História de Notas & Informações – Jornal Estadão
O governo Lula da Silva deve estar arrependido de ter assentido com a possibilidade de renegociar a dívida dos Estados mais encalacrados do País. A despeito das generosas condições oferecidas pela União, os Estados, para surpresa de ninguém, não ficaram satisfeitos. Querem mais, e é bem possível que consigam, seja via Legislativo, seja com a ajuda do Judiciário.
Se todos os Estados aderirem ao programa, a União terá de arcar com até R$ 106 bilhões nos próximos cinco anos. Atualmente, a dívida está em cerca de R$ 760 bilhões, mas quatro Estados respondem por 90% do valor e seriam os principais beneficiários da negociação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
O projeto foi elaborado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que priorizou critérios para atender Minas Gerais. Mas, durante a tramitação, o Legislativo acatou sugestões dadas por outros Estados endividados e por aqueles que não apresentavam dificuldades financeiras, mas que viram no texto uma oportunidade de obter receitas extras por meio de um fundo de equalização.
Como era previsível, os Estados exageraram. E o governo Lula da Silva, ainda que tenha mantido a essência gastadora do projeto, como a possibilidade de reduzir de 4% para zero a taxa de juros das dívidas estaduais, mantendo apenas a correção pela inflação, acabou por vetar os trechos mais escandalosos.
Entre eles está o que previa acúmulo de benefícios entre o programa anterior e o que acaba de ser criado, o que faria com que a União continuasse a arcar com dívidas estaduais com bancos e organismos multilaterais. O outro é o que possibilitaria o abatimento das parcelas com o uso de recursos de um fundo criado na reforma tributária para incentivo a regiões mais pobres.
Foi o suficiente para revoltar os governadores – e produzir verdadeiras pérolas. Nas redes sociais, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, disse que o Executivo federal “quer que os Estados paguem a conta de sua gastança”, sem mencionar que o Estado ficou anos sem pagar sua própria dívida.
Em luto, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, afirmou ser um “dia triste para o federalismo brasileiro”, que teria sido “golpeado pelas costas”. Cobrou ainda “espírito público” dos conselheiros do presidente Lula da Silva. “Essa ideia de um único país, um único povo, foi abandonada definitivamente”, lamentou, omitindo o calote que deu na União quando privatizou a Cedae.
Mais contido, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, anunciou ter recebido “com extrema preocupação e indignação” os vetos presidenciais e cobrou a manutenção da suspensão da dívida do Estado por três anos em razão das enchentes que afetaram o Estado no ano passado.
Por óbvio, nenhum deles destacou as enormes vantagens da proposta, como pagar um empréstimo sem juros ao longo de 30 anos, condição que apenas os pais oferecem aos próprios filhos. Tampouco lembraram que o Tesouro tem emitido títulos a uma taxa média de juros de quase 8% ao ano, o que significa que as condições anteriores à sanção da lei já são bastante interessantes.
A julgar pelas declarações dos governadores Romeu Zema, Cláudio Castro e Eduardo Leite, eles não almejam uma renegociação de suas dívidas, mas sim o perdão. Para isso, os três prometem mobilizar suas bancadas na Câmara e no Senado para convencer o Congresso a derrubar os vetos.
Em meio à gritaria, o eloquente silêncio do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, expôs um racha no grupo e mostrou que nem todos estão dispostos a comprar uma briga tão desarrazoada. Todos os outros 22 Estados e o Distrito Federal não acumulam dívidas tão relevantes, mas provavelmente vão analisar a possibilidade de aderir.
É bom lembrar a origem desse imbróglio. Tudo começou com a ideia – provavelmente tida como genial – do Programa “Juros por Educação”, por meio do qual o governo pretendia reduzir, por cinco anos, as taxas que corrigem a dívida dos Estados a 2% ou 3% para aqueles que se comprometessem a criar vagas na educação profissional técnica e a ampliar o ensino médio integral. Deu no que deu.
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