Dilma já não gere os fatos,
é governada por eles
Josias de Souza
O acordo de delação premiada firmado
pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS) com a Procuradoria-Geral da República
deixou o governo tonto. Arrastada pela primeira vez para o epicentro do
escândalo da Petrobras, Dilma Rousseff teve um primeiro impulso de
desqualificar o delator. Um auxiliar recordou à presidente que, antes de ser
preso, Delcídio era líder do governo dela no Senado. Como explicar a escolha de
um desqualificado para exercer as atribuições de líder do governo? O Planalto
se deu conta de que sua reação não poderia ser improvisada.
Dilma manteve a decisão de tentar desacreditar Delcídio, atacando-lhe a
reputação. Não lhe restaram alternativas. Depois de passar a manhã remoendo os
termos do acordo de delação do ex-líder, ainda pendente de homologação do STF,
os auxiliares de Dilma começaram a se manifestar. Acertaram os ponteiros em
reunião com a presidente. Referem-se a Delcídio como um falastrão. Afirmam que
suas declarações não fazem nexo. O Ministério Público Federal pensa de outro
modo, tanto que submeteu a delação ao crivo do ministro Teori Zavascki, relator
da Lava Jato no STF.
Em privado, Dilma repete um bordão que já recitou em público: Quem tem
força moral, reputação ilibada e biografia limpa o bastante para atacar a minha
honra?, ela pergunta. Delcídio, segundo Dilma, não teria. O problema da
presidente é que nenhum delator da Lava Jato saiu de um convento. E a qualidade
das revelações cresce na proporção direta do encolhimento das biografias.
Dois detalhes diferenciam Delcídio de outros delatores: 1) Ele é
o primeiro petista a suar o dedo na Lava Jato. 2) Sua proximidade com o
Planalto fez dele um personagem com um arsenal de informações que lhe permitem
reescrever a fábula do “eu não sabia”, já bastante debilitada. Além de Dilma, o
senador alvejou Lula. Mal comparando, Delcídio aciona um fósforo tão perigoso
quanto o que foi riscado por Roberto Jefferson ao acender o pavio do mensalão,
em 2005. Naquele escândalo, Delcídio estava do outro lado do balcão. Presidiu a
CPI dos Correios, que ofereceu farta matéria-prima para a denúncia que levou a
cúpula do PT para a penitenciária da Papuda.
A novidade sobre o destampatório de Delcídio chegou em péssima hora, um
dia em que as manchetes escancaram o tamanho da ruína econômica produzida sob
Dilma: o PIB de 2015 despencou 3,8%. Esse dado expõe, uma vez mais, a
empulhação do enredo que embalou a campanha presidencial de Dilma em 2014. O
mentor desse enredo, o marqueteiro João Santana, encontra-se na cadeia.
O maior receio do governo é o de que o encontro da estagnação da
economia com a lama da Petrobras produza uma espécie de pororoca que leve o
asfalto a roncar novamente nas manifestações programadas para 13 de março.
Governistas e oposicionistas concordam num ponto: o impeachment só tem chances
de avançar se as ruas empurrarem o pedido que se encontra na Câmara, pendente
de votação.
De resto, a delação de Delcídio compromete o esforço que Dilma vinha
fazendo para passar a impressão de que seu governo ainda tem capacidade para
fazer e acontecer. Na verdade, a presidente tenta equilibrar-se em meio ao
entrechoque de dois fenômenos: o desastre gerencial em que se converteu o seu
governo e as investigações que expõem os porões da corrupção com uma voracidade
histórica.
Dilma já não governo os fatos que condicionam o futuro do seu governo. É
governada por eles. Até aqui, a presidente se limitava a persguir dois
objetivos estratégicos: não cair e passar a sensação de que comanda. O segundo
objetivo já foi comprometido. Dilma segura-se na cadeira como pode. Revela uma
enorme disposição de permanecer ao volante, ainda que lhe falte um itinerário.