Ex-presidente da câmara,
Cunha disse que foi ‘vingança política’ e recorrerá à Justiça
Da Redação Jornal
Hoje em Dia
O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira
(12) por 450 a favor, 10 contra e 9 abstenções a cassação do mandato do
deputado afastado Eduardo Cunha. A medida põe fim a um dos mais longos
processos a tramitar no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, que se
arrastava por 11 meses e interrompe o mandato de um dos políticos mais
controvertidos dos últimos anos. Com o resultado, Cunha perde o mandato de
deputado e fica inelegível por oito anos, mais o tempo que lhe resta da atual
legislatura.
A sessão que culminou com a cassação do mandato de Cunha começou por volta das
19h, mas foi suspensa poucos minutos depois pelo presidente da Casa Rodrigo
Maia (DEM-RJ), que esperava maior quórum e retomada pouco depois das 20h.
Na retomada falaram o relator do processo no Conselho de Ética, Marcos Rogério
(DEM-RO), o advogado de Cunha, Marcelo Nobre, e o próprio deputado afastado.
Após a cassação do mandato, Eduardo Cunha, disse que foi vítima de “uma
vingança política no meio eleitoral”. Afirmou que vai recorrer à Justiça para
garantir seus direitos e que não teme o juiz Sérgio Moro, que coordena a “Lava
Jato”. “Só temo a Deus”, disse.
Aliados de Cunha tentaram até o fim uma última manobra. O deputado Carlos Marun
apresentou uma questão de ordem para que fosse votado um projeto de resolução
no lugar do parecer do Conselho de Ética, o que poderia resultar numa pena mais
branda, como a suspensão de mandato. A iniciativa foi indeferida pelo
presidente da Casa, Rodrigo Maia.
Durante sua defesa no plenário da Casa, Cunha fez um discurso forte em que
afirmou estar sofrendo um “processo político” por dar continuidade ao
impeachment de Dilma Rousseff, negou ter contas na Suíça e ameaçou colegas:
“Amanhã é contra vocês”.
Em um discurso de defesa de pouco mais de trinta minutos, Cunha fez um apanhado
da tramitação dos processos contra ele e a petista e disse que os deputados
presentes no plenário não queriam ouvir “qualquer argumento”, pois estavam “com
a decisão tomada”.
Segundo Cunha, “ninguém conhece” uma peça que tem sete mil páginas. Mesmo
assim, pediu que seus colegas o julgassem “com isenção”, pois ele estava
“pagando o preço” por “livrar” o país do PT. “Estou pagando o preço de ter meu
mandato cassado por ter dado continuidade ao processo de impeachment. É o preço
que estou pagando para o Brasil ficar livre do PT. [...]Por mais que o PT
chore, esse criminoso governo foi embora graças à atividade que foi feita por
mim”, disse Cunha.
Supremo negou mais uma liminar que beneficiava peemedebista
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou na manhã de
ontem mais um pedido de liminar para interferir na votação sobre a perda de
mandato do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Dessa vez, Fachin negou pedido feito pelo deputado José Wellington Roberto
(PR-PB), por meio de mandado de segurança, no qual ele solicitava que fosse
anulada a decisão da mesa diretora da Câmara de levar à votação em plenário o
parecer pela cassação de Cunha aprovado no Conselho de Ética, e não um projeto
de resolução.
Diferentemente do parecer, o projeto de resolução é um instrumento da Câmara
que permite a apresentação de emendas e destaques pelos deputados, o que
poderia beneficiar Cunha, abrandando ou mesmo anulando sua punição.
No domingo, Fachin tinha negado a primeira liminar, dessa vez pedida pelo
próprio Cunha, para que o seu processo de cassação fosse suspenso. Nesta
solicitação, o peemedebista voltou a argumentar erros de processo. Para o
deputado afastado, o regimento interno da Câmara determina que cassações sejam
votadas por meio de projetos de resolução e não por meio de parecer. Ele não
conseguiu convencer o ministro relator do pedido no Supremo. Antes, numa
discussão de mérito realizada na última quinta-feira, o plenário do STF já
havia negado a Cunha a suspensão de seu processo de cassação.
Renúncia
A possibilidade de o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha renunciar a seu
mandato para adiar a votação de sua cassação foi discutida por aliados e
adversários do deputado no domingo na casa de Rodrigo Maia, atual presidente da
Casa. Ontem, poucas horas antes do início da sessão que decidiria seu futuro
parlamentar, Cunha declarou a disposição de não renunciar. “É mais fácil o
Sargento García prender o Zorro do que eu renunciar”, afirmou Cunha, em
referência à série de TV dos anos 1950.
A intenção da renúncia seria, segundo aliados, era estender o benefício do foro
privilegiado, evitando o deslocamento de seus processos do petrolão do STF
(Supremo Tribunal Federal) para o juiz Sergio Moro.
