
As recentes invasões são caso de polícia, mas também de política. O País demanda que o presidente as condene como o que são: atentados contra o setor mais produtivo da economia
Por Notas & Informações

Como se sabe, a narrativa conjurada por Lula da Silva nas eleições de 2022 é de que ele seria a única alternativa para salvar a democracia do autoritarismo. Ele e seu partido seriam menos os chefes do que abnegados servos de uma “frente ampla democrática” destinada a conciliar uma sociedade profundamente dividida.
Traduzido para o campo, esse discurso implicava um rebranding do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Ele já não seria um aparelho revolucionário socialista guiado pelo lema “ocupação é a única solução”, mas um conglomerado pacífico de cooperativas, repetidamente celebrado como “o maior produtor de arroz orgânico desse país”. Mentiras deslavadas, como quando Lula disse em um dos debates eleitorais que o MST nunca invadiu uