História de Molly Gorman – Da BBC Future – BBC News Brasil
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Pesquisas indicam que a amizade pode trazer grandes benefícios na terceira idade.© Javier Hirschfeld/ BBC/ Getty Images
Você prefere conhecer muitas pessoas novas ou passar o tempo com um pequeno círculo de amigos próximos?
Talvez você imagine que sua resposta irá depender do seu grau de
introversão ou extroversão. Mas saiba que existe outro fator
fundamental, mas pouco conhecido, que influencia nossas preferências
sociais: a idade.
As amizades beneficiam pessoas de todas as idades. Elas chegam a melhorar nossa saúde e aumentar nosso tempo de vida, segundo indicam diversas pesquisas.
À medida que a idade avança, as amizades podem passar a ser uma importante fonte de felicidade e satisfação com a vida. E as interações frequentes com um amigo próximo, de fato, podem aumentar a felicidade entre os idosos, mais do que com a própria família.
Uma explicação simples é que as amizades podem ser mais engraçadas, menos tensas e carregadas do que outros relacionamentos.
Um estudo realizado entre norte-americanos com mais de 65 anos de
idade concluiu que os encontros com os amigos eram considerados mais
agradáveis do que com familiares. Estas descobertas contradizem estudos
mais antigos, que se concentravam mais na família próxima como a
principal fonte de apoio para os adultos, durante o envelhecimento.
Mas existe uma diferença importante na forma em que as pessoas mais
velhas escolhem e mantêm suas amizades, em comparação com os jovens.
Os jovens tendem a procurar ativamente novos contatos. Já os idosos
reduzem deliberadamente suas redes sociais, segundo a professora de
psicologia Katherine Fiori, da Universidade Adelphi, em Nova York, nos
Estados Unidos.
Esta redução do número de relacionamentos na nossa vida traz
importantes benefícios, mas também algumas desvantagens que merecem ser
detalhadas, segundo ela e outras fontes.
Nosso comportamento e objetivos sociais se alteram com a idade, o que
pode facilitar nossa conexão com as outras pessoas.© Javier Hirschfeld/
BBC/ Getty Images
Uma das vantagens de cultivar um círculo menor de amizades é que os
laços restantes, cuidadosamente selecionados, costumam ser de alta
qualidade.
“À medida que as pessoas envelhecem, sua perspectiva sobre o futuro
muda”, explica Fiori. “Essencialmente, elas têm menos tempo para viver.
Suas prioridades se alteram e elas tendem a se concentrar nos propósitos
socioemocionais.”
Este fenômeno é conhecido como teoria da seletividade socioemocional.
Os adultos mais jovens observam seu futuro em expansão e se
concentram em formar novas conexões. Já os mais velhos têm como
prioridade passar seu tempo com as pessoas que os conhecem bem e, com
isso, reduzem suas conexões.
Fiori explica que a restrição dos laços mais fracos é proposital. A
intenção das pessoas é se concentrar nos laços próximos, quando o fim da
vida se aproxima.
Expansão vs. contração
Pesquisadores concluíram que, como parte desta redução, os adultos
com mais idade chegam a excluir deliberadamente seus conhecidos mais
distantes das suas redes sociais. Isso aumenta a chamada “densidade emocional” do seu círculo social – ou seja, eles trabalham para criar um grupo menor e mais coeso.
Os idosos também costumam perdoar mais e ser mais positivos com os
contatos escolhidos, já que eles estão tentando saborear a vida e o
tempo que lhes resta juntos, segundo indicam as pesquisas.
Este foco na alegria confirma outras descobertas sobre o papel da positividade na terceira idade.
Em comparação com os adultos mais jovens, por exemplo, os idosos
geralmente têm postura mais positiva e se concentram nos eventos e
recordações positivas da vida. Este fenômeno é conhecido como o “efeito
da positividade”.
Mas você não precisa ser idoso para se concentrar mais nos relacionamentos próximos, alegres e positivos.
Quando os mais jovens são levados a pensar sobre a fragilidade da
vida e seu tempo limitado na Terra, eles também mudam seus propósitos
sociais. Eles abandonam sua estratégia mais expansiva e passam a adotar
maior concentração, segundo um estudo de 2016.
Este efeito foi particularmente agudo durante a pandemia de covid-19.
