Há 90
anos, os comerciais ganhavam versões cantaroladas, os jingles
Thais Oliveira - Hoje em Dia
Titi Walter e o cantor e locutor Bruno Retes – a produtora conta, ainda,
com o músico André Baptista
“Pipoca e guaraná/Que programa legal/Só eu e você/E sem piruá!/Que
tal?”. Vai dizer que não cantarolou esses versinhos ao passo que os lia? Criado
há 25 anos, “Pipoca e Guaraná”, da Antarctica, é um dos jingles mais famosos da
publicidade brasileira. “Além de forte, criou o hábito de comer pipoca tomando
guaraná”, recorda o escritor mineiro Alberto Villas.
Mas o jingle está longe de ter sido o primeiro a ter sido composto. Em
terras tupiniquins, o pioneirismo, na verdade, pertence a “Pão Bragança”,
de1932 – ainda que o marco inicial da história dos jingles localize-se em 1926,
nos Estados Unidos, mais precisamente, na publicidade do cereal matinal
Wheaties. Isso mesmo! Há 90 anos as propagandas ganhavam melodias capazes de
emergirem do nosso inconsciente só de ouvirmos as notas iniciais.
Forma de publicidade, os jingles têm a missão de “grudar” na cabeça do
consumidor a ponto de despertar o interesse dele pela compra. Não é à toa que a
expressão em inglês soa como algo parecido com “tilintar”. “Os jingles fizeram
a festa na era do rádio e no início da televisão. Quase todo produto tinha o
seu. Quem não se lembra dos cobertores Parahyba? ‘Já é hora de dormir, não
espere a mamãe mandar...’”, relembra Villas.
O jingle citado também marcou uma das sócias da produtora de som
Aeromúsica, a cantora Titi Walter. “Ainda era criança quando o jingle dos
cobertores Parahyba passava na TV. Ele tocava por volta das 19h e a gente já
sabia que era hora de dormir e desligar a TV”, relembra.
Processo de criação
Alberto Villas é o autor do livro “A Alma do Negócio” (Editora Globo). A
publicação, com prefácio do consagrado publicitário Washington Olivetto e do
jornalista Geneton Moraes Neto, traz um recorte das propagandas veiculadas dos
anos 50, 60 e 70.
“Um fato histórico que gosto de lembrar é o jingle da Shell, cantado
pelos Mutantes, no final dos anos 1960. Ficou tão famoso que eles registraram
no segundo disco. Está lá a música ‘Algo Mais’, que era um jingle da Shell”,
destaca.
Responsável pela área de criação de jingles da Aeromúsica, Titi acredita
que o mais interessante é quando a música extrapola a barreira da propaganda.
“A gente procura fugir totalmente da coisa comercial, de usar expressões como
‘preço baixo’, ‘qualidade’ e ‘confiança’. Muitas vezes a gente nem cita o nome
do cliente. Colocar conceitos funciona e fica mais bonito”, pondera.
Os jingles, frutos da parceria entre a produtora e as agências de
publicidade, as vezes parecem ter sido criados num estalar de dedos. Mas Titi
avisa: “às vezes, fazemos duas, três versões, porque é algo muito subjetivo”.
Entre os jingles que marcaram a Aeromúsica, Titi destaca o que fez para
a Wickbold. Usando a sequência de notas da 5ª Sinfonia, de Beethoven, o “tchan,
tchan, tchan, tchan” instrumental foi transformado em “pão, pão, pão, pão”.
“Esse foi no começo da carreira. Me lembro que um concorrente, após escutar o
jingle no rádio, me ligou para dar os parabéns”.
Já o jingle feito para a Itambé rendeu um prêmio em 2013 dado pela
revista About. “Nosso amor começou numa festa de São João, no céu, a lua branca
parecia um requeijão. Quando vi você, morena, cor de doce de leite, meu coração
de manteiga quase derreteu”, diz um trecho.
Humor no Jingle inspira banda
Há 23 anos, um grupo de estudantes de Comunicação Social da UFMG
resolveu tirar sarro da linguagem publicitária, dando origem à banda de humor
The Jingles. “A gente começou a fazer jingles sérios demais ou muito
politicamente incorretos e 90% do repertório é original”, afirma o tecladista e
o zabumbeiro João Basílio.
Segundo ele, devido à autenticidade das letras, a banda chegou a ser
solicitada para criar jingles reais para empresas. O motivo? “O mercado de
jingles apresenta muitas soluções iguais, porque há pessoas que estão atuando
há tempos e tornam-se previsíveis. Como não éramos do mercado, fazíamos um
caminho diferente, fugindo do lugar comum”.
Hoje, nem todos integrantes são da formação original, mas, à exceção do
baterista Gustavo Chuck, são ainda da área da Comunicação. O grupo continua na
ativa, apesar de não receber tantos convites como em outros tempos. “The
Jingles é uma banda pré-redes sociais. Se, naquela época existissem (redes
sociais) da maneira presente, podíamos ter alcançado uma progressão maior”,
lamenta Basílio.
