FÁBULA
As fábulas (do latim
fabula, significando “história, jogo, narrativa”, literalmente “o que é dito”)
são uma aglomeração de composições literárias em que os personagens são animais
que apresentam características humanas, tais como a fala, os costumes, etc.
Estas histórias terminam com um ensinamento moral de caráter instrutivo. É um
gênero muito versátil, pois permite diversas maneiras de se abordar determinado
assunto. As Fábulas naturalmente têm como descrição animais como personagens e
no seu final apresenta um ensinamento, ou seja a MORAL.
O Leão e o Rato
Depois que o Leão
desistiu de comer o rato porque o rato estava com espinho no pé (ou por
desprezo, dá no mesmo), e, posteriormente, o rato, tendo encontrado o Leão
envolvido numa rede de caça, roeu a rede e salvou o Leão (por gratidão ou
mineirice, já que tinha que continuar a
viver na mesma floresta), os dois, rato e Leão, passaram a andar sempre juntos,
para estranheza dos outros habitantes da floresta (e das fábulas). E como os
tempos são tão duros nas florestas quanto nas cidades, e como a poluição já
devastou até mesmo as mais virgens das matas, eis que os dois encontraram, em certo
momento, sem ter comido durante vários dias. Disse o Leão:
- Nem um boi. Nem ao
menos uma paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como hors-d’oeuvres
de uma futura refeição…
Caiu estatelado no
chão, irado ao mais fundo de sua alma leonina. E, do chão onde estava, lançou
um olhar ao rato que o fez estremecer até a medula. “A amizade resistiria à
fome? – pensou ele. E, sem ousar responder à própria pergunta, esgueirou-se pé
ante pé e sumiu da frente do amigo (?) faminto. Sumiu durante muito tempo.
Quando voltou, o Leão passeava em círculos, deitando fogo pelas narinas, com
ódio da humanidade. Mas o rato vinha com algo capaz de aplacar a fome do
ditador das selvas: um enorme pedaço de queijo Gorgonzola que ninguém jamais
poderá explicar onde conseguiu (fábulas!). O Leão, ao ver o queijo, embora não
fosse um animal queijífero, lambeu os beiços e exclamou:
- Maravilhoso, amigo,
maravilhoso! Você é uma das sete maravilhas! Comamos, comamos! Mas, antes,
vamos repartir o queijo com equanimidade. E como tenho receio de não resistir à
minha natural prepotência, e sendo ao mesmo tempo um democrata nato e
confirmado, deixo a você a tarefa ingrata de controlar o queijo com seus
próprios e famélicos instintos. Vamos, divida você, meu irmão! A parte do rato
para o rato; para o Leão, a parte do Leão.
A expressão ainda não
existia naquela época, mas o rato percebeu que ela passaria a ter uma validade
que os tempos não mais apagariam. E dividiu o queijo como o Leão queria: uma
parte do rato, outra parte do Leão. Isto é: deu o queijo todo ao Leão e ficou
apenas com os buracos. O Leão segurou com as patas o queijo todo e abocanhou um
pedaço enorme, não sem antes elogiar o rato pelo seu alto critério.
- Muito bem, meu amigo.
Isso é que se chama partilha. Isso é que se chama justiça. Quando eu voltar ao
poder, entregarei sempre a você a partilha dos bens que me couberem no litígio
com os súditos. Você é um verdadeiro e egrégio meritíssimo! Não vai se
arrepender!
E o ratinho morto de
fome, riu o riso menos amarelo que podia, e ainda lambeu o ar para o Leão
pensar que lambia os buracos do queijo. E enquanto lambia o ar, gritava, no
mais forte que podiam seus fracos pulmões:
- Longa vida ao Rei!
Longa vida ao Rei! Leão!
MORAL: Os ratos são iguaizinhos aos homens. O
Leão é o Político e o Rato o Povo.
Qualquer semelhança com a situação atual é mera
coincidência.
Do Livro: 100 Fábulas de Millôr Fernandes