Governo sacrifica ajuste para tentar conter crise
política
Adriana Fernandes
O compromisso continua o mesmo: fazer o ajuste fiscal. Mas, na prática,
a equipe econômica sacrificou o ajuste no curto prazo e adotou medidas que
retardam a recuperação fiscal e a reversão do rombo das contas públicas, que
deve chegar perto de R$ 100 bilhões em 2016.
Além das medidas de crédito e redução de taxas de juros em operações do
BNDES e de fundos constitucionais, o governo pediu um abatimento da meta em até
R$ 120 bilhões para acomodar mais despesas, inclusive na área de defesa, e
recursos não previstos para os Estados de R$ 1,95 bilhão como compensação pela
Lei Kandir que desonerou as exportações.
Também estão sendo atendidos pleitos de renegociação agrícola, como
ocorreu em 2014. Há pressão ainda para a liberação dos depósitos compulsórios
pelo Banco Central.
O pacote de socorro aos Estados e alongamento da dívida com a União
anunciado recentemente ficou muito maior do que o previsto, com impacto que
pode chegar a R$ 45 bilhões em três anos.
Medidas impopulares, como as reformas da Previdência e trabalhistas, que
chegaram a ser anunciadas pelo ministro da Fazenda Nelson Barbosa, foram
engavetadas. Na situação de rombo das contas públicas e atraso na votação da
CPMF, medidas adicionais de alta de tributos já teriam sido adotadas.
O roteiro é semelhante ao seguido pelo ex-ministro da Fazenda Guido
Mantega em 2014, ano de eleições presidenciais, quando foram adotadas
"bondades" econômicas ou retardadas ações para não atrapalhar a
campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Para muitos economistas,
essa foi a raiz do agravamento da crise que o País vive hoje.
Agora, na guerra contra o impeachment da presidente, o governo abriu
espaço para mais despesas em nome do enfrentamento da recessão. A decisão
facilita, porém, o atendimento das demandas políticas de aliados e
"neoaliados" e ajudaria a criar um ambiente mais favorável com a
população, como tem cobrado o ex-presidente Lula. Novas medidas estão sendo
preparadas para serem anunciadas nesta semana.
Barbosa tem vivido dias de "equilibrista fiscal",
principalmente depois que virou alvo das críticas do PT. O quadro também se
assemelha ao de 2014, quando Lula trabalhou nos bastidores para a substituição
de Mantega no cargo. A diferença com o que ocorreu há dois anos é que o cofre
agora está vazio.
Com o pedido de revisão da meta fiscal, para poder registrar novo
déficit, a equipe econômica buscou antecipar a solução de um problema, o que
naquela época só aconteceu depois da vitória de Dilma nas eleições. Mantega
chegou a preparar medidas de ajuste, como mudanças nas regras de
seguro-desemprego, que ficaram na gaveta até o final do segundo turno.
Além disso, o ex-ministro represou o aumento dos preços administrados,
como gasolina e energia elétrica, que depois foram liberados, contribuindo com
efeitos na escalada da inflação. "Quanto mais demoramos a enfrentar os
problemas estruturais, mais graves os problemas e a crise, mais custoso o
ajuste. Essa é a natureza da crise", diz Marcos Lisboa, presidente do
Insper e ex-secretário de Política Econômica do governo Lula.
Lisboa diz não ter visto até agora nenhuma medida do governo que
realmente encaminhe uma solução estrutural para o problema fiscal. "O
problema do crescimento do gasto primário não está resolvido", diz. Para
ele, o governo voltou adotar medidas de estímulo feitas nos últimos anos que
resultaram na crise fiscal de hoje.
No governo, ao contrário, a avaliação é de que não tem como cortar mais
despesas, sob o risco de colapsar a máquina pública e empurrar mais a economia
para a recessão. "A realidade da economia não vai mudar no curto prazo com
ou sem impeachment. O processo de recuperação é longo", diz um integrante
da equipe econômica. "O governo está no limite. Não tem mágica",
acrescenta ele, lembrando que o abatimento maior permite o pagamento de
despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Saúde e recursos
para os Estados.
Congresso
Na visão da área econômica, as medidas fiscais adotadas estão no caminho
certo, mas a grande interferência na política fiscal é a aprovação de medidas
pelo Congresso que aumentam despesas. Como, exemplo, a fonte cita a aprovação
de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) na Câmara, que aumenta os gastos
para a saúde.
Ex-secretário da equipe de Mantega, o economista Marcio Holland avalia
que a política fiscal fracassou porque o governo não consegue mais originar
superávits primários minimamente necessários para garantir um cenário de queda
da dívida.
Segundo o economista, que está terminando o livro A economia do ajuste
fiscal: Por que o Brasil quebrou, não é só no Brasil que ocorre um freio na
adoção de medidas econômicas durante períodos de eleições e de fragilidade
política. Outros governos também já adotaram táticas semelhantes. Ele cita
medidas cambiais represadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
durante sua campanha à reeleição.
"É o fenômeno político afetando a as decisões", diz.
Holland lembra que, em 2014, a equipe preparou uma série de medidas para
diminuir gastos com pensões, seguro desemprego e abono salarial, adotadas só
após as eleições. "Em 2014, já havia a avaliação de que era preciso entrar
em janeiro com um ajuste bem forte", avalia ele, que critica sobretudo o
reajuste do salário mínimo. "Houve hesitação em 2015 e agora em 2016. Está
havendo postergação e até falta de convicção." Colaborou Victor Martins.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.