Destacaremos alguns trechos desse
artigo que mostram com clareza o objetivo político desse programa usado pelo PT
para angariar votos e não com o objetivo de ajudar os pobres como apregoado
pelo partido e pelos seus candidatos:
- O Bolsa Família tem o mérito de
levar um recurso adicional a famílias em situações de muita necessidade, e isso
é algo que precisa ser valorizado, independentemente do cumprimento ou não de
eventuais condicionalidades. Mas essa focalização não é perfeita – muitas
pessoas que recebem o auxílio não precisariam dele, e outros que precisariam
não o recebem. E a contribuição do programa para a redução da desigualdade de
renda no país nos últimos anos é menor do que normalmente se diz.
- 80% das transferências vão para os 23% mais
pobres, o que significa, na outra ponta, que um em cada cinco reais gastos vão
para famílias de renda mais alta.
- Nos estados mais pobres, sobretudo do Nordeste, a
percentagem de famílias pobres beneficiadas é de 50%, nos estados mais ricos
essa proporção é muito menor, ficando na casa dos 20%, o que significa que os
pobres dos estados ricos são menos beneficiados pelo programa do que os dos estados
pobres.
- De qualquer forma, o programa está
desproporcionalmente orientado para os estados mais pobres e zonas rurais e
exclui muitos pobres em benefício de famílias de maior renda. Essa preferência
pelos estados mais pobres, mas não necessariamente pelas pessoas mais pobres,
tem implicações político-eleitorais que são fáceis de perceber.
- Uma análise comparada com programas similares em
várias partes do mundo confirma o pouco impacto desses programas na educação,
exceto em aumentar a matrícula em países ou regiões com níveis muito baixos de
cobertura escolar.
- A ideia de associar benefícios financeiros às
famílias a políticas sociais específicas é interessante, mas isso deveria ser
feito, preferencialmente, através das próprias agências encarregadas da
implementação dos programas, e não de forma separada. Assim, por exemplo, as secretarias
de educação municipais e estaduais poderiam contar com recursos para dar bolsas
de estudo para as crianças que o necessitem, identificadas diretamente.
Diferentemente da situação atual, em que as autoridades municipais enviam
listas de nomes para Brasília, que distribui os recursos, e depois tenta, sem
muitas condições, verificar à distância se as condicionalidades estão sendo
cumpridas.
- A fanfarra e a prioridade com que esses programas
são muitas vezes apresentados, como se eles constituíssem uma revolução nas
políticas sociais e um caminho privilegiado para a solução dos problemas da
pobreza e da desigualdade, se devem muito mais a seus usos políticos do que a
seus resultados e potencialidades efetivas.
Bolsa Família: Mitos e
Realidades
Simon Schwartz
Iniciados nos anos 1990 em vários
governos locais no Brasil, os programas de transferência de renda para famílias
pobres, hoje em grande parte federalizados com o nome de “bolsa família”, se
tornaram extremamente populares, tanto no Brasil quanto internacionalmente, com
a denominação de conditional cash transfer programs, ou programas de
transferência condicional de dinheiro. Para muitos, são uma forma nova, quase
mesmo revolucionária, de reduzir a desigualdade de renda e melhorar a educação
e a saúde da população; para outros, não passam de políticas assistencialistas
que ajudam a perpetuar a pobreza, mas que contribuem para dar votos para os
governantes nos dias de eleição. A rea¬lidade está entre os dois extremos:
estes programas trazem, efetivamente, benefícios para as populações mais
pobres, mas seus efeitos econômicos e sociais são menos significativos do que
se apregoa. Sua importância como instrumento político e eleitoral, no entanto,
está fora de dúvida.
Questionando
os pressupostos
Os debates sobre estes programas
costumam estar marcados por pressupostos nem sempre explicitados, mas que
precisam ser esclarecidos. A palavra “condicional”, usada pelo Banco Mundial e
outras agências internacionais, mais do que no Brasil, sugere que haveria algo
de errado em dar dinheiro para pessoas pobres, porque isso estimularia a
preguiça e o ócio, fazendo com que elas deixassem de procurar trabalho.
