História de FÁBIO PUPO E JOÃO GABRIEL – Folha de S. Paulo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Brasil deixará de arrecadar R$ 3,7 trilhões até 2055 se não aproveitar novos campos de petróleo, diz estudo de uma estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
O levantamento servirá para embasar decisões sobre o tema e, por isso, deve reforçar a argumentação da ala pró-exploração do governo diante do discurso ambiental pelo afastamento dos combustíveis fósseis.
Os números são da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e apontam que o valor corresponde a uma média anual de R$ 155 bilhões durante o período analisado. O montante é quase o orçamento do Bolsa Família (R$ 168 bilhões).
De acordo com os técnicos, caso o governo deixe de explorar novos campos -como aqueles na Margem Equatorial- começaria a haver declínio nos royalties e participações especiais (recursos da exploração direcionados aos cofres públicos) a partir de 2032 .
Daquele ano até 2055, seriam R$ 2,9 trilhões a menos nessa rubrica (o que representa uma média de R$ 121 bilhões por ano).
O levantamento publicado na semana passada afirma que também haveria uma perda na arrecadação de tributos diretos e indiretos (como IRPJ, CSLL e PIS/Cofins) de R$ 824 bilhões no mesmo período (ou R$ 34 bilhões por ano, em média).
Além disso, o documento diz que reduzir a exploração traria a necessidade de uma importação líquida de petróleo de R$ 2,1 bilhões, de 2024 a 2055, o que afetaria a balança comercial do período.
A EPE afirma que o estudo tem caráter apenas informativo e é destinado a subsidiar o planejamento do setor energético nacional, sendo que quaisquer decisões sobre políticas públicas ou diretrizes estratégicas são de responsabilidade de outras instituições.
As conclusões do levantamento, no entanto, sinalizam a uma visão favorável à continuidade da exploração em território nacional.
“Deixar de produzir petróleo não implicaria a redução drástica das emissões nacionais [de gases de efeito estufa], uma vez que o consumo interno de derivados continuaria a existir, e a demanda nacional de derivados de petróleo é crescente até 2050”, afirma a estatal no documento.
A manutenção da exploração dos fósseis é contestada por ambientalistas, que defendem uma redução mais acelerada.
A última COP, a conferência anual do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), referendou a ideia do “phase out” dos combustíveis fósseis –termo que vem sendo traduzido como “saída gradual”.
Em entrevista à Folha, a secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, afirmou que ainda não viu um plano no Brasil para o petróleo bancar a transição energética, e defendeu que o país acelere o fim do uso dos fósseis.
Heloísa Borges, diretora de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da EPE, afirma que em diferentes cenários é possível que o Brasil entregue a meta global de zerar as emissões líquidas de carbono até 2050 mesmo continuando a explorar petróleo.
Para ela, é necessário aproveitar os recursos e o conhecimento do setor para o avanço em diferentes frentes da transição energética.
“Como a gente já tem uma cadeia de valor estabelecida no Brasil, a estratégia ótima é aproveitar essa cadeia de valor e construir incentivos para que ela se diversifique e para que nossa indústria fique mais robusta, em vez de tentar avançar em tecnologias que a gente não domina”, afirma.
“Para isso, a gente precisa aproveitar a renda de petróleo e gás e direcionar essa renda para os setores que a gente quer”, diz.
“Qual a aptidão do Brasil? Biocombustíveis. E a gente pode migrar os biocombustíveis, acoplar com o setor de óleo e gás e avançar no biorrefino com combustíveis sintéticos, migrar para a captura de carbono e para a eólica offshore.”
Outro argumento mencionado pela EPE é que o petróleo brasileiro polui menos do que o estrangeiro.
De acordo com Borges, isso acontece porque o país tem exigências mais elevadas de segurança e meio ambiente e porque a produtividade do pré-sal é maior e, portanto, a mesma energia é demandada para resultar em mais produção.
As declarações estão em sintonia com a do ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), que afirmou à Folha de S.Paulo neste mês que vê o Brasil explorando petróleo até se tornar um país desenvolvido.
Também são similares à visão expressa por diferentes participantes de seminário convidados pelo ministério -que demonstraram alinhamento pela continuidade da exploração somada ao uso dos recursos para a transição energética e as demandas sociais do país.
Rosangela Buzanelli, conselheira da Petrobras eleita pelos trabalhadores, afirma que as reservas atuais do país só existem por no máximo 13 anos e que o país depende do dinheiro do petróleo.
“Precisamos muito da renda do petróleo para diminuir a pobreza energética e aumentar o desenvolvimento humano no país. Se não fizermos, vamos ter de importar de fora com uma pegada de carbono pior que a nossa. Então não me parece que seja a saída. Precisamos, sim, das novas fronteiras”, afirma.
Luciana Costa, diretora de Transição Energética e Mudança do Clima do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), diz que, por outro lado, o debate sobre transição climática não está resolvido para o Brasil e que as empresas precisam fazer mais.
“As empresas precisam ser pressionadas a investir em novas tecnologias. O jogo não está ganho para o Brasil, e a gente tem de se desafiar. Tem de abrir novos campos [de petróleo], sim, mas a gente tem de se desafiar a acelerar a transição”, afirma.
Ela defende como fundamental intensificar esforços para investimentos em novas tecnologias, como as eólicas offshore (em alto-mar) -já que a expertise da Petrobras no oceano pode ser usada para investimento em novas frentes energéticas.
“O debate tem que migrar do ‘no more oil’ para o debate da urgência climática, para acelerar as novas tecnologias que custam caro”, diz.
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