Empreiteiros
confessam ter pago R$ 20 milhões de propina ao PT por contratos na Petrobras
ÉPOCA teve acesso à íntegra da delação premiada de
Augusto Mendonça e Júlio Camargo, diretores da empreiteira Toyo. Eles revelaram
à PF, em detalhes, como pagavam propina ao caixa do PT - no Brasil e em contas
secretas - e ao ex-diretor de Serviços da estatal Renato Duque, indicado ao
cargo pelo partido. É a primeira vez que empreiteiros admitem ter pago propina
ao partido
MARCELO
ROCHA E FILIPE COUTINHO
O ex-diretor
de Serviços da Petrobras Renato Duque, durante sua saída da sede da Policia
Federal na manhã desta quarta-feira (03) em Curitiba (Foto: Geraldo Bubniak
/AGB/Agência O Globo)
Os
empresários Augusto de Mendonça e Júlio Camargo, diretores da empreiteira Toyo
Setal, afirmaram em delação premiada à Polícia Federal que o PT foi o partido
mais beneficiado pelas propinas pagas pelo "clube" de empreiteiras
que dominavam os maiores contratos da Petrobras. ÉPOCA teve acesso aos
depoimentos. Os delatores deram detalhes minuciosos sobre os pagamentos e o
esquema de corrupção na estatal. Os pagamentos eram feitos de três formas:
“parcelas em dinheiro”; remessas em contas indicadas no exterior; doações
oficiais ao Partido dos Trabalhadores – PT”, disse Augusto no depoimento. Ele
afirmou que o então diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque,
solicitou que ele fizesse doações ao PT. "As quais foram feitas entre os
anos de 2008 a 2011", diz o depoimento. Segundo ele, o PT foi o partido
mais beneficiado pelos pagamentos. Seu colega Júlio Camargo disse à polícia que
as doações eleitorais não "se tratavam de valores repassados a título de
propina". Há detalhes da conta indicadada por Duque no exterior.
Chama-se "Marinelo".
É a
primeira vez que empreiteiros admitam ter pago propina ao PT por contratos na
Petrobras. Augusto afirma que, para fazer as doações pedidas por Duque,
procurou João Vaccari, vice-presidente de Finanças do PT. "Conversou
pessoalmente com João Vaccari no escritório deste, no Diretorio do PT em São
Paulo/SP, no ano de 2008, e disse que gostaria de fazer contribuições ao
Partido dos Trabalhadores e perguntou a ele como elas poderíam ser
feitas", diz o depoimento. Augusto afirma que doou R$ 4 milhões ao PT
entre 2008 a 2011.
Os
pagamentos ao PT no exterior foram feitos, segundo Augusto, em uma conta
chamada "Marinelo", indicada por Renato Duque. Em um contrato de R$
2,8 bilhões firmado com a Petrobras para obras na Repar (Refinaria Presidente
Getúlio Vargas), no Paraná, Augusto afirmou que seu colega Júlio Camargo pagou
R$ 20 milhões para a "Marinelo". Em outra obra, na Estação de
Compressão de Gás de Cabiúnas, no Rio de Janeiro, a propina ficou entre R$ 10
milhões e R$ 20 milhões, segundo Augusto. Nesta ocasião, a transferência foi de
R$ 2 milhões. Metade desse dinheiro saiu de uma conta no banco Safra Panamá, de
uma empresa de fachada de Augusto, e também foi para a Marinello.
Os valores
pagos em dinheiro eram entregues pelo próprio Augusto em um escritório em São
Paulo a um emissário de Duque, que ele identifica apenas como “Tigrão – um
homem “moreno, 1,70 a 1,80, meio gordinho, idade aproximada de 40 anos”. Os
pagamentos no exterior foram feitos em uma única conta. “As doações oficiais
(ao PT) foram feitas entre os anos de 2008 a 2011”, disse Augusto. Só em um
contrato obtido na reforma da Refinaria do Paraná (Repar), a propina paga pela
Setal chegou a R$ 60 milhões. Neste caso, para justificar a saída do dinheiro
sujo, a Setal fez contratos simulados de prestação de serviços de aluguéis de
equipamentos e terraplenagem com as empresas de fachada “Legend, Soterra,
Power, SM Terraplenagem e Rockstar”.
Augusto
afirma que, a partir de 2004, as empresas que faziam parte do que ele chama de
“clube” passaram a pagar comissões de 2% para obter contratos na Diretoria de
Serviços, comandada desde 2003 por Renato Duque, apadrinhado pelo PT e indicado
pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Augusto afirma que
negociou pagamentos de propina diretamente diretamente com Duque e com o
gerente da área de Engenharia, Pedro Barusco. Tudo foi dito por Augusto sob o
regime da delação premiada, acertada entre sua advogada, Bedatriz Catta Preta,
e o Ministério Público Federal no Paraná. Citado por Augusto, o gerente Pedro
Barusco também celebrou um acordo de delação premiada. Ele se comprometeu a
devolver cerca de US$ 100 milhões. Preso desde 14 de novembro, na sétima fase
da Operação Lava Jato, o ex-diretor Renato Duque deve ser solto a qualquer
momento, por uma decisão favorável tomada ontem pelo ministro Teori Zavascki,
do Supremo Tribunal Federal.
Os
delatores dizem que começaram a participar de licitações dirigidas na Petrobras
ainda nos anos 90. Somente empreiteiras que integravam o que definiram como
"Clube"- um cartel de 16 empresas - ganhavam os contratos na estatal.
Como ambos não ocupavam funções de comando naquele momento, disseram ao MP não
ter condições de detalhar as fraudes. Em seguida, porém, ambos subiram na
hierarquia do Clube - e essa ascensão coincidiu com a eleição de Lula para a
Presidência da República, em 2003.
A partir
de 2004, segundo os delatores, a relação do cartel, e em especial com a
Diretoria de Serviços da Petrobras, ocupada por Renato Duque, indicado pelo PT,
tornou-se organizada, sistemática e profundamente corrupta. Uma relação
sustentada pelo pagamento de propinas a ele, Duque, e ao caixa 2 do PT. Duque e
a estrutura da Petrobras comadanda por ele azeitavam os contratos para o clube;
e o clube, em troca, pagava uma taxa - a propina - pelos contratos.
Em nota,
a defesa de Renato Duque nega as acusações e desqualifica os depoimentos dos
delatores. “As delações de Julio Camargo e Augusto Ribeiro são caluniosas. Os
delatores, que são criminosos confessos, visam a, com as falsas acusações,
receber um prêmio ao final, traduzido em isenção ou redução drástica de pena.
Renato Duque nega as acusações e irá se defender de acordo com o ordenamento
jurídico brasileiro”, afirma o advogado Alexandre Lopes. O PT ainda não se
manifestou.
A
advogada Beatriz Catta Preta, que defende os empresários Augusto Mendonça e
Júlio Camargo, afirmou que a divulgação pela Justiça Federal do contéudo das
deleções premiadas de seus dois clientes era uma providencia esperada. "É
um direito das pessoas citadas terem acesso a esse conteúdo para poder se
defender", afirmou. Catta Preta disse que as declarações de Mendonça e
Camargo são apenas o início da delação premiada e que ambos continuarão a
colaborar com as autoridades. Mendonça afirmou, por exemplo, que o esquema
ilegal na Petrobras tinha regras e que ao longo do tempo elas foram
aprimoradas. “(As regras) chegaram a ser escritas como se fossem um regulamento
de campeonato de futebol”, disse. O empresário afirmou que um papel que
continha essas regras foi destruído quando a Lava Jato foi deflagrada. Ele se
comprometeu a escrevê-las.