História de Sérgio Vale – Jornal Estadão
A política monetária tem tentado minimizar os estragos feitos pelo magro pacote fiscal do governo, mas sem sucesso. Em outros tempos, o choque de um anúncio de juros que vai chegar a 14,25% na segunda reunião do Copom em 2025, com as intervenções no mercado cambial que o BC fez, levaria a uma leve diminuição, que fosse, da taxa de câmbio. Entretanto, quase uma semana depois do Copom, o câmbio se estabilizou acima de R$ 6.
O banco tem tomado as decisões corretas e possíveis no contexto de crise criada pela política fiscal. Não há muito mais a se fazer da parte dele. O que precisava era um redirecionamento radical do pacote fiscal para algo muito mais contundente. Mas quando o Ministro da Fazenda diz que o mercado não entendeu, quando o presidente fala que não há ninguém fiscalmente mais responsável que ele e o Congresso sinaliza que pode até piorar o que foi apresentado, ficamos com a impressão de que decididamente teremos de esperar os próximos dois anos para que um novo governo tenha clareza dos desafios fiscais que enfrentamos.
Para começar, o pacote apresentado pelo governo, se der integralmente certo, ajuda apenas a mitigar o resultado primário, que já vai ser muito negativo. Além dos R$ 45 bilhões dos precatórios, o plano apresentado pode ajudar o governo a chegar ao mínimo de 0,25% do PIB de déficit ano que vem. Ou seja, ainda teríamos um déficit na casa de R$ 75 bilhões mesmo com o que foi apresentado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (à esquerda) e a ex-presidente Dilma Rousseff (à direita) Foto: Ricardo Stuckert/PR
O problema é que o resultado primário para estabilizar a dívida sobe a cada dia que o governo evita ajustes mais profundos. Hoje, a depender da conta de juros e crescimento que se use, estamos falando de um primário de 4% do PIB para estabilizar a dívida pública bruta. Dados os 0,7% de déficit esperados para o ano que vem, estamos falando de uma virada de quase 5 pontos porcentuais apenas para estabilizar a já muito elevada dívida.
Estamos em situação muito pior do que se tinha no primeiro mandato de Lula, quando a herança bendita de FHC ajudou o governo a manter uma trajetória sustentável naquele momento. E chega a ser pior do que o primeiro mandato de Dilma, que, mesmo com dificuldades, ainda tinha um superávit primário pequeno, com uma dívida cerca de 20 pontos porcentuais menor do que hoje.
O choque fiscal negativo dado pelo governo vai fazer com que a economia desacelere ano que vem. O empuxo fiscal já está menor, fruto de expansão menor das transferências de renda, e a política monetária será bastante contracionista. Com sorte, crescemos 2%, mas há risco de o crescimento ser ainda menor a depender de onde a Selic chegará. Provavelmente será algo em torno de 15%, talvez mais do que isso, e a desaceleração econômica para o segundo semestre está dada, com arrecadação crescendo menos do que o governo estima, na minha conta em pelo menos R$ 30 bilhões.
A pressão do governo para entregar resultados melhores em 2026 lembrará em muito os últimos dois anos do primeiro mandato de Dilma, quando o governo se esforçou para indicar que estava tudo bem, quando na verdade a conta de um ajuste atrasado foi cair na conta de Joaquim Levy, Ministro da Fazenda, que nada teve a ver com a crise construída nos anos anteriores.
Esse fantasma do passado, que volta à tona agora, não deixa dúvidas ao mercado sobre onde podemos chegar. Por isso, o ajuste nos preços vem com mais velocidade do que naqueles anos e a taxa de câmbio é a que mais reflete os erros do governo.
Será difícil o atual R$ 6 do dólar não virar o R$ 5 que era no começo deste ano. E assim, como o R$ 5 virou R$ 6, o mercado começará a se perguntar se tal desconexão da realidade poderá levar a um câmbio ainda maior. A chance disso é bastante grande, infelizmente.
Com a inflação com dificuldade para se manter no teto da meta, que é 4,5%, o Banco Central terá um trabalho mais que solitário, quase impossível de se fazer sem a ajuda do fiscal. Para se atingir a Selic de 6,5% que tivemos em 2019, o governo teria de dar um choque fiscal nos moldes da regra do teto no final de 2016. Como não vai fazer isso, temos de nos preparar para dois anos difíceis na economia.
* Sérgio Vale é economista-chefe da MB Associados
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