Supremo validou a flexibilização do formato de contratação de servidores; prática pode beneficiar administração pública e traz menos estabilidade para o trabalhador
Anna Júlia Lopes – colaboração para a CNN
Com a flexibilização do formato de contratação de funcionários públicos, validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta feira (6), passa a ser permitida a adoção de outros modelos sem ser o regime jurídico único, como a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT).
Na prática, o entendimento da Corte coloca fim na obrigatoriedade do regime jurídico único, que é uma determinação constitucional que define a relação entre o servidor e o poder público ao qual ele está vinculado.
Já o regime CLT funciona como uma garantia de uma série de direitos aos trabalhadores, como a jornada diária máxima de oito horas, descanso semanal remunerado, férias, pagamento de hora extra, atuação em ambiente salubre, aviso prévio, licença-maternidade e paternidade, 13º salário, proteção contra demissão sem justa causa e seguro-desemprego.
O que muda agora?
Com o julgamento do Supremo, ao abrirem novos concursos, os órgãos públicos passarão a informar no edital qual será o regime de contratação, fazendo com que os candidatos saibam desde o início quais serão os seus direitos e deveres.
Assim como no texto original da Constituição que determinava que a definição do regime jurídico único era competência de cada ente da federação — como União, estados, Distrito Federal e municípios —, caberá às mesmas esferas decidirem qual regime é melhor para cada tipo de cargo.
À CNN, o especialista em Direito Processual e Material do Trabalho Marcel Zangiácomo disse que há a possibilidade de os entes da federação continuarem optando pelo regime único, e dando preferência pela CLT em concursos para cargos administrativos ou técnicos.
Na avaliação de Zangiácomo, a utilização de servidores contratados via CLT deve aumentar “gradativamente” com o passar dos anos.
“Cada órgão público deve avaliar suas necessidades e objetivos, podendo optar pelo regime mais adequado ao seu quadro de pessoal”, explicou o advogado.
A mudança não vale para quem já é funcionário público, abrangendo apenas quem vier a ser contratado.
Menos estável
Na prática, quem for contratado pela CLT terá um vínculo menos estável em comparação com o regime jurídico único, também chamado de regime estatutário.
No entanto, a CLT oferece benefícios próprios do setor privado, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que protege o trabalhador demitido sem justa causa.
De acordo com Zangiácomo, a contratação pela CLT pode ajudar a reduzir custos para a administração pública, já que o regime permite a possibilidade de demissões com custo menor para o governo do que no caso dos servidores estatutários, que possuem outras vantagens além da estabilidade.
Segundo o advogado, a mudança pode facilitar ajustes nas equipes e demandas temporárias. “Provavelmente poderá ser um artifício para melhorar a qualidade da prestação de serviços públicos, já que não gozarão de estabilidades e demais vantagens da natureza estatutária”, disse Zangiácomo.
Regime jurídico único
O texto original da Constituição Federal de 1988 determinava que cada ente da federação — como União, estados, Distrito Federal e municípios — deveriam instituir um regime jurídico único para os seus servidores públicos.
Dessa forma, o regime unifica a forma de contratação, os padrões de remuneração e de planos de carreira e a estabilidade do funcionalismo público.
O regime jurídico único estabelece regras referentes a direitos, deveres e normas de conduta que regem a relação entre o servidor e a administração pública.
A norma vigorou até 1998, quando o Congresso aprovou a Reforma Administrativa. A emenda constitucional acabou com a obrigatoriedade do regime.
No entanto, o STF suspendeu os efeitos da alteração em 2007 por conta de ação que pedia para que a emenda fosse declarada inconstitucional. A ação é a mesma que estava em discussão nesta quarta.
Ação de 2000
Os ministros discutiram a ação apresentada na Corte em 2000.
Os autores da ação eram partidos que questionavam a validade da emenda constitucional: PT, PDT, PCdoB e PSB argumentavam que a promulgação da emenda se deu em dois turnos em cada Casa do Congresso, que seria o procedimento necessário para fazer uma mudança na Constituição.
No STF, o julgamento da ação começou em 2020, com o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia. A magistrada considerou que a emenda era inconstitucional porque houve violação do processo legislativo.
A ministra entendeu que a proposta de alteração da regra do regime jurídico único foi rejeitada no primeiro turno de votação e voltou a ser votada, com nova redação, no segundo turno, quando obteve o quórum necessário.
Divergência e voto vencedor
Em 2021, o ministro Gilmar Mendes abriu divergência e disse que a votação da proposta não violou a regra de aprovação de emenda constitucional. Na avaliação do decano da Corte, houve um ajuste na redação da proposta.
O entendimento de Gilmar foi seguido pela maioria. O placar ficou em oito votos contra três pelo fim da obrigatoriedade do regime jurídico único.
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