História por Notas & Informações • Jornal Estadão
O Congresso tem razão em estudar modos efetivos de limitar o poder individual dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O que vem ocorrendo no STF não tem paralelo em nenhuma Corte Constitucional, num exercício arbitrário e idiossincrático do poder monocrático por parte de ministros do Supremo. Sem nenhum exagero, é o exato oposto do que deve ser um controle de legalidade e constitucionalidade minimamente sério e responsável.
Proferida na quarta-feira, justo quando se iniciou o recesso do Poder Judiciário, a decisão do ministro Dias Toffoli suspendendo a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do Grupo J&F é um deboche com o direito, com a prudência, com a moralidade e com a própria Corte. É, com todo o rigor da palavra, um escândalo, por diversos motivos.
Em setembro, Dias Toffoli deu uma liminar anulando todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência que a Odebrecht celebrou no âmbito da Operação Lava Jato. Foi uma decisão exagerada e desequilibrada que, numa só canetada, colocou abaixo o trabalho de anos de várias instituições estatais. Numa espécie de ato imperial, o ministro Toffoli decretou “terra arrasada” em todo o trabalho da Lava Jato envolvendo a Odebrecht.
Como se seu objetivo fosse dificultar – ou mesmo impedir – que a população enxergasse algum caráter jurídico na decisão, Dias Toffoli usou a liminar para fazer revisionismo histórico. Entre outras preciosidades, afirmou que a prisão de Lula da Silva havia sido “um dos maiores erros judiciários do País”.
Pois bem, sem que o colegiado do STF sequer tenha apreciado sua liminar de setembro envolvendo a Odebrecht, Dias Toffoli dobrou a aposta no erro, agora em relação à J&F, suspendendo a multa acertada entre as partes em um acordo de leniência. Segundo o ministro Toffoli, haveria uma “dúvida razoável” a respeito da voluntariedade com a qual o acordo foi celebrado.
É tudo inteiramente absurdo, mas foi o que ocorreu. Nas vésperas do fim de 2023, Dias Toffoli entendeu que um acordo celebrado em 2017 deveria ser liminarmente suspenso em razão de haver dúvidas sobre se as partes o celebraram voluntariamente. Ao longo de todos esses anos, ninguém teria notado a falha que despertou, agora, a excepcional prontidão do ministro Toffoli.
Isso não é funcionamento normal de uma Corte Constitucional. Isso não é exercício do poder jurisdicional dentro de um Estado Democrático de Direito. A decisão de quarta-feira é um escancarado voluntarismo, típico de quem se considera acima da lei e livre de qualquer controle. Ora, a lógica do “eu posso, eu faço” não vale no regime constitucional democrático.
A agravar o quadro, desmoralizando ainda mais a Corte perante a população, a mulher de Dias Toffoli, a advogada Roberta Rangel, presta assessoria jurídica para a J&F em litígio envolvendo a compra da Eldorado Celulose. Meses atrás, o ministro declarou-se impedido de julgar uma ação do grupo. Agora, esse mesmo ministro suspendeu sozinho uma multa de R$ 10,3 bilhões da empresa.
É de perguntar: em qual modelo de magistratura os ministros do STF se inspiram? Em que regime democrático vale esse tipo de atuação irregular, imprevisível e sem nenhum controle?
É preciso dar um basta a esse tipo de comportamento. O colegiado do STF não pode ignorar a decisão escandalosa de quarta-feira ou fingir que ela não afeta diretamente a autoridade da Corte perante a sociedade brasileira. Nos últimos anos, o Supremo realizou um trabalho fundamental em defesa da democracia e da cidadania. Mas isso não autoriza devaneios imperiais em favor de quem quer que seja.
Os exageros da Operação Lava Jato, que existiram e precisam ser corrigidos, não serão sanados com canetadas monocráticas às vésperas do recesso do Judiciário. O controle de legalidade e constitucionalidade é resultado de um trabalho colegiado, realizado de maneira serena, concreta e, principalmente, transparente.
Que ninguém se engane. Os piores ataques contra o STF não são os de fora, mas os que vêm de dentro. Não cabe conivência com eles.
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