O difícil exercício da
autocrítica
Simone Demolinari
O final do ano nos convida à reflexão. Mas será que conseguimos olhar
para dentro de nós com isenção narcísica e fazer um bom exame de consciência
sobre nossas condutas? Mergulhar dentro de si não é uma tarefa fácil.
Geralmente tendemos a enxergar melhor os erros nos outros e atenuá-los em nós.
No final de 2014, o papa Francisco fez um interessante discurso à Cúria
Romana convidando-os a uma autocrítica. Ele se ateve a alguns comportamentos
que chamou de “doenças”, que ao meu ver são reflexões muito pertinentes à vida
de qualquer pessoa. Vejamos algumas de forma resumida:
- A doença do sentir-se “imortal”, “imune” ou até mesmo “indispensável”.
Esta é a enfermidade daqueles que se sentem superiores a todos. Muitas vezes
deriva da patologia do poder, do “complexo dos eleitos”, do narcisismo que fixa
apaixonadamente a sua imagem. A estes, uma visita ordinária aos cemitérios
poderia ajudar. Ver os nomes de tantas pessoas que já partiram, algumas das quais
pensassem talvez ser imortais, imunes e indispensáveis.
- A doença da má coordenação. Quando os membros do corpo perdem a
comunhão entre si, o corpo perde a sua funcionalidade harmoniosa. É como uma
orquestra que só produz barulho, pois seus membros não cooperam uns com os
outros. É quando o pé diz ao braço: “não preciso de ti para nada”, ou a mão à
cabeça: “quem manda sou eu”, causando, assim, desarmonia e mal-estar.
- A doença da esquizofrenia existencial. É a doença dos que vivem uma
vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do vazio espiritual, onde
nível social ou títulos acadêmicos não podem preencher. Criam, assim, um mundo
paralelo, onde colocam à parte tudo aquilo que ensinam severamente aos outros e
começam a viver uma vida oculta e muitas vezes dissoluta.
- A doença das bisbilhotices, das murmurações e da fofoca. É uma doença
grave, que começa simplesmente, quem sabe, para trocar poucas palavras e se
apoderar da pessoa, transformando-a em semeadora de intrigas e homicidas da
fama dos colegas. É a doença das pessoas covardes que, não tendo a coragem de
falar diretamente, falam pelas costas.
- A doença de “endeusamento” dos chefes. É a doença daqueles que
cortejam seus superiores, esperando daí obter vantagens. São vítimas do oportunismo.
Esta doença também pode ocorrer inversamente, quando os chefes cortejam alguns
colaboradores para obter deles submissão, lealdade e dependência psicológica.
- A doença da indiferença para com os outros. Quando alguém pensa
somente em si, perdendo a sinceridade e o calor das relações humanas. Quando se
chega ao conhecimento de algo e o esconde para si, ao invés de partilhar
positivamente com os outros. Quando, por ciúme ou por astúcia, se sente alegria
ao ver o outro cair, ao invés de erguê-lo e encorajá-lo.
Talvez uma boa sugestão para essa época do ano seja a confraternização
interior, substituindo mensagens natalinas e presentes comemorativos por um
profundo mergulho em nós mesmos, tentando, com humildade, ser pessoas melhores.