No pico da pandemia, pessoas de todas as faixas etárias privilegiaram
os parceiros emocionalmente significativos, segundo demonstraram
diversos estudos.
Em outras palavras, as pessoas mais velhas mantiveram sua estratégia
padrão, típica da idade, de se concentrar em manter menos laços e mais
próximos. Já os mais jovens mudaram seu comportamento, antes aberto e
expansivo, passando a agir como os mais velhos, em termos de
preferências sociais.
“As conclusões indicam que as diferenças amplamente documentadas de
motivação social entre as idades refletem horizontes de tempo, mais do
que a idade cronológica”, segundo o estudo. Ou seja, o tempo que
pensamos ter afeta mais a nossa estratégia social do que a nossa idade
real.
Abraçando novos amigos
Mas, mesmo entre as pessoas que cultivam esses laços próximos, também
é uma boa ideia permanecer aberto para novas amizades, segundo os
pesquisadores.
Fiori e seus colegas descobriram que reduzir demais a rede de amigos
nem sempre é saudável. Pode ser surpreendente, mas ela afirma que não
existem evidências que indiquem que o foco exclusivo nos laços próximos
seja benéfico para a saúde física ou mental, em nenhuma idade.
“As amizades são muito benéficas para o bem-estar das pessoas ao
longo da vida”, explica ela. “Parte disso ocorre porque diferentes
relacionamentos preenchem funções diferentes.”
“Nossos laços mais próximos tendem a ser aqueles que nos oferecem
apoio social, suporte emocional e suporte instrumental. Mas outras
funções que conseguimos dos nossos relacionamentos costumam ter
importância igual ou maior. Ocorre que, muitas vezes, elas vêm de tipos
de laços diferentes.”
Nossas amizades podem oferecer estímulo intelectual, por exemplo, ou
simplesmente nos trazer diversão. A principal diferença é que as
amizades são relacionamentos voluntários, não obrigatórios, que podem
começar ou terminar a qualquer momento.
A pesquisadora de saúde mental Alexandra Thompson, da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, concorda.
“As amizades oferecem benefícios levemente diferentes dos nossos
relacionamentos familiares, por uma série de motivos”, explica ela. “Os
relacionamentos familiares podem ser tensos e baseados na obrigação. Mas
a amizade envolve interesses comuns, o que pode melhorar o estado de
espírito.”
Convergências culturais
A importância da amizade é mais relacionada à saúde e à felicidade
entre os idosos, as mulheres, pessoas com menores níveis educacionais e
que moram em culturas individualistas, segundo um estudo de 2021.
O estudo envolveu 300 mil pessoas de 99 países. Ele indica que, entre
os idosos, depositar mais importância nos relacionamentos sociais pode
servir de “estratégia de sobrevivência bem sucedida, que aumenta o
bem-estar frente às adversidades trazidas pela idade”.
Amigos podem ser a família escolhida
Algumas amizades podem se tornar tão próximas que a própria palavra
pode não parecer suficiente para definir a profundidade do
relacionamento. Um amigo pode se sentir mais como um irmão, por exemplo.
Os amigos podem se tornar “parentes fictícios” e oferecer toda a
confiança e calor humano da família, além do prazer da amizade, segundo
Fiori.
“O parentesco não deve se resumir apenas ao sangue ou ao casamento”,
explica ela. “Quando aquela pessoa se torna família, aquele
relacionamento muda e passa a ser mais obrigatório.”
Entre a comunidade LGBTQIA+, as pessoas podem depender das famílias
“escolhidas” ou “intencionais” para terem apoio à medida que envelhecem.
Este pode ser especialmente o caso das gerações mais velhas, que,
muitas vezes, sofreram extrema discriminação ao longo da vida, incluindo
a rejeição pela família, e podem não ter tido a oportunidade de criar
filhos.
As pessoas que decidiram não ter filhos também podem, de forma geral,
confiar mais nos amigos do que na família biológica, à medida que
envelhecem.
Mas, enquanto cultivamos laços próximos e até de parentesco fictício,
Thompson indica que também podemos usufruir dos laços mais distantes. A
chave é dar preferência à qualidade, não à quantidade.
“Não é questão de ter centenas de amigos”, explica ela.
