Manoel
Hygino

Neste ano de 2016, registra-se o bicentenário da
proclamação de Francia, como ditador perpétuo do Paraguai, durante congresso
especificamente para esse fim realizado em Assunção. Carlos de Oliveira Lopes
retrata como um homem alto, magro, de olhos e cabelos negros encaracolados
sobre os ombros. Era um misantropo sul-americano, que lia Voltaire e Rousseau
no original, dedicando-se em seus vagares à álgebra e à astronomia.
Duro nas jogadas. Bloqueada a pátria por Buenos Aires, sob Mitre, fechou o país
ao resto do mundo, sofrendo hostilidades do empresariado, do clero e da
aristocracia de sangue espanhol, vinculados à capital argentina. Corta cabeças
e nacionaliza a igreja paraguaia, obrigada a quebrar os vínculos com Roma.
Sábio professor, dividiu as terras em pequenas e médias propriedades, alugadas
aos cidadãos. Cada um passou a ter sua chácara, plantação e gado.
Num folheto, explicou que as receitas – das “estâncias da pátria” – existiam
porque as pessoas trabalham em união comunitária, cultivando áreas que se
destinam ao bem-estar público, dessa forma diminuindo em muito nossas
necessidades, segundo as regras do Divino Mestre Jesus Cristo”.
O governo assume a importação e exportação de tudo. O que chega do exterior
passa por esse processo. Os paraguaios se satisfazem, mas no estrangeiro nasce
o ódio. Francia cuida da instrução pública e, em 1824, não há mais analfabetos.
O diplomata brasileiro Correa da Câmara, em 1825, declara solenemente: “sem sombra
de dúvidas este país é a primeira potência da América do Sul ... excetuando-se
o Brasil”.
Figura rara, Gaspar Rodrigues Francia falece em 1840, sozinho em acomodação de
asceta, sem deixar testamento, bens ou dinheiro. Mas o país em que nasceu e
ajudou a construir já era efetivamente uma potência, capaz de causar inveja aos
vizinhos, embora sem independência formalizada. Esta se dá com Carlos António
López, que sucedeu ao ditador, ao conseguir apoio de Bolívia, Chile e Brasil,
pela ordem. A Argentina se negou.
Em seguida, o mais grave conflito armado da América Latina no século XIX,
envolvendo quatro países. No entanto, como enfatiza Rui Mourão (autor do
excelente “Mergulho na Região do Espanto”, em cujas águas me revolvo), a guerra
teve tamanhas consequências e produziu tal desentendimento, que até hoje não
existe consenso sequer ao nome com o qual ela entrou para a história”.
A guerra não acabou no sentimento do povo guarani. Por isso, o Museu da
Inconfidência, de Ouro Preto, de que Rui é diretor, em acordo com autoridades
paraguaias e com a colaboração do Centro Cultural “El Cabildo”, reunirá acervos
de ambos os países para uma exposição temporária. Primeiro, na antiga capital
de Minas, depois transferida a Assunção, com o nome da Guerra da Tríplice Aliança.
Uma oportuna ideia. Segundo Mourão, “trata-se de experiência planejada para
permitir que cada lado apresente sua versão do fato histórico, na esperança de
que, através da pública exibição das divergências, possa surgir um Neste ano de
2016, registra-se o bicentenário da proclamação de Francia, como ditador
perpétuo do Paraguai, durante congresso especificamente para esse fim realizado
em Assunção. Carlos de Oliveira Lopes retrata como um homem alto, magro, de
olhos e cabelos negros encaracolados sobre os ombros. Era um misantropo
sul-americano, que lia Voltaire e Rousseau no original, dedicando-se em seus
vagares à álgebra e à astronomia.
Duro nas jogadas. Bloqueada a pátria por Buenos Aires, sob Mitre, fechou o país
ao resto do mundo, sofrendo hostilidades do empresariado, do clero e da
aristocracia de sangue espanhol, vinculados à capital argentina. Corta cabeças
e nacionaliza a igreja paraguaia, obrigada a quebrar os vínculos com Roma.
Sábio professor, dividiu as terras em pequenas e médias propriedades, alugadas
aos cidadãos. Cada um passou a ter sua chácara, plantação e gado.
Num folheto, explicou que as receitas – das “estâncias da pátria” – existiam
porque as pessoas trabalham em união comunitária, cultivando áreas que se
destinam ao bem-estar público, dessa forma diminuindo em muito nossas
necessidades, segundo as regras do Divino Mestre Jesus Cristo”.
O governo assume a importação e exportação de tudo. O que chega do exterior
passa por esse processo. Os paraguaios se satisfazem, mas no estrangeiro nasce
o ódio. Francia cuida da instrução pública e, em 1824, não há mais analfabetos.
O diplomata brasileiro Correa da Câmara, em 1825, declara solenemente: “sem sombra
de dúvidas este país é a primeira potência da América do Sul ... excetuando-se
o Brasil”.
Figura rara, Gaspar Rodrigues Francia falece em 1840, sozinho em acomodação de
asceta, sem deixar testamento, bens ou dinheiro. Mas o país em que nasceu e
ajudou a construir já era efetivamente uma potência, capaz de causar inveja aos
vizinhos, embora sem independência formalizada. Esta se dá com Carlos António
López, que sucedeu ao ditador, ao conseguir apoio de Bolívia, Chile e Brasil,
pela ordem. A Argentina se negou.
Em seguida, o mais grave conflito armado da América Latina no século XIX,
envolvendo quatro países. No entanto, como enfatiza Rui Mourão (autor do
excelente “Mergulho na Região do Espanto”, em cujas águas me revolvo), a guerra
teve tamanhas consequências e produziu tal desentendimento, que até hoje não
existe consenso sequer ao nome com o qual ela entrou para a história”.
A guerra não acabou no sentimento do povo guarani. Por isso, o Museu da
Inconfidência, de Ouro Preto, de que Rui é diretor, em acordo com autoridades
paraguaias e com a colaboração do Centro Cultural “El Cabildo”, reunirá acervos
de ambos os países para uma exposição temporária. Primeiro, na antiga capital
de Minas, depois transferida a Assunção, com o nome da Guerra da Tríplice Aliança.
Uma oportuna ideia. Segundo Mourão, “trata-se de experiência planejada para
permitir que cada lado apresente sua versão do fato histórico, na esperança de
que, através da pública exibição das divergências, pocomeço de superação de reservas
que ainda dificultam o relacionamento entre as partes”.