É uma noção que vem dos tempos de Malthus e da
abolição das poor laws inglesas no século XVIII. Essa condenação da ajuda aos
pobres, ainda muito presente nas discussões sobre a ausência de “portas de
saída” para os beneficiários das bolsas, não existe da mesma forma quando se
trata dos subsídios às classes médias e mesmo altas. Os gastos sociais no
Brasil, como se sabe, são fortemente enviesados a favor das classes médias e
dos setores mais ricos da população, na forma de aposentadorias, pensões,
educação superior gratuita, assistência médica gratuita, financiamentos
especiais para agricultores e empresários, privilégios para funcionários
públicos, e outros. Em comparação, o programa de bolsa família tem a
focalização no sentido correto, beneficiando preferencialmente famílias mais
pobres com crianças, ainda que de forma imperfeita.
Com a condicionalidade, o programa estaria livre do
pecado da simples transferência de recursos, que muitas vezes é criticada como
simples esmola. Na forma original, como bolsa-escola, o programa estabelecia,
como contrapartida, que os pais mandassem os filhos para a escola; na forma
ampliada, além da escola, as crianças precisam ser vacinadas, as mulheres
grávidas precisam fazer o pré-natal e seguir outras orientações do Ministério
da Saúde.
Esses programas muitas vezes trazem um outro
pressuposto, que é a suposição de que os problemas de acesso à educação, assim
como à saúde, são sobretudo de demanda, e não de oferta de serviços. Assim se
imagina, por exemplo, que as crianças deixam de ir à escola porque precisam
trabalhar para ajudar na renda da família. Como o dinheiro que podem conseguir
trabalhando não é muito, um pequeno subsídio seria suficiente para mudar o
estímulo, fazendo com que enviar a criança à escola seja mais rentável para a
família do que fazer com que ela trabalhe. Isso aumentaria a demanda por
educação, fazendo com que o sistema escolar, de alguma forma, respondesse com a
melhora da quantidade e da qualidade de sua oferta de serviços; e o mesmo
valeria para o sistema de saúde.
Esses dois pressupostos são equivocados. Uma grande
parte da população brasileira vive em situação precária, sem formação
profissional e sem perspectivas de conseguir trabalho minimamente adequado.
Proporcionar a essas pessoas uma renda mínima, que ajude na sobrevivência do
dia-a-dia, é uma política necessária, independentemente de qualquer
condicionalidade, e não há nenhuma razão para crer na ideia malthusiana de que
elas precisam da miséria para serem incentivadas a buscar trabalho.
Também é equivocada a ideia de que os problemas da
educação brasileira são de demanda. Todas as pesquisas mostram que a população
valoriza muito a educação, e de fato a permanência das pessoas nas escolas vem
aumentando ano a ano, independentemente da existência ou não de bolsa-escola ou
subsídio semelhante. Os problemas da educação estão do lado da oferta – a má
qualidade das escolas públicas, os problemas de recrutamento e formação de
professores, a ignorância em relação aos métodos de ensino mais apropriados
etc. O mesmo pode ser dito em relação à saúde. Havendo boas escolas e serviços
de saúde acessíveis, a população naturalmente buscará esses serviços.
Avaliando a
focalização
Existem hoje muitos estudos e
avaliações sobre os programas tipo bolsa família, no Brasil como no exterior,
que permitem ir além das suposições iniciais, e identificar o seu alcance.
Diferente da maioria dos demais programas sociais,
o Bolsa Família tem o mérito de levar um recurso adicional a famílias em
situações de muita necessidade, e isso é algo que precisa ser valorizado,
independentemente do cumprimento ou não de eventuais condicionalidades. Mas essa
focalização não é perfeita – muitas pessoas que recebem o auxílio não
precisariam dele, e outros que precisariam não o recebem. E a contribuição do
programa para a redução da desigualdade de renda no país nos últimos anos é
menor do que normalmente se diz.
