História do Brasil
Por
Tiago Cordeiro – Gazeta do Povo
Cândido Barata Ribeiro foi empossado como ministro do STF antes
de passar pelo escrutínio do Senado. Atuou por dez meses. Depois, foi
afastado.| Foto: Reprodução
O Supremo Tribunal Federal (STF) é
uma criação da República. Entre 1808 e 1829, existia a Casa da
Suplicação do Brasil, então substituída pelo Supremo Tribunal de
Justiça, com nomes indicados pelo imperador. Foi em 28 de fevereiro de
1891, já durante a República, que começou a operar o STF no formato
atual. Desde então, a corte máxima do Judiciário do país já teve 167
ministros.
São indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado. Apenas três presidentes não permaneceram tempo suficiente para indicar algum nome: Café Filho (1954–1955), Carlos Luz (1955) e Ranieri Mazzilli (1961 e 1964). Recordista absoluto, Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) indicou 21 membros. João Figueiredo (1979-1985) apontou nove. Humberto Castelo Branco (1964-1967) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) escolheram oito ministros.
Logo no início das atividades do STF, o marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891) indicou 15 nomes. Seu sucessor, o marechal Floriano (1891-1894), sugeriu outras 15 pessoas para o posto. Destas, cinco foram recusadas pelo Senado. São, até hoje, os únicos casos de ministros que foram rejeitados. Desde então, 129 anos depois, nunca mais aconteceu.
Conduzidos ao cargo, mas barrados, foram Cândido Barata Ribeiro, Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros, Antônio Sève Navarro e Demosthenes da Silveira Lobo. O caso de Cândido Barata Ribeiro é o mais curioso. Isso porque ele foi empossado antes de se ver submetido ao escrutínio do Legislativo. Atuou como ministro do Supremo, que despachava em um casarão da Rua do Passeio, por exatos dez meses e quatro dias. Depois, foi afastado. Foi um caso único na história do Supremo.
Prefeito cassado
Médico-cirurgião, defensor do fim da escravidão e
da instauração da república, Cândido Barata Ribeiro nasceu em 11 de
março de 1843, em Salvador (BA). Com dez anos de idade, mudou-se para o
Rio de Janeiro. No final da década de 1860, já formado pela Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, mudou-se para Campinas (SP), onde atuou
como diretor do Serviço Médico e Cirúrgico do Hospital de Caridade.
Em 1880, já de volta ao Rio, foi ferido durante um ataque da polícia imperial a uma conferência republicana realizada na Sociedade Francesa de Ginástica. No ano seguinte, publicou o drama em quatro atos ‘Segredo do lar’. A partir de 1883, começou a lecionar na instituição de medicina onde havia se formado.
Com a Proclamação da República, em 1889, assumiu a gestão da capital federal, primeiro como presidente do Conselho Municipal de Intendentes e, a partir de 17 de dezembro de 1892, como prefeito. Mas, em 26 de maio de 1893, o Senado vetou seu nome e ele foi afastado. Foi um gestor polêmico, que realizou uma série de ações para demolir cortiços no centro — muitos buscaram moradia nos morros, enquanto o prefeito liderava um esforço de alargamento de ruas e construção de uma infraestrutura de saneamento nas áreas derrubadas.
Machado de Assis escreveu sobre a derrubada de um dos maiores destes cortiços, conhecido como Cabeça de Porco, no jornal d’A Semana de 29 de janeiro de 1893: “Gosto deste homem pequeno e magro chamado Barata Ribeiro, prefeito municipal, todo vontade, todo ação, que não perde o tempo a ver correr as águas do Eufrates. Como Josué, acaba de pôr abaixo as muralhas de Jericó, vulgo Cabeça de Porco. Chamou as tropas segundo as ordens de Javé durante os seis dias da escritura, deu volta à cidade e depois mandou tocar as trombetas. Tudo ruiu, e, para mais justeza bíblica, até carneiros saíram de dentro da Cabeça de Porco tal qual da outra Jericó saíram bois e jumentos. A diferença é que estes foram passados a fio de espada. Os carneiros, não só conservaram a vida mas receberam ontem algumas ações de sociedades anônimas”.
