José Antônio Bicalho
Algumas opiniões de Luiz Carlos Mello,
ex-presidente da Ford do Brasil e um dos mais prestigiados analistas do mercado
automotivo brasileiro:
–“A culpa pela queda nas vendas (de
automóveis) é das montadoras”.
–“O governo tem que parar com essa
história de benefício tributário”.
–“Para voltar a vender, os fabricantes
terão que cortar margens e baixar preços”.
–“Estruturalmente, as condições de
mercado continuam positivas”.
São apontamentos muito originais
quando comparados à análise predominante entre executivos e consultores do
setor, que culpam o tripé formado por aumento dos juros, aperto no crédito e
insegurança dos consumidores pela forte desaceleração das vendas.
Ontem, conversei com Mello, que foi
enfático: “Não existe crise. Estão inventando uma crise”. Porque, então, as
vendas caem (segundo a Anfavea, a queda projetada para o fechamento do ano é de
20%)? “Não caem para todos. Tem montadora aumentando vendas e com fila de
espera para seus automóveis. Isso prova que os problemas passam pela
estratégia”.
Vamos, então, ao raciocínio de Mello.
Segundo ele, existe uma grande diferença entre a retração de mercado
experimentada hoje e crises verdadeiras do passado. Naquelas, aconteceu uma
forte restrição do crédito, o que é mortal para uma indústria que depende
vitalmente do financiamento de longo prazo.
Hoje, diz ele, a oferta de crédito é
adequada, apesar dos bancos estarem mais seletivos e os juros, mais altos. Ele
também não nega que o consumidor esteja mais inseguro para assumir
compromissos. Mas entende que o imobilismo das montadoras é o pior problema.
Exemplo chinês
Mello defende que seja adotado no
Brasil o que muitas das marcas multinacionais já fizeram na China. Lá, as
montadoras enfrentaram uma desaceleração (não queda, mas redução do
crescimento) por conta da velocidade menor de incorporação de novos públicos
consumidores ao mercado de veículos. Lá, a classe média passou a crescer mais
devagar. Com isso, as montadoras precisaram baixar preços para quebrar um ciclo
que apontava para a estagnação. Para Mello, no Brasil acontece mais ou menos o
mesmo, e a receita de sucesso deve ser aplicada.
Segundo ele, o mercado brasileiro já
deveria estar vendendo em torno de seis milhões de unidades por ano, mas estas
não chegaram a três milhões e meio em 2014 e cairão neste ano. Sua conta
considera o 1,4 milhão de veículos vendidos no início dos anos 80 crescendo por
35 anos a uma taxa entre 3% e 4% (absolutamente factível para um país que conta
com crescimento da população mais incorporação de novos públicos consumidores).
“O que é preciso entender é que o
mercado brasileiro não é mais compatível com margens (de lucro) tão robustas.
Para vender mais, será preciso cortar fundo”, diz.
Existe outro ponto, segundo Mello, que
é a renovação do mix e adequação dos produtos aos novos desejos e necessidades
dos consumidores (basicamente, design e funcionalidades). Nesse ponto, ele
critica todas as maiores montadoras e aponta o exemplo das três asiáticas (ele
não gosta de citar marcas, mas aqui foi inevitável) Honda, Toyota e Hyundai, as
únicas a apresentar vigor e crescimento neste ano. Qual o segredo? Acertaram o
que o consumidor quer em termos de produto e atendimento. “Ainda não é preço,
mas isso virá cedo ou tarde”.






