O emprobecimento da classe
média
Paulo Haddad
Estudos que vêm sendo realizados em diversos países desenvolvidos
mostram um processo de empobrecimento da classe média, aqueles indivíduos e
famílias que não estão entre os mais ricos da sociedade nem entre os
beneficiários de políticas sociais compensatórias. Os mais ricos têm sido
ganhadores até mesmo durante a crise econômico-financeira de 2008. Nos EE.UU,
cuja economia está em fase de recuperação, 95% do crescimento da renda ocorrido
desde o início da crise se concentraram no topo dos 1 % mais ricos.
Nesses países, há uma intensa mobilização política em torno do que se
denomina o tripé das desigualdades: desigualdades de renda, desigualdades de
riqueza e, principalmente, desigualdades de oportunidades. As desigualdades têm
aumentado também ao longo das dimensões raciais e étnicas. Há particular
atenção com a questão de que a pobreza vem perpetuando a pobreza, geração após
geração, e provocando, segundo pesquisas da neurociência, impactos adversos
sobre as funções cerebrais das crianças.
No Brasil, após a Constituição de 1988, foram implementadas diversas
políticas sociais que, de certa forma, têm evitado que os pobres venham a se
tornar miseráveis. São mais de 25 milhões de pagamentos compensatórios que são
realizados no início de cada mês, tendo como base o salário mínimo que cresceu
em uma década cerca de 60% acima da inflação. Não há dúvida de que as famílias
das classes sociais D e E (quase 20 milhões), as mais pobres do país, com renda
média familiar mensal de um salário mínimo, estão também passando por imensas
dificuldades à medida que a recessão econômica se aprofunda e dificulta o
financiamento público do valor real das suas necessidades básicas.
Há igualmente uma preocupação social e política com o silencioso
processo de empobrecimento da classe média. Pesquisa recente da ABEP
(Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa) mostra que, com a crise
econômica e a alta do desemprego de 2015 a 2016, o padrão de vida da classe
média vem se deteriorando, obrigando-a a migrar para estratos sociais mais
baixos. Como esse processo tem se acelerado ultimamente, não se pode atribuir o
declínio da classe média na distribuição da renda nacional apenas a fatores
históricos e estruturais.
Não é difícil perceber como um conjunto restrito de políticas econômicas
de visão de curto prazo pode estar gerando, desde 2012, ciclos de
reconcentração de renda e de riqueza e corroendo os ganhos das políticas
sociais acumulados desde o início dos anos 1990. A política fiscal, ao expandir
a carga tributária e ao reduzir as despesas com serviços públicos essenciais,
aumenta o desemprego geral e reduz o bem-estar social das famílias mais pobres.
A política monetária do Banco Central, ao manter as taxas de juros para além de
um nível razoável, estimula a especulação financeira e desestimula a demanda de
consumo e de investimentos, tendo como beneficiários de última instância os
detentores da riqueza financeira.
É possível acompanhar passo a passo o empobrecimento da classe média
brasileira: do desemprego à queda no padrão de vida, da perda de renda à
necessidade de se despojar de seus ativos financeiros e não financeiros, da
falta de oportunidades ao sacrifício da qualidade da educação e da saúde da
família.
E o que vem pela frente? Alan Curtis Kay, especialista em informática
que concebeu o laptop, afirma que a melhor forma de predizer o futuro é
inventá-lo. Que assim seja.