Foi uma gestão marcada por conflitos. “Mantendo estreita ligação com o governo federal, teve uma atuação marcada por incidentes que o incompatibilizaram com os intendentes e por atos que, contrariando interesses econômicos de comerciantes e empresários da cidade, geraram críticas desses setores”, aponta o verbete sobre ele disponível no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).
Ministro cassado
Poucos meses depois, em 23 de outubro de 1893,
foi nomeado ministro do STF para a vaga criada em decorrência da
aposentadoria do ministro Joaquim da Costa Barradas. Mais uma vez, o
Senado barrou sua escolha, depois que ele já havia assumido o posto.
Argumentou que ele não tinha “notório saber”, já que era médico, sem
nenhuma formação em Direito.
O marechal Floriano chegou a alegar que a expressão “notório saber” não especificava qual seria a área de conhecimento exigida. Durante a sessão em que barraram a indicação de Ribeiro, os senadores registraram: “Mentiria a instituição [STF] a seus fins se entendesse que o sentido daquela expressão ‘notável saber’, referindo-se a outros ramos de conhecimentos humanos, independesse dos que dizem respeito à ciência jurídica, pois que isso daria cabimento ao absurdo de compor-se um tribunal judiciário de astrônomos, químicos, arquitetos”.
O parecer dos senadores ainda afirmava: “Considerando que o nomeado, no exercício de importante cargo administrativo em que anteriormente se achou [prefeito do Distrito Federal], revelou não só ignorância do direito, mas até uma grande falta de senso jurídico, como é notório e evidencia-se da discussão havida no Senado de diversos atos seus praticados na qualidade de prefeito desta cidade e pelo Senado rejeitados”.
Curiosamente, em 1899, Barata Ribeiro seria eleito senador. Permaneceria no cargo entre 1900 e 1909, circulando entre os políticos que o haviam derrubado duas vezes. “À frente do Partido Republicano do Distrito Federal (PRDF), e ao lado do senador carioca Augusto de Vasconcelos, comandou a política no Distrito Federal até o início da primeira década do século XX. Essa ascendência sobre a política municipal foi garantida com a conquista de uma cadeira no Senado em eleição realizada em 30 de dezembro de 1899”, aponta o CPDOC-FGV.
Como senador, “empenhou-se na defesa de bandeiras como a autonomia do Distrito Federal, a garantia de direitos civis e políticos dos cidadãos, e o incentivo ao desenvolvimento de políticas públicas de proteção à indústria nacional e à infância desvalida”, informa o departamento da FGV. Ainda em Campinas, ele já tinha liderado a criação de um centro de atendimento em saúde para crianças carentes.
Quanto aos demais quatro ministros apontados por Peixoto e barrados pelos senadores, sabe-se muito pouco a respeito das motivações das decisões — as sessões eram secretas, os indicados não participavam delas e, diferentemente do que aconteceu com Ribeiro, as atas se perderam. Ewerton Quadros era general e Demosthenes da Silveira Lobo, diretor-geral dos Correios, ambos sem formação em direito. Os demais, o general Innocêncio Galvão de Queiroz e o subprocurador da República Antônio Sève Navarro, não eram conhecidos no mundo jurídico, mas haviam feito faculdade na área e ainda assim foram barrados.
“Saber jurídico”
Atualmente, nomes indicados para o STF seguem
alguns critérios, estabelecidos pelo artigo 101 da Constituição:
precisam ter notável saber jurídico (o “jurídico” foi incluído ainda no
início do século 20), reputação ilibada, mais de 35 anos e menos de 65.
Em décadas recentes, Dias Toffoli é o ministro mais jovem a ser indicado
até hoje – tinha 41 anos e posteriormente, aos 50, se tornaria também o
mais jovem presidente da corte. Mas, em 1901, o ministro Alberto Torres
foi indicado quando tinha 35 anos.
O número de juízes, aliás, é mantido em 11 desde 1931, com exceção do período entre 1965 e 1969, quando foram 16. Entre 1891 e 1931, haviam sido 15. Nunca mais, desde o fim do governo de Floriano Peixoto em 1894, um nome indicado para o Supremo foi barrado. Quanto a Barata Ribeiro, faleceu em 1910, aos 66 anos. Foi homenageado com seu nome em uma rua de Copacabana e em 1932 nasceria seu sobrinho neto, o comediante Agildo Ribeiro.
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