“Não é verdade que, se acrescentarmos sempre novos amigos,
observaremos redução da solidão, melhoria da saúde mental, melhoria da
saúde física… Acho que sempre será questão de ter experiências e
interesses comuns.”
Quatro é o número mágico?
A pesquisa de PhD de Thompson examinou qual seria o número ideal de
amigos para o bem-estar psicológico dos idosos, combatendo a solidão.
Ela concluiu que ter quatro amigos próximos seria o número ideal.
Ultrapassando este número, a pesquisadora não encontrou benefícios
substanciais para o nosso bem-estar.
“É questão de como incentivamos as pessoas para que estabeleçam
conexões íntimas, próximas e de boa qualidade – ou para que reforcem as
conexões que elas já possuem, aumentando sua qualidade e intimidade”,
explica Thompson, “para que elas recebam esses benefícios e diferentes
tipos de disponibilidade social dos seus amigos atuais.”
Este esforço vale a pena por muitas razões. Os benefícios da amizade
na terceira idade se estendem além do simples bem-estar psicológico.
Eles incluem melhor funcionamento cognitivo e saúde mental.
De fato, as pesquisas indicam frequentemente que as amizades são tão
importantes quanto os laços familiares para prever o bem-estar na idade
adulta e na terceira idade.
Uma meta-análise que reuniu estudos com cerca de 309 mil indivíduos,
acompanhados em média por 7,5 anos, concluiu que pessoas com
relacionamentos sociais adequados possuem 50% mais probabilidade de
sobrevivência, em comparação com relações sociais pobres ou
insuficientes.
As amizades também podem ser uma fonte de estabilidade – o que é
especialmente importante, já que as tendências demográficas indicam um
afastamento do “núcleo familiar” tradicional rumo à monoparentalidade,
divórcios e novos casamentos, o que torna a vida familiar mais complexa.
Como, então, criamos esta pequena rede benéfica de almas gêmeas, amigos e conhecidos?
Os jovens tendem a buscar ativamente novos contatos. Já os idosos
reduzem deliberadamente seu círculo social.© Javier Hirschfeld/ BBC/
Getty Images
Abrindo portas para a amizade
Apesar de todos os aspectos positivos do envelhecimento nas relações
sociais, os idosos realmente enfrentam uma série de obstáculos que podem
dificultar muito para que as pessoas se encontrem, segundo Fiori.
Eles não têm as oportunidades sociais da escola, universidade ou do
ambiente de trabalho, por exemplo. Eles podem enfrentar o luto e a
solidão por terem perdido parceiros e amigos queridos.
O declínio das funções cognitivas ou questões de mobilidade podem
trazer ainda mais dificuldades. E, se uma pessoa for naturalmente
introvertida, aproximar-se de novas pessoas, por si só, pode parecer
assustador.
O gênero também pode influenciar a questão. Homens mais idosos
costumam relatar maior isolamento social do que as mulheres. Pesquisas
indicam que as mulheres tradicionalmente mantêm os laços familiares. Por
isso, elas mantêm laços mais fortes com os amigos e a família na idade
avançada.
Mas existe também um fator mais relacionado com a nossa mentalidade –
particularmente, com a nossa percepção do envelhecimento, segundo
Fiori.
“Se alguém se vê e pensa ‘[minha saúde] está em declínio, ninguém
quer mais ser meu amigo e não tenho mais motivo para viver’ – este tipo
de pessoa não irá sair e tentar fazer amigos”, explica ela. “Mas alguém
que tem uma percepção mais positiva do envelhecimento irá fazer isso.”
Fiori sugere que intervenções cognitivas podem ser úteis para
combater estes efeitos – não apenas terapia, mas, de forma geral,
qualquer tipo de intervenção direcionada à mudança cognitiva, para
ajudar os adultos mais velhos a terem percepções mais positivas do
envelhecimento.
À medida que a idade avança, as pessoas tendem a se concentrar nos
poucos amigos mais próximos. Mas manter a mente aberta para novas
conexões também traz benefícios.© Javier Hirschfeld/ BBC/ Getty Images
“A autopercepção do envelhecimento pode funcionar como profecia
autorrealizadora”, prossegue ela, “porque as pessoas mais idosas que
acreditam que o fim da vida está associado ao risco de ficar solitário
são menos propensas a investir em relacionamentos.”