Sergei Soares e outros fazem uma análise bastante
completa da focalização e cobertura do programa no Brasil, e concluem pela sua
boa focalização, em termos comparativos . Segundo eles, 80% das transferências
vão para os 23% mais pobres, o que significa, na outra ponta, que um em cada
cinco reais gastos vão para famílias de renda mais alta. Os problemas de
focalização que ainda existem estariam associados ao processo de cadastramento
dos beneficiados pelos municípios, baseados na auto-declaração de renda das
pessoas.
O programa tem grande cobertura, beneficiando quase
um quarto da população brasileira. Embora, em termos proporcionais, o valor das
bolsas seja pequeno, elas representariam 43,6% da renda das famílias
beneficiadas (no momento em que escrevia este texto, o governo estava por
anunciar um aumento tanto da cobertura como do valor nominal da bolsa, elevando
o rendimento médio mensal de R$ 62,00 para R$ 72,00 e incorporando mais 1,3
milhão de famílias ao total de beneficiados, que passaria a ser de 12,4 milhões
de famílias).
As duas fontes principais de dados sobre o Bolsa
Família até aqui são os registros administrativos e a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios do IBGE (PNAD) de 2006, que tem um suplemento especial
sobre programas sociais. O quadro abaixo permite verificar a focalização e
cobertura do Bolsa Família segundo os dados da PNAD 2006.
O Quadro 1 ordena os estados brasileiros pela
percentagem de famílias pobres, situando-se a pobreza na faixa de renda
familiar igual ou inferior a ¼ do salário-mínimo per capita. O que se pode ver
é que quanto mais pobre o Estado, mais famílias são atendidas pelo programa,
proporcionalmente. As duas últimas colunas do quadro indicam, no entanto,
problemas sérios de focalização. Se nos estados mais pobres, sobretudo do
Nordeste, a percentagem de famílias pobres beneficiadas é de 50%, nos estados
mais ricos essa proporção é muito menor, ficando na casa dos 20%, o que
significa que os pobres dos estados ricos são menos beneficiados pelo programa
do que os dos estados pobres. A última coluna mostra que, sobretudo nos estados
do Sudeste e do Sul, mais da metade das bolsas vai para famílias que estão
acima da linha de pobreza. O programa tem também uma preferência clara pelas
populações rurais, em detrimento das urbanas, como indicado no Quadro 2.
Esses dados devem ser vistos com cautela porque a
PNAD não reflete exatamente a situação dos cadastros do programa, e também
porque a rigor não se pode usar a mesma linha de pobreza para os estados mais
pobres e os mais ricos da federação. De qualquer forma, os dados mostram como o
programa está desproporcionalmente orientado para os estados mais pobres e
zonas rurais e exclui muitos pobres em benefício de famílias de maior renda.
Essa preferência pelos estados mais pobres, mas não necessariamente pelas
pessoas mais pobres, tem implicações político-eleitorais que são fáceis de
perceber.
Redução da desigualdade
A desigualdade de renda no
Brasil, que é uma das piores do mundo, vem-se reduzindo desde a implantação do
Plano Real em 1994, com um pequeno retrocesso em 2001, e uma queda mais
acentuada a partir de então . Existem muitos estudos, bastante técnicos, que
tratam de entender os determinantes dessa queda. Ricardo Paes de Barros e
colaboradores estimam que ela se deve, em partes quase iguais, ao aumento da
renda derivada do trabalho (32% a 46% da variação) e da renda não derivada do
trabalho (42% a 48%). Outros fatores, como as mudanças nas taxas de ocupação e
na estrutura de idades da população teriam papel menor.
