Por: Antônio Álvares da Silva*
O chamado mensalão, em que se põe a limpo a corrupção na Petrobras, alastra-se a cada dia, mostrando fatos novos e novas pessoas envolvidas. Se a sociedade continuar com o apoio, e MP e Judiciário cumprirem sua parte (como até agora vêm cumprindo), é possível que se faça uma limpeza em boa parte da nossa corrupta administração.
Os fatos mais recentes envolvem uma advogada e o presidente da Câmara dos Deputados, acusado de haver pedido 5 milhões de dólares ao sr. Júlio Camargo que, só em segundo depoimento, trouxe o fato à baila. O presidente da Câmara afirma que a inclusão foi obra do governo, que armou esquema de desmoralização contra ele. Se a honra é um bem divino (Honor divinum bonum), como diziam os romanos, este fato merece cabal explicação e a sociedade tem o direito de exigir a verdade.
Agora, outro fato grave. A advogada Beatriz Catta Preta, responsável pela negociação de nove dentre 18 delações premiadas em processos que correm perante a Justiça, renunciou ao mandato conferido por seus clientes, alegando ameaças “veladas ou cifradas” da CPI que apura o fato.
Houve reação contundente do presidente da CPI, que está exigindo da advogada o fato concreto, já que houve a atribuição do crime de ameaça, que envolve toda a CPI como autora. A convocação da advogada, que, antes, já fora feita, agora se mantém com mais esta carga: dizer quem a ameaçou.
O STF decidiu bem, liberando Catta Preta de depor sobre os honorários cobrados a seus clientes. O sigilo profissional, à semelhança do sigilo religioso, é um princípio universal. O advogado, no exercício de seu múnus público, e o religioso, no trabalho espiritual, não podem revelar os fatos que, em função destas atividades, tenham conhecimento. O resguardo da intimidade das pessoas também é um valor prezado e garantido por todos os povos cultos.
Mas o presidente do Supremo não excluiu a advogada de depor. Nem poderia, pois as CPIs têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, e podem convocar quem seus membros entenderem necessário.
Assim, a advogada terá de explicitar quem na comissão a ameaçou, sob pena de ser responsabilizada criminalmente. E note-se que tal fato nada tem a ver com o exercício da profissão.
A imprensa noticia que a advogada Catta Preta renunciou a mandatos que lhe foram conferidos por investigados e fechou seu escritório. Até aqui, nada de ilegal. O advogado é livre para prestar serviços a quem quiser. Mas resta a pergunta: houve de fato uma ameaça grave que teria posto em perigo a ela própria e sua família, obrigando-a a uma atitude tão drástica?
Se a resposta for positiva, a CPI extrapolou sua competência e a Câmara dos Deputados estaria sendo usada para fins ilícitos, através de comissões parlamentares. Isto seria uma agressão frontal ao regime democrático e o Poder Legislativo se desmoralizaria de vez. Porém, se nenhuma ameaça foi feita, resta saber o que está atrás de tudo isto, bem como os motivos que, tendo conexão com os fatos da CPI, levaram a advogada a uma decisão tão grave, com renúncia de mandatos e abandono da profissão. Estaria sendo ameaçada no cumprimento de seu dever profissional? Por quem? Ou há fatos ocultos, cuja revelação está sendo sonegada?
O povo tem o direito de saber de tudo e as autoridades competentes têm o dever de apurar a verdade. Não só a honra é um bem divino. A verdade também o é. A mentira não pode se institucionalizar na vida pública e transformar em simulacro as instituições democráticas que todos nós tanto prezamos.
*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG