segunda-feira, 6 de junho de 2016

DEVERIA SER ASSIM E NÃO É!



O emprobecimento da classe média

Paulo Haddad 




Estudos que vêm sendo realizados em diversos países desenvolvidos mostram um processo de empobrecimento da classe média, aqueles indivíduos e famílias que não estão entre os mais ricos da sociedade nem entre os beneficiários de políticas sociais compensatórias. Os mais ricos têm sido ganhadores até mesmo durante a crise econômico-financeira de 2008. Nos EE.UU, cuja economia está em fase de recuperação, 95% do crescimento da renda ocorrido desde o início da crise se concentraram no topo dos 1 % mais ricos.
Nesses países, há uma intensa mobilização política em torno do que se denomina o tripé das desigualdades: desigualdades de renda, desigualdades de riqueza e, principalmente, desigualdades de oportunidades. As desigualdades têm aumentado também ao longo das dimensões raciais e étnicas. Há particular atenção com a questão de que a pobreza vem perpetuando a pobreza, geração após geração, e provocando, segundo pesquisas da neurociência, impactos adversos sobre as funções cerebrais das crianças.
No Brasil, após a Constituição de 1988, foram implementadas diversas políticas sociais que, de certa forma, têm evitado que os pobres venham a se tornar miseráveis. São mais de 25 milhões de pagamentos compensatórios que são realizados no início de cada mês, tendo como base o salário mínimo que cresceu em uma década cerca de 60% acima da inflação. Não há dúvida de que as famílias das classes sociais D e E (quase 20 milhões), as mais pobres do país, com renda média familiar mensal de um salário mínimo, estão também passando por imensas dificuldades à medida que a recessão econômica se aprofunda e dificulta o financiamento público do valor real das suas necessidades básicas.
Há igualmente uma preocupação social e política com o silencioso processo de empobrecimento da classe média. Pesquisa recente da ABEP (Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa) mostra que, com a crise econômica e a alta do desemprego de 2015 a 2016, o padrão de vida da classe média vem se deteriorando, obrigando-a a migrar para estratos sociais mais baixos. Como esse processo tem se acelerado ultimamente, não se pode atribuir o declínio da classe média na distribuição da renda nacional apenas a fatores históricos e estruturais.
Não é difícil perceber como um conjunto restrito de políticas econômicas de visão de curto prazo pode estar gerando, desde 2012, ciclos de reconcentração de renda e de riqueza e corroendo os ganhos das políticas sociais acumulados desde o início dos anos 1990. A política fiscal, ao expandir a carga tributária e ao reduzir as despesas com serviços públicos essenciais, aumenta o desemprego geral e reduz o bem-estar social das famílias mais pobres. A política monetária do Banco Central, ao manter as taxas de juros para além de um nível razoável, estimula a especulação financeira e desestimula a demanda de consumo e de investimentos, tendo como beneficiários de última instância os detentores da riqueza financeira.
É possível acompanhar passo a passo o empobrecimento da classe média brasileira: do desemprego à queda no padrão de vida, da perda de renda à necessidade de se despojar de seus ativos financeiros e não financeiros, da falta de oportunidades ao sacrifício da qualidade da educação e da saúde da família.
E o que vem pela frente? Alan Curtis Kay, especialista em informática que concebeu o laptop, afirma que a melhor forma de predizer o futuro é inventá-lo. Que assim seja.


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