisa é
evitar ao máximo colocar presos provisórios junto aos já condenados. É preciso
separar os de baixa periculosidade dos de alta. Isso é o básico”, diz o
professor Sandro Cabral.
Ele, no entanto, acredita que nem tudo está perdido, e cita como
experiências a serem consideradas as das Apacs, em Minas Gerais, por exemplo.
“A superlotação é um problema crônico. É um diabetes, uma hipertensão do
sistema que infelizmente não tem uma
cura imediata. Hoje tem remédio, tem tratamento. E eu estou tratando isso
a tempo e modo”
Francisco Kulpidlovski
Secretário de administração prisional de Minas
Minas
Tentando tranquilizar a população, o secretário de Administração
Prisional de Minas, Francisco Kulpidlovski, afirmou ontem que a situação no
Estado está dentro da normalidade.
“O sistema prisional no Estado está tranquilo, sendo monitorado
continuamente, e os órgãos de segurança estão seguindo nossas orientações. As
remoções estratégicas de internos estão sendo feitas e o serviço de
inteligência tem funcionado e nos relatado as ocorrências para que nós tomemos
providências dentro do tempo”, afirmou.