Rodolfo Hoffmann, no mesmo volume , estima que a
contribuição do aumento das transferências de renda do governo foi menor,
respondendo por cerca de 20,5% da redução da desigualdade, ao passo que 68,2%
seriam atribuíveis a mudanças no rendimento do trabalho. Ele observa ainda que
o efeito das transferências é maior no Nordeste do que em outras partes do
país. Essas transferências são, sobretudo, o Bolsa Família e o Benefício de
Prestação Continuada, uma transferência no valor de um salário-mínimo que
beneficia pessoas de mais de 65 anos e pessoas incapacitadas que não têm
direito à aposentadoria porque não recolheram contribuições suficientes. As
aposentadorias e pensões do regime geral do INSS e dos regimes especiais do
funcionalismo público, por sua vez, não contribuem para a redução da
desigualdade, e podem estar até mesmo atuando em sentido contrário. Sergei
Soares examina o impacto de diferentes fatores na redução da desigualdade entre
2004 e 2006 e conclui que “as transferências sociais focalizadas, cujo peso na
renda total é de cerca de 1%, contribuíram com ⅓ da queda na desigualdade.
Só o Programa Bolsa Família teria contribuído com
20% dessa redução”.
O que se pode concluir dessas análises é que a
contribuição do Bolsa Família para a redução da desigualdade foi significativa,
mas inferior à de outros fatores, como o crescimento da economia e o programa
de Benefício de Prestação Continuada. O crescimento da economia nos anos
recentes permitiu que o salário-mínimo tivesse importantes aumentos em seu
valor real, sem maiores impactos no desemprego e na informalidade, efeitos
perversos que seriam esperáveis em uma situação de estagnação ou menor
crescimento, que é o que se teme que possa ocorrer nos próximos anos. O aumento
real do salário-mínimo também impacta o sistema previdenciário e os orçamentos
públicos em todos os níveis, acarretando um comprometimento financeiro que pode
tornar-se muito problemático nos próximos anos.
O impacto na educação e outros efeitos
As expectativas iniciais de que
programas de transferência de renda pudessem ter um impacto significativo sobre
a educação não se confirmaram de uma maneira geral, embora alguns efeitos
localizados possam ser observados. A principal razão é que, no Brasil, as
famílias tendem sempre a colocar as crianças em escolas quando estas estão
disponíveis. O abandono só começa a ocorrer de forma significativa ao redor dos
14 a 15 anos de idade, quando as crianças já passaram do que era a idade de
corte para o recebimento da bolsa. Da população brasileira de 15 a 18 anos de
idade, em 2006, de um total de 14 milhões de pessoas, 3,5 milhões estavam fora
da escola. Entre os mais pobres, de um total de 4,4 milhões, 1,3 milhão estava
fora da escola.
Recentemente, o governo ampliou o programa de bolsa
para famílias com filhos até 17 anos de idade que estejam estudando. Com isso
buscou atender aos de maior risco, mas o número de beneficiados não foi muito
significativo. É que muitos jovens viviam em famílias que já recebiam a
contribuição máxima do programa, entre outras razões.
O Quadro 3 mostra a percentagem de crianças e
jovens de famílias pobres (25% inferior da distribuição de renda) que
frequentam ou não a escola, por idade, por região, e se a família recebe ou não
bolsa família, conforme os dados do IBGE de 2006.
O que se pode constatar é que existem diferenças
importantes até os 7 anos de idade e dos 14 anos para cima, e de forma
crescente depois desta idade, sobretudo na área rural. O que não se sabe é se
as crianças e jovens estão na escola por causa da bolsa ou se recebem a bolsa
porque estão na escola. A PNAD 2003 mostrou um resultado curioso a esse
respeito: crianças de famílias que recebem ou esperam receber bolsas estavam na
escola em proporções semelhantes entre si e diferentes das crianças de famílias
que não recebiam bolsas. Isso sugere que não era o dinheiro da bolsa que
explicava as diferenças, mas, sim, o acesso que as famílias tinham a escolas,
por um lado, e ao programa de bolsa, por outro .
