Autor: Virgilio Marques dos Santos, CEO da FM2S Educação e Consultoria
Hoje quero abordar algo bem batido em nossa vida profissional e pessoal: o dilema da expectativa versus realidade. Se você é meu contemporâneo da geração millenial (se é raiz, ainda chama de y), aposto que sua expectativa sobre a vida profissional era grandiosa. Nascemos nos anos 80-90 e fomos levados a acreditar que, quando adultos, tudo seria diferente.
Foi aos 11 anos que ganhei o meu primeiro PC (era como nós, os modernos, chamávamos o computador). Aos 13, tive o privilégio de me conectar à rede mundial de computadores por meio de um modem 28.8. Era mágico. O mundo era uma “aldeia global” conectada e preocupada com os grandes dilemas. Podíamos enviar uma carta por meio eletrônico, instantaneamente. Não precisávamos mais dar sinal de fax quando alguém ligasse em casa e nossos pais não estavam presentes para realizar tão importante atribuição.
Nunca, em tão pouco tempo, a tecnologia evoluiu tanto. Celulares, câmeras digitais que não precisavam mais de filmes, notebooks (laptops para nós) e tudo o que hoje é coisa do cotidiano. Até a inflação, que via meus pais e avós reclamando, hoje é coisa do passado. Aos 11 anos, tomou posse um presidente preparado e republicano, que deixaria para trás o fantasma da ditadura militar.
A sensação era a de que iríamos mudar muitas das mazelas quando chegasse a nossa vez. Éramos preparados, falávamos inglês, estávamos conectados e nossa educação era uma preocupação do governo e dos pais. A geração da experiência iria chegar e revolucionar. Porém, como disse no início, ao adentrar ao mercado de trabalho, a realidade foi um pouco diferente. E a geração do potencial e do desapego ao dinheiro rápido encontrou regras que não estavam alinhadas às promessas feitas até então. Mais do que isso, quem nos prometeu o Éden esqueceu de alinhar com o mercado de trabalho.
O mercado não estava preocupado com meu prazer
Há pouco tempo, fui impactado por uma música do Leoni que sempre ouvia, mas nunca tinha prestado atenção na genialidade com o que o autor trata do assunto “expectativa versus realidade”. Aqui, quero reproduzir alguns trechos e convidar o leitor à reflexão. Certamente encontrará situações em que pensou assim ou viu alguém fazendo algo parecido. Vamos lá.
“Não fala nada. Deixa tudo assim por mim. Eu não me importo se nós não somos bem assim. É tudo real nas minhas mentiras. E assim não faz mal. E assim não me faz mal não. Noite e dia se completam no nosso amor e ódio eterno. Eu te imagino. Eu te conserto. Eu faço a cena que eu quiser. Eu tiro a roupa pra você. Minha maior ficção de amor. E eu te recriei só pro meu prazer. Só pro meu prazer. Não vem agora com essas insinuações. Dos seus defeitos ou de algum medo normal. Será que você não é nada que eu penso?”
Analisando o eu-lírico do Leoni na música, identifica-se alguém que, em um relacionamento afetivo, ama mais a sua imaginação do que a própria pessoa. O encontro com a pessoa real é algo que o machuca e faz mal, pois vai contra a sua própria criação mental. Ele cria mentiras na cabeça e, ao ser deparado com a realidade, pira.
Se sairmos do campo afetivo e nos dirigirmos para a carreira, a realidade também se aplica. No meu primeiro estágio, por estar próximo do fundador da empresa, comecei a imaginar que seria o seu sucessor natural. Era tudo real na minha cabeça. E, como o Leoni, me imaginei como o fundador, mas consertando várias coisas que, para mim, eram erradas. Detalhe: fazia isso sem me importar com a dimensão temporal das coisas. Era óbvio que, num piscar de olhos, conseguiria um melhor desempenho que eles.
Mas, quando a realidade deixava claro que o caminho imaginado seria outro, ficava mal. Era a minha maior ficção de carreira, parafraseando a música. Saindo do primeiro estágio, consigo relembrar as outras vezes que repeti esse padrão, “só para o meu prazer”. E, como o autor, quando chegava à conclusão de que a posição que estava “não era nada que eu penso”, que havia defeitos no mundo real, levava um choque.
Hoje, chegando aos 40, penso que nos ligamos à realidade das coisas. Digo isso, porque estamos mais próximos da posição que almejamos aos 20. Custou 20 anos para identificarmos que a realidade é diferente de nossas expectativas, mas que também podemos melhorar a vida para os futuros profissionais.
Como conclusão, tento lembrar dos “defeitos” e recriar uma realidade diferente na empresa. Por exemplo, permitir aos melhores colaboradores tornarem-se sócios, liberar os trajes (trabalhar de bermuda está autorizado), liberar lanches para galera fazer na hora do trabalho e outras coisas mais que não me eram permitidos nos locais que atuei. Se tem uma razão para ser, não mudamos. Se não há, por que não testar coisas novas (como usar uma música neste texto)?.
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