História de PEDRO LOVISI E THIAGO BETHÔNICO – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Câmara Municipal de São Paulo aprovou, nesta quinta-feira (2), um projeto de lei que autoriza a capital paulista a firmar contrato com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de SP) nas mãos da iniciativa privada.
Na prática, a decisão dá sinal verde para que a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) siga com o processo de desestatização da companhia a capital responde por quase metade do faturamento da Sabesp, e uma não adesão à empresa privatizada diminuiria o interesse pelas ações da empresa.
O projeto foi apoiado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), que o sancionou no começo da noite, conforme edição extra do Diário Oficial do Município. Nunes é candidato à reeleição no pleito municipal em outubro.
O texto foi aprovado com 37 votos a favor e 17 contrários o vereador Adilson Amadeu (União Brasil) não votou.
A sessão foi marcada por protestos e contestação na Justiça. Isso porque, minutos após o início da discussão no plenário, o TJSP (Tribunal de Justiça de SP) emitiu uma decisão que causou polêmica entre os parlamentares.
O documento, assinado pela juíza Celina Kiyomi Toyoshima, ressaltava que a votação na Câmara não poderia acontecer sem o cumprimento de obrigações judiciais recentes. No entanto, os efeitos dessa decisão deixaram dúvidas.
Na semana passada, a Justiça determinou que a Casa só poderia fazer a votação definitiva do projeto após a realização de todas as audiências públicas e a entrega de um estudo sobre o impacto que a privatização causará ao município.
Para a oposição, o documento emitido pelo TJSP nesta quinta determinava a suspensão da sessão em andamento. Um dos principais argumentos era de que o estudo apresentado pela Prefeitura de São Paulo não tinha validade. Com quatro páginas, o documento é assinado por Fernando Chucre, secretário executivo de Planejamento e Entregas Prioritárias da Secretaria de Governo. Parcela dos parlamentares da oposição já aposta que a sessão desta quinta será anulada.
Já os vereadores favoráveis ao projeto argumentaram que a decisão do TJSP não suspendia a sessão.
“A Justiça, em momento algum, suspendeu a votação […]. A liminar dela preconizava que nós deveríamos ofertar a ela o impacto orçamentário, e o mesmo se encontra nos autos no processo dela”, disse o presidente da Câmara, Milton Leite, à imprensa, após a votação. “Não temo que [a votação] seja anulada”, acrescentou, ao ser questionado sobre a promessa da oposição de questionar o resultado na Justiça.
No fim da tarde, o Ministério Público de São Paulo se manifestou dizendo que a decisão do TJSP significava que a votação do projeto estava suspensa.
O órgão pede à Justiça que dê à Câmara Municipal 48 horas para apresentar análises técnicas sobre o estudo de impacto divulgado pela prefeitura. A Procuradoria também pede para que a Câmara “comprove que os estudos técnicos foram amplamente discutidos nas audiências públicas realizadas nos últimos dias”.
A Defensoria Pública de São Paulo também se manifestou favorável à suspensão.
Advogados consultados pela reportagem entenderam que a decisão da juíza Toyoshima determinava que a votação desta quinta não poderia acontecer.
A votação desta quinta revoga os artigos de uma lei municipal de 2009 que estabeleciam que o contrato entre a prefeitura e a Sabesp seria extinto caso o controle acionário da companhia fosse transferido à iniciativa privada.
A autorização para a desestatização da companhia já foi concedida pela Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) no final do ano passado. Agora, os vereadores da capital paulista aprovaram que a empresa continue operando na cidade caso não alterassem a lei, o leilão de ações previsto para o meio do ano perderia atratividade, o que dificultaria o processo.
Sozinha, a capital responde por 45% do faturamento da Sabesp. Ou seja, se a maior fonte de receita ficasse fora do pacote, o valor de venda seria reduzido drasticamente.
Os vereadores decidiram ampliar os ganhos que a capital terá com o novo contrato no projeto votado nesta quinta. O texto propõe alteração de 13% para 25% a parte da receita bruta da empresa que deve ser destinada a investimentos na capital até 2029. O texto aprovado em 1º turno fixava a alíquota de 20%. A partir da próxima década, porém, o valor deve voltar a ser de 13%.
Os vereadores favoráveis à privatização também fecharam acordo para que a Sabesp antecipe 5,5% da receita bruta destinada ao Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura para o período de 2025 a 2029. O projeto aprovado em abril prevê antecipação de 3%.
O Governo de São Paulo detém hoje 50,3% das ações da empresa e pode vender até 30% do total, segundo o projeto aprovado pelo Legislativo estadual.
A concessão prevê investimentos na ordem dos R$ 68 bilhões em saneamento básico nos próximos cinco anos, dentre os R$ 260 bilhões previstos até 2060, segundo a gestão Tarcísio.
O montante seria necessário para a universalização do saneamento básico até 2029, na versão do governo, com um mínimo de 99% da população com acesso a água potável e 90% a coleta e tratamento de esgoto, como prevê o Novo Marco do Saneamento.
O governo prometeu também um desconto de até 10% na tarifa social de água, destinada a população mais vulnerável.
Pesou contra o projeto do governo, no entanto, os recentes apagões na capital paulista, que têm a distribuição de energia concedida à Enel, empresa privada. Manifestantes contrários à privatização afirmavam que problemas da mesma escala poderiam ocorrer com o saneamento.
“É um processo muito difícil e um dos nossos grandes questionamentos e que estava na liminar é um estudo de impacto financeiro para a cidade e a resposta que a gente teve é que não há impacto na cidade. Então, mais uma vez a gente tem uma grande dificuldade de entender qual a vantagem de fato que teria a cidade de SP ao aceitar um acordo como esse”, disse a vereadora Elaine Mineiro (PSOL). “Considerando os exemplos que a gente tem em outros estados e outras regiões, a gente percebe que não tem vantagem nenhuma; no nosso ponto de vista, a gente vai ter uma piora no serviço e um aumento no valor da conta”.
Para a base do governo, no entanto, a privatização trará benefícios. “A gente passa a garantir a universalização do saneamento na cidade de São Paulo de uma maneira mais rápida”, disse Rubinho Nunes (União Brasil). “A cidade ganha segurança no abastecimento de água e qualidade”.
Antes da votação, pela manhã, houve uma audiência pública na Câmara para debater o tema. O auditório onde a audiência ocorre ficou dividido entre pessoas favoráveis e contrárias à venda da empresa.
Alguns manifestantes contrários à privatização foram impedidos de entrar na Casa, o que gerou discussão logo no início da audiência. Rubinho Nunes, presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, disse que os barrados não tinham senha para entrar na audiência.
Durante a discussão, Nunes chegou a acertar, sem intenção, uma garrafa d’água no vereador Jair Tatto (PT). A garrafa foi trazida pelo público contrário à privatização.
Ao longo dos discursos, alguns participantes foram expulsos do auditório. Uma manifestante pró-privatização, por exemplo, foi conduzida por guardas municipais à saída do local após lançar um papel contra um orador contrário à venda da empresa. Cerca de 90 guardas foram mobilizados para a Câmara.
Uma manifestação organizada por movimentos sociais também aconteceu em frente ao prédio da Casa. Em alguns momentos, os manifestantes soltaram rojões.
RAIO-X DA SABESP
Fundação: 1973
Lucro líquido em 2023: R$ 3,5 bilhões
Valor de mercado: R$ 57 bilhões
Funcionários: 11.170
Municípios atendidos: 375
População atendida: 28,4 milhões
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