Uma análise comparada com programas similares em
várias partes do mundo confirma o pouco impacto desses programas na educação,
exceto em aumentar a matrícula em países ou regiões com níveis muito baixos de
cobertura escolar . Para países como o Brasil, os problemas principais da
educação não são mais de acesso ou assiduidade às aulas, mas da qualidade das
escolas, dos conteúdos dos programas, da organização dos sistemas escolares e
da formação de professores, entre outros, questões sobre as quais programas de
transferência de renda não têm nenhum impacto.
Uma pesquisa feita pelo Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional de Minas Gerais (CEDEPLAR), por solicitação do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, buscou identificar os efeitos do
programa em quatro áreas: gasto familiar, educação, trabalho e empoderamento da
mulher . Para tanto, a pesquisa comparou domicílios em situação semelhante de
renda que participavam e não participavam do programa em 2005.
Como era de esperar, as famílias que receberam a
bolsa gastaram mais em alimentação do que as que não receberam, sobretudo entre
os de renda abaixo de R$ 50,00 per capita e na região Norte/Centroeste, onde o
aumento de gastos anuais com alimentos chegou a R$ 588,01. Aumentos de gastos
em educação também ocorreram, mas os valores são pequenos, entre R$ 20,00 e R$
50,00 ao ano.
Em relação à educação, a pesquisa encontrou que a
diferença em frequência escolar dos que recebiam o auxilio era de 3,6%,
chegando a mais de 7% na Região Nordeste; e que havia uma diferença de 1,8% a
favor dos que recebiam a bolsa em relação à evasão escolar. Segundo o
relatório, “os resultados da comparação da proporção de crianças que declararam
só estudar em relação àquelas que declararam só trabalhar, trabalhar e estudar
ou não trabalhar nem estudar, indicam não haver diferença significativa na
alocação do tempo para o estudo entre os dois grupos comparados”, ou seja,
entre os que recebem e os que não recebem a bolsa. De fato, ao contrário do que
se pensa, não há incompatibilidade absoluta entre trabalho e estudo para os jovens,
sobretudo porque o trabalho dos jovens, quando existe, tende a ser em tempo
parcial.
Em relação ao trabalho, a pesquisa encontrou que os
beneficiários do programa têm uma participação no mercado de trabalho
ligeiramente menor do que a dos não-beneficiados, da ordem de 2 a 3%, com uma
diferença importante no caso das mulheres beneficiadas da Região Sudeste e
Região Sul, da ordem de mais 14%.
Finalmente, os dados sugerem que as mulheres, que são as que recebem o dinheiro
da bolsa, têm maior poder de barganha em relação às decisões familiares no caso
de famílias que recebem do que no caso de famílias que não recebem a bolsa.
O relatório não interpreta os resultados, mas,
exceto em relação aos gastos com alimentos, não é óbvio que as diferenças
encontradas se devem às bolsas do programa. É possível, por exemplo, que sejam
as mulheres mais ativas e empreendoras do Sul e do Sudeste que busquem
cadastrar-se nos programas de renda dos municípios, deixando de fora,
justamente, as mais isoladas.
O lugar dos programas de transferência nas políticas sociais
Sonia Draibe realizou uma
comparação cuidadosa dos diversos programas de transferências de renda
condicionadas na América Latina, assim como da literatura existente, e procurou
identificar que dimensões precisariam ser analisadas para avaliar seu impacto :
- que lugar ocupam nos sistemas nacionais de
proteção social? Estão efetivamente integrados ao sistema de políticas sociais
de cada país ou mantêm perfil e dinâmica próprios, paralelos àqueles?
- operam como efetiva porta de entrada aos
programas sociais universais ou atuam de forma paralela e fragmentada, em
relação a estes?
como se dá a interação entre os programas de renda e os programas universais de
saúde e educação, áreas em que, em geral, definem-se as condicionalidades ou
contrapartidas?