“Por outro lado, as pessoas mais velhas que observam sua idade com
visão mais positiva e acreditam que ainda é possível fazer novos planos e
se dedicar a novas atividades irão investir mais. E estes investimentos
em relações sociais trazem consequências positivas para o bem-estar.”
De certa forma, deveria ser mais fácil para nós fazer amigos na
terceira idade. Afinal, à medida que a nossa personalidade amadurece,
nossa perspectiva passa a ser mais voltada à alegria e costumamos ser
mais agradáveis.
“Ao longo do tempo, as pessoas ganham habilidades sociais. Os idosos
são socialmente mais hábeis do que os jovens adultos”, segundo Fiori.
“Por isso, de certa forma, eles podem ser mais capazes de evitar
conflitos.”
Desfazendo mitos sobre a solidão
A solidão não é sinônimo de estar sozinho. Ela define o desejo de
conexão social, aliado à sensação de angústia quando ela é inatingível.
O isolamento social é frequentemente associado a pessoas idosas que
“vivem uma existência solitária”. Mas ele pode ser vivenciado em
qualquer etapa da vida.
Pesquisas indicam que a distribuição da solidão ao longo da vida tem
forma de U – níveis elevados de solidão são verificados entre os jovens e
na terceira idade.
Existem alguns períodos de transição no final da vida, como o luto,
que geram “maior capacidade de conexão”. A aposentadoria também pode
liberar tempo para os adultos mais velhos e, por isso, oferecer a
oportunidade de se socializar com seus vizinhos e praticar o
voluntariado.
As pesquisas indicam que os idosos são mais “resilientes a eventos
potencialmente isoladores” e continuam encontrando conexões
significativas até o fim da vida.
Amigos e fitness
Alexandra Thompson defende a criação de oportunidades sociais. Ela
trabalhou com a organização Rise, no nordeste da Inglaterra, em um
programa para idosos chamado Todos os Movimentos Importam.
Os participantes eram recrutados através do seu consultório médico.
Eles participavam de quatro sessões semanais que envolviam uma atividade
física, seguida pelo tempo de socialização. A ideia era incentivar a
atividade física e a conexão emocional.
Os participantes declararam que as sessões eram divertidas e 81% relataram melhorias, como a redução da solidão.
“Simplesmente ter aquele incentivo, aquela oportunidade que foi
oferecida, pode ser suficiente para fazer você sair para fazer algo como
aquilo”, afirma Thompson. “E as pessoas que fizeram adoraram.”
Reduzir o abismo digital
Ter acesso à internet pode também ser útil para o bem-estar dos idosos, especialmente se eles sofrerem declínio físico.
A tecnologia pode oferecer aos idosos a possibilidade de ter acesso a
uma ampla variedade de recursos, além de compartilhar assuntos com seus
amigos. Mas eles são mais lentos para adotar as novas tecnologias, em
comparação com os mais jovens.
Um estudo observacional procurou verificar como os idosos de comunidades independentes, entre 69 e 91 anos de idade, usam a tecnologia.
Cada participante já possuía um tablet ou aparelho similar, depois de
observar outras pessoas ou por recomendação de amigos e parentes.
A amostra foi pequena, mas o estudo concluiu que a tecnologia pode
ajudar a conectá-los com a família, os amigos e com o mundo em geral.
Por isso, os pesquisadores defendem o aumento do conhecimento
tecnológico dos idosos, na esperança de trazer melhorias positivas para
suas vidas.
Harold foi um dos participantes do estudo. “Eu me sinto mais bem
informado; sinto que tenho mais contato com minha família. Simplesmente
gosto muito… para [saber das] notícias e manter contato com nossos
amigos.”
Novas mudanças à frente?
Existem indicações de que novas mudanças sociais estão por surgir – para melhor.
Katherine Fiori afirma que as faixas etárias mais novas estão
passando muito mais tempo com os amigos até o fim da vida, em comparação
com os nascidos há mais tempo.
“Uma das coisas que achamos que também está causando esta mudança é a
percepção do envelhecimento, que ficou menos negativa”, explica ela.
“Meu colega [Oliver Huxhold, do Centro Alemão de Gerontologia] prevê que,
no futuro, os idosos provavelmente não irão apenas mencionar mais
amigos na sua rede de apoio… mas também passarão mais tempo com eles.”