Na proposta do Executivo, as emendas receberam fatia desproporcional do Orçamento. Não cabe aumentá-las mais, o que, além do efeito fiscal, desfiguraria a função do Legislativo
Por Notas & Informações – Jornal Estadão
Enviado pelo governo ao Congresso, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) reservou R$ 37,6 bilhões para emendas parlamentares em 2024. A quantia se refere a emendas impositivas, que o Executivo tem a obrigação de pagar. Essa verba representa 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União e cresceu R$ 2 bilhões de um ano para o outro.
Reportagem do Estadão mostrou, no entanto, que os deputados e senadores não ficaram satisfeitos com o montante previsto no Orçamento. Querem, ao menos, mais R$ 20 bilhões, um valor que não tem nada de aleatório. Representa justamente a soma que era paga, até o ano passado, em emendas de relator, a base do orçamento secreto.
Revelado por este jornal, o esquema funcionou entre 2020 e 2022, quando o governo Bolsonaro abdicou do controle do Orçamento para construir uma base de apoio no Legislativo. O dinheiro era controlado pela cúpula do Congresso, que a distribuía livremente, por critérios nada transparentes, sem vinculação a políticas públicas e sem informar a autoria da indicação.
Formalmente, essas indicações eram do relator do Orçamento. Na prática, somente os presidentes da Câmara e do Senado sabiam quem recebia a emenda, quanto recebia, quando recebia e, sobretudo, por que recebia. Afinal, um deputado que soubesse que seu voto, em termos monetários, valia menos que o de um colega poderia retaliar o governo na apreciação de outra proposta. A falta de transparência era crucial para o funcionamento dessa estrutura.
Justamente por esse motivo, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto. Considerou que o esquema desrespeitava a transparência que deve reger o uso dos recursos financeiros do Estado e era incompatível com a publicidade e a impessoalidade, princípios constitucionais que devem pautar os atos do poder público, também os do Congresso.
O julgamento do STF se deu em dezembro do ano passado, com o Orçamento proposto por Bolsonaro já aprovado. Sabendo que não contava com uma base de apoio firme no Legislativo, o governo recém-eleito optou por evitar um desgaste político antes mesmo da posse. Remanejou, portanto, a verba do orçamento secreto para outros tipos de emendas parlamentares nas quais é possível identificar o autor, e conseguiu maioria para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.
Neste ano, o governo Lula elaborou um Orçamento que expressa a promessa de zerar o déficit no ano que vem. Para chegar a esse resultado, o Executivo conta com medidas que ainda dependem do aval do Congresso para se converterem em receitas. Com a aprovação dessas propostas, a meta de déficit zero já é improvável; sem elas, no entanto, torna-se materialmente impossível.
Não há, portanto, nenhuma folga para aumentar o valor das emendas parlamentares para além dos R$ 37,6 bilhões já reservados. Considerando apenas as emendas individuais, cada deputado poderá indicar R$ 38 milhões para suas bases; e cada senador, R$ 66 milhões. O montante independe da posição política de cada parlamentar, e mesmo quem faz oposição ao governo tem direito a recebê-lo.
A elaboração do Orçamento é prerrogativa do governo, o que não impede que deputados e senadores façam ajustes no momento de apreciá-lo. Nenhum dos Três Poderes é absoluto. Como se sabe, recompensar parlamentares pelo apoio a votações relevantes para o Executivo é parte do jogo democrático, desde que (i) os valores sejam razoáveis, (ii) as indicações tenham autoria e destino transparentes e (iii) atendam a políticas públicas consistentes.
A relação entre Executivo e Legislativo pode e deve ser aprimorada, incluindo o pagamento de emendas. Para isso, o Congresso deve ser responsável. As emendas parlamentares já abocanharam uma fatia muito grande do Orçamento-Geral da União. Se politicamente é difícil diminuir o valor proposto pelo Executivo, tampouco há qualquer folga fiscal para aumentá-lo. Além disso, quem deseja executar o Orçamento deve se candidatar ao Executivo, não ao Legislativo.
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