Para todas as idades
O ator e cantor Pedro Henrique é um dos nomes que atuam na área. O
trabalho dele, porém, é colocar a voz a serviço das músicas. Ele conta que tudo
aconteceu por acaso, mas, desde então, não parou mais. “Uma amiga minha fazia
jingles e estava precisando de um menino que cantava. Aí, fui (risos)”, diz o
garoto.
Entre os trabalhos, ele tem na bagagem as campanhas do Itaú (“Isso Muda
o Mundo”) e da HSBC Gestão de Patrimônio (“Sinos”). Com 13 anos de idade, o
garoto é prova de que jingles não é coisa só para adulto. “É um universo que me
atrai bastante, pois amo cantar e interpretar”, frisa.
Mercado
Fundador do Clube do Jingle, Fábio Dias reúne nada menos do que 5 mil
gravações em seu acervo – desde em fitas cassetes aos formatos digitais.
Devido à paixão por este universo, Dias, que é publicitário, passou anos
trabalhando na criação de jingles. Agora, prepara um livro sobre o assunto, a
ser lançado em julho, sob o título de “Música é a Alma do Negócio”. “Na obra,
comento 183 jingles brasileiros dos últimos 70 anos”.
Dias entrevistou 36 compositores para a obra. Uma das perguntas é
justamente a mesma feita pela reportagem do Hoje em Dia: “os jingles ainda têm
a mesma força de antigamente?”. “Os jingles diminuíram em quantidade e
qualidade. Uma série de fatores provocou isso. Um deles foi a mudança da
mentalidade, pois há agências que começaram a preferir trabalhar com músicas já
conhecidas, usando-as como trilha sonora num comercial. Outra coisa é que, com
o acesso à tecnologia, muita gente entrou no mercado de composição sem o
conhecimento necessário, o que resultou numa qualidade duvidosa”.
‘Quando bem feito, cumpre muito bem o seu papel’
Com o trabalho de pesquisa para embasar o livro, Fábio Dias percebeu uma
grande queda na produção de jingles após os anos 2000 e, especialmente a partir
de 2010. “Espero que seja uma fase e que voltem com força total. O jingle é uma
obra imortal, pois, quando bem feito, cumpre muito bem o seu papel”.
O diretor de criação da agência de Publicidade LZ, Flávio Vilela,
concorda que trata-se de um artifício eficaz. Porém, ele acredita que nem
sempre deve ser empregado. “Pelo fato de o jingle ter um apelo mais popular, é
necessário fazer um estudo se cabe ou não fazê-lo. Vai depender muito da
demanda do cliente”, explica.
Carnaval
Juntamente com a agência Árvore Gestão e Relacionamento, a LZ criou um
bloco carnavalesco, o “Aprova que eu quero sambar”, que estreou em 30 de
janeiro. E adivinha o que tocou no desfile? Marchinhas, pagodes e axé e...
jingles! Entre eles, “Lojas Lua de Mel”, “Arapuã”, “Hoje a Festa é Sua” e
“Guaraná Antarctica”.
“A ideia foi caracterizar o bloco com o que a gente faz, por isto,
colocamos os jingles nos intervalos do desfile”, diz Vilela, que emenda:
“pretendemos repetir a dose no ano que vem”.
“Acorda Maria! Levanta Manoel! Vamos comprar louças na Lua de Mel”. Esse
é super clássico dos jingles. Outro que fez história é das Casas Pernambucanas:
“Quem bate? É o frio. Não adianta bater. Eu não deixo você entrar”... O
comercial foi criado no início da década de 60, por Heitor Carreiro e produzido
pela Magi Som.
As crianças também não podem reclamar. Há uma infinidade de jingles
criados para produtos infantis. Quem é que não se lembra do: “Me dá, me dá, me
dá / Me dá Danoninho, Danoninho já / Me dá Danoninho, Danoninho dá / Cálcio e
vitamina pra gente brincar/ Me dá”? A propaganda foi veiculada em 1988. A letra
é de José Mário e Luiz Orquestra e a música foi tocada no piano.
O xampu Johnson’s Baby também caiu na boca dos telespectadores com o
jingle criado em 1998 por Hélio Ziskind: “Gostoso pra chuchu/Chuá chuá uh
uh/Lavar a cabeleira com Johnson’s Baby Shampoo/Uh uh uáááá”. E como não citar
os da US Top (“Liberdade é uma calça velha”) ou do Arroz Paranaíba (“valoriza a
refeição”)?
Nem todo jingle, porém, é utilizado para vender necessariamente um
produto. Durante as eleições, por exemplo, uma chuva de músicas promovendo
candidatos cai nos ouvidos do eleitor. Um dos clássicos é o de Eymael ou “Ey,
Ey, Eumael”, como diz o criado para o candidato a presidente das eleições de
1985.


