Apreensão de réplicas de
armas de fogo cresce junto com o número de roubos em Minas
Ernesto Braga
QUAL É A AUTÊNTICA? – Diferenciar uma réplica da verdadeira não é fácil;
Polícia Militar orienta não reagir a abordagem de criminosos por achar que eles
estão usando uma arma de brinquedo
Até o final da década de 1980, elas eram meros acessórios nas mãos de
crianças inocentes brincando de polícia e ladrão. No século 21, foram
transformadas em objeto de intimidação e ameaça a vítimas da violência. É
crescente o número de réplicas de armas de fogo apreendidas com criminosos em
Minas Gerais, reflexo da onda cada vez maior de roubos mediante uso dos
simulacros.
Em todo o Estado, o recolhimento de réplicas pelas forças policiais
aumentou 22,8% de janeiro a junho deste ano, na comparação com o mesmo período
de 2015. A estatística sobe para 28,1% na Região Metropolitana de Belo
Horizonte e 34,5% na capital. A média é de duas armas de brinquedo apreendidas
por dia em crimes registrados em BH, segundo dados da Polícia Civil.
Na avaliação do tenente Cristiano Araújo, que responde pela chefia da
Sala da Imprensa da Polícia Militar (PM), o crescimento dos números aponta duas
vertentes. “Há uma incidência maior do emprego de simulacros por criminosos,
que merece ser alvo de nossas atenções. Também devemos considerar que está
sendo positivo nosso trabalho operacional após a prática do crime ou em
abordagens rotineiras”.
Ele não apresentou estatísticas que comprovem o aumento dos roubos com
emprego de simulacros. Mas em uma rápida averiguação feita a pedido da
reportagem, o oficial encontrou no sistema on-line da PM três ocorrências
registradas apenas na última segunda-feira.
Elas foram encerradas em unidades distintas da Polícia Civil: Divisão de
Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad) e delegacias do
Barreiro – ambas em BH – e de Betim.
Uma fábrica clandestina de munições, armas de fogo e simulacros foi
descoberta ontem pela Polícia Civil no bairro Ouro Preto, em BH; um homem foi
preso com réplicas de fuzil e pistola e materiais para a construção do
armamento
Pistolas
Muito semelhantes às armas verdadeiras, as réplicas são usadas
principalmente em roubos. “São frequentes, não são ocorrências raras. A
intenção do autor (criminoso) é causar temor para subtrair o patrimônio da
vítima mediante grave ameaça”, aponta o tenente Cristiano.
De acordo com ele, as imitações de pistolas são as mais comuns. Com
tamanha semelhança, a orientação da PM é para que a vítima nunca reaja por
achar que o bandido está portando um simulacro. “Nunca tente analisar o
potencial letal de uma arma”, alerta.
O oficial dá outra dica. “Os pais que percebem filhos com armas de
brinquedo nas mãos devem tomar providências, porque a abordagem policial é a
mesma feita em alguém que esteja portando uma de verdade”.
A Polícia Civil foi procurada, mas nenhum delegado foi indicado para
comentar sobre as apreensões de simulacros
Wesley Rodrigues
SIMULACROS – Apreensões aumentaram 34,5% em BH no primeiro semestre
deste ano
Falhas no Estatuto do Desarmamento e mercado negro ‘armam’ os
assaltantes
Falhas na lei permitem que réplicas de armas de fogo se espalhem pelo
mundo do crime. A avaliação é do presidente da Comissão de Assuntos Carcerários
da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Fábio Piló.
Ele explica que o artigo 26 do Estatuto do Desarmamento, de 2003, veda
“a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos,
réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir”.
“Porém, a legislação não criminaliza todas essas situações (descritas no
artigo), não aponta quais são as penas nem deixa claro de quem é a competência
pela fiscalização”, critica. Ele destaca que leis estaduais e municipais
complementares preveem multas como punição.
Em Minas, a comercialização de armas de brinquedo é proibida pela Lei
8.106/2000. Na Câmara de BH tramita o projeto de lei 1.000/2014, com o mesmo
teor, pronto para ser aprovado em segundo turno.
Segundo o tenente Cristiano Araújo, da Sala da Imprensa da PM, cabe ao
Exército fiscalizar a venda ilegal de simulacros. Mas ele reconhece que
criminosos adquirem as réplicas no mercado negro. “Não temos na PM uma
investigação que aponte a procedência das réplicas apreendidas. Mas, além do
mercado ilegal, é comum a produção artesanal pelo próprio criminoso”.
Em casas especializadas, a venda de armas de pressão (as letais são de
explosão) usadas, por exemplo, em provas de tiro, só é permitida com
autorização do Exército. “Também é preciso que o Exército autorize o porte
dessas armas”, diz o tenente Cristiano.
“Brinquei muito com réplica quando era criança e não me tornei um
criminoso. Não adianta proibir a venda, porque vai continuar acontecendo no
mercado paralelo”, destaca Fábio Piló.