- os programas de transferência de renda configuram
efetivamente uma rede social de proteção básica? Há integralidade das ações e
ganhos de sinergia ou os programas operam de modo isolado e independente, cada
qual segundo suas rotinas e procedimentos próprios?
- que efeitos provocam nos sistemas nacionais de
proteção social? A oferta dos serviços sociais básicos, especialmente os de
saúde e educação, tem sido estimulada e incentivada, direta ou indiretamente,
pelos programas?
A conclusão de Draibe é que, em geral, esses
programas produzem alguma melhoria no consumo e no acesso a serviços para as
populações mais carentes, mas são pouco ou nada eficazes em efetivamente tirar
as pessoas da situação de pobreza em que vivem. Dos diversos programas
estudados, o que sobressai como o de melhores resultados é o Programa Puente,
do Chile, em que os auxílios monetários estão associados a um trabalho
personalizado de apoio às famílias beneficiadas. O pressuposto do Programa
Puente é que essas famílias se encontram excluí¬das das redes sociais e
assistenciais existentes, cabendo ao programa não só trazer uma contribuição
monetária, mas sobretudo apoiá-las para que possam inserir-se de maneira mais
adequada na sociedade.
A ideia de associar benefícios financeiros às
famílias a políticas sociais específicas é interessante, mas isso deveria ser
feito, preferencialmente, através das próprias agências encarregadas da
implementação dos programas, e não de forma separada. Assim, por exemplo, as secretarias
de educação municipais e estaduais poderiam contar com recursos para dar bolsas
de estudo para as crianças que o necessitem, identificadas diretamente.
Diferentemente da situação atual, em que as autoridades municipais enviam
listas de nomes para Brasília, que distribui os recursos, e depois tenta, sem
muitas condições, verificar à distância se as condicionalidades estão sendo
cumpridas. O exemplo do Chile chama atenção para outro aspecto importante das
políticas sociais bem-sucedidas, que é a intersetorialidade, ou seja, a
capacidade de trabalhar simultaneamente sobre os diversos aspectos das
carências e dificuldades que afetam as famílias mais pobres, que requerem apoio
direto, personalizado e integrado. No caso do Brasil, a incorporação de diferentes
programas de apoio a famílias a um grande programa centralizado, aparentemente
justificável em nome da racionalidade gerencial, na verdade pode ter tido um
efeito negativo: retirar recursos de programas especializados que poderiam agir
de forma muito mais efetiva em suas áreas de atuação.
Embora os programas de transferência de renda
possam dar um alívio a situações de penúria, eles não constituem, de fato,
mecanismos apropriados para dar às pessoas beneficiadas uma porta efetiva para
sair da situação de pobreza, desemprego ou subemprego em que vivem. Não se
trata de criticar os programas por deixar de fazer coisas que seriam
impossíveis, ou quase, que fizessem. A má distribuição de renda no Brasil, bem
como os problemas de pobreza a ela associados não são somente uma questão de
justiça social ou de exploração dos pobres pelos ricos. Ela não pode ser
resolvida com a simples transferência de renda de um setor da sociedade para
outro, pois está associada a profundas diferenças de educação e capacitação e à
ausência de um mercado de trabalho suficientemente dinâmico e amplo que tenha
condições de absorver e integrar, de forma produtiva, o grande número de
pessoas que hoje vivem à margem ou nas periferias da sociedade brasileira. A
conclusão mais geral é que os programas de transferência de renda podem
produzir efeitos benéficos, mas não são um substituto para as políticas
econômicas e sociais clássicas, na área do emprego, do seguro social, da
educação, da qualificação profissional, e do atendimento à saúde, que são as
únicas que podem efetivamente produzir resultados mais significativos a médio e
longo prazo.
A fanfarra e a prioridade com que esses programas
são muitas vezes apresentados, como se eles constituíssem uma revolução nas
políticas sociais e um caminho privilegiado para a solução dos problemas da
pobreza e da desigualdade, se devem muito mais a seus usos políticos do que a
seus resultados e potencialidades efetivas.