O presidente da Casa convidou parlamentares e outras pessoas para um rodízio de
pizza na residência oficial. Estavam presentes dois dos principais auxiliares
de Michel Temer, o ministro Geddel Vieira Lima (Governo) e o secretário de
Parcerias e Investimentos, Moreira Franco, sogro de Maia.
Peemedebista admitiu ter falado com Temer ‘algumas vezes’
O deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) disse já ter falado “algumas vezes”
com Michel Temer já na condição de presidente. “É uma conversa natural, temos
uma relação”, afirmou o ex-presidente da Câmara. Perguntado pelo repórter
Roberto Cabrini, do programa Conexão Repórter, do SBT, sobre o teor dos
diálogos com Temer, Cunha preferiu manter sigilo. “Conversas com presidentes a
gente não revela, a não ser que parta deles.”
Exibido na madrugada de ontem, o programa apresentado por Cabrini mostrou a
rotina do parlamentar nas últimas duas semanas – incluindo o momento em que
Cunha dá um leve sorriso ao acompanhar pela televisão, em seu apartamento
funcional em Brasília, o desfecho do processo de impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff, em 31 de agosto. “Não foi uma vitória pessoal, busquei cumprir
o meu dever”, afirmou, sobre a deposição da petista.
Foi Cunha quem acatou, como presidente da Câmara, em dezembro do ano passado, a
denúncia que resultaria no impeachment. Ele também presidiu a sessão da Casa,
em 17 de abril, que autorizou a ida do processo para o Senado e que destitui
Dilma provisoriamente. “Não sinto orgulho, sinto que cumpri minha obrigação de
dar curso à denúncia. Foi o coletivo da Câmara e do Senado que concluiu pela
culpa da presidente”.
Duas semanas depois de liderar a sessão que tirou Dilma do Palácio do Planalto,
Cunha foi afastado do cargo de deputado pelo Supremo Tribunal Federal por
suspeita de participar de esquemas de arrecadação de propinas em obras investigadas
pela Operação “Lava Jato”. No início de julho, ele renunciou ao cargo de
presidente da Câmara.
Na entrevista, o parlamentar negou diversas vezes ter recebido propina ou
participado de qualquer esquema irregular. “Eu não sou corrupto”, afirmou.
Os diversos delatores que apontaram o deputado afastado como beneficiário de
propina, segundo ele, são “mentirosos”, já que seus depoimentos seriam
contraditórios. “Não recebi US$ 5 milhões, nem um, nem zero” Além disso, disse
Cunha, “palavra não é comprovante”.
Além disso
Nascido no Rio de Janeiro em 1958, Eduardo Cunha é radialista,
evangélico, casado e pai de quatro filhos. Formou-se em economia na Universidade
Cândido Mendes. Antes de se tornar, com a eleição para a presidência da Câmara
em fevereiro de 2015, o terceiro na linha de sucessão da presidência da
República, o deputado afastado teve a trajetória política iniciada em 1989,
quando se filiou ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN) do então candidato e
ex-presidente Fernando Collor de Mello. Com a eleição de Collor, foi nomeado em
1991 para o cargo de presidente da Telerj, empresa estatal de telecomunicações
do Rio de Janeiro, permanecendo no cargo até 1993.
A passagem de Cunha pela estatal foi marcada pelo processo de
implantação da telefonia celular no Rio e por denúncias de irregularidades na
contratação de servidores sem concurso. Durante sua gestão, o Tribunal de
Contas da União constatou falhas na licitação para a edição de catálogos
telefônicos e tratamento privilegiado a fornecedores.
Após a saída da Telerj, Cunha atuou alguns anos como operador na
Bolsa de Valores. Ele também se filiou ao PPB (Partido Progressista Brasileiro,
atual PP), em 1995.
Em 1998, concorreu à vaga de deputado estadual. Tendo obtido
pequena votação, acabou sendo suplente. Em 1999, passou a ocupar o cargo de
subsecretário de Habitação (órgão posteriormente transformado em Companhia
Estadual de Habitação) no governo de Anthony Garotinho, que colocou Francisco
Silva para chefiar a entidade.
Em abril de 2000, já como secretário, Cunha é afastado da função
após denúncias de irregularidades em contratos sem licitação e favorecimento a
empresas fantasmas que somavam R$ 34 milhões.
Em 2002, teve início o processo de inserção na política nacional,
quando se lançou candidato a deputado federal, sendo eleito com 101.495 votos.
Repetiu o feito, já filiado ao PMDB, em 2006, quando obteve 130.773 votos, e em
2010, com 150.616 votos. Cunha conquistou, em 2013, o cargo de líder do PMDB na
Câmara.
Em 2014, foi reeleito para mais uma legislatura, tendo obtido
232.708 votos, sendo o terceiro mais votado do Rio. Com a decisão, tomada em
2014, de se candidatar à presidência da Câmara dos Deputados, o até então líder
do PMDB cristaliza a sua posição como um dos principais atores políticos do
país.