Paulo Roberto Vigna – Advogado
Recentemente, a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, em decisão bastante polêmica e comentada, condenou a Uber a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1.000.000,00 (um bilhão de reais) e a realizar a contratação de todos os motoristas vinculados a sua plataforma pelo regime celetista. A referida decisão foi proferida no âmbito de Ação Civil Pública proposta da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, onde o parquet se baseou em denúncia da Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos (AMAA), na qual é alegada a existência de vínculo empregatício entre os motoristas e o aplicativo.
De início, é importante termos em mente que a decisão contraria os entendimentos já consolidados de nossos tribunais superiores, os quais entendem pela inexistência de relação hierárquica e de subordinação com os motoristas, uma vez que os serviços são prestados de forma eventual e sem a estipulação de horários pré-definidos. Uma breve pesquisa nos mostra que tais argumentos são adotados pela 4ª Turma do TST, pelo Superior Tribunal de Justiça, bem como pelo Supremo Tribunal Federal, que vêm entendendo pela permissão do texto constitucional para a existência de formas alternativas à relação formal de emprego.
A compreensão das questões envolvendo os aplicativos de transporte, todavia, não se cinge a comparação entre entendimentos das Cortes Superiores, havendo muitas questões transversais a serem consideradas concretamente.
É forçoso reconhecer que o enquadramento jurídico das relações entabuladas entre a Uber os motoristas, não se adequa perfeitamente aos paradigmas jurídico-contratuais clássicos das relações de emprego. Como pré-requisito básico desta análise é preciso entender o contexto geral da economia do compartilhamento, termo ainda em construção e envolto também em controvérsias.
De uma maneira geral, a expressão economia compartilhada (sharing economy ou colaborative economy) se relaciona com o gerenciamento das plataformas tais como ifood, airbnb, e olx, e a prestação de serviços sob demanda (on demand), na forma de negociação de pessoa para pessoas (peer-to-peer ou p2p).
O jusfilósofo da Universidade de Direito de Harvard, Yuchai Benkler, estudioso da Internet e do surgimento da economia da sociedade em rede, em sua obra “The wealth of networks: how social productions transforms markets and freedom”, defende que a economia do compartilhamento está ligada a cooperação entre as pessoas. E esta forma associativa se desenvolve em determinados segmentos da sociedade em rede, possibilitando a sustentação de um novo modo de produção onde não existem salários, jornada de trabalho, ou gerenciamento hierárquico.
Um elemento central da economia do compartilhamento pode ser apontado no conceito de consumo colaborativo, onde o que importa é como as pessoas consomem, e não como elas produzem, partindo do princípio de que a capacidade ociosa de bens pode ser dividida sem que as pessoas abram mão de suas liberdades ou de seu estilo de vida. Como decorrência da transferência dos paradigmas econômicos da produção para o consumo, podemos apontar uma economia mais descentralizada, a desregulamentação dos mercados, e a grande valorização das oportunidades e do empreendedorismo.
Portanto, pretender enquadrar os participantes dos empreendimentos nascidos no mundo da economia do compartilhamento aos paradigmas da relação de emprego definida pela CLT em 1943, é ignorar completamente o papel da inovação tecnológica no ordenamento jurídico.
Não é o caso de ignorar os eventuais abusos aos direitos e garantias fundamentais de motoristas e demais colaboradores das plataformas de serviços, pelo contrário. Uma regulamentação que não inviabilize os benefícios dos avanços tecnológicos, mas que proteja os indivíduos em situação de vulnerabilidade é muito benvinda.
Há muito em jogo no processo em trâmite na 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, e não somente em relação a Uber, seus motoristas e comunidade de usuários. É importante nos recordarmos de que o mesmo sistema de prestação de serviços abrange dezenas de outras plataformas, tais como Ifood, 99, Loggi e Lalamove, para citar somente algumas. Provavelmente o engessamento das relações entre as partes levaria a interrupção de muitos desses serviços.
As controvérsias e debates ainda tomarão muito tempo, mas é essencial que elas não sejam obstáculos instransponíveis a inovação. Thuomas Friedman, em sua já clássica obra “o mundo é plano”, nos afirmou que “geral, os pessimistas estão certos e os otimistas errados, mas todas as grandes mudanças do mundo foram levadas a cabo por otimistas”. Assim, como advogados, não podemos perder o otimismo em relação às inovações tecnológicas, nem tampouco perder de vista os valores do Estado Democrático de Direito.
Sobre o autor:
Paulo Roberto Vigna – Advogado, sócio do escritório Vigna Advogados Associados e da VignaTax Consultoria Fiscal e Tributária, Mestre em Relações Sociais do Direito, com MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especializado em Gestão de Tributos pelo Instituto Trevisan (São Paulo).
Inscrito na seccional na ordem dos advogados do Brasil em Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Distrito Federal, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e em Lisboa- Portugal.
Professor do curso de MBA em Gestão Estratégica Empresarial em São Paulo. É autor dos livros “Recuperação Judicial” e “Manual de Gestão de Contratos” e produz artigos sobre direito tributário, empresarial e tecnologia aplicada a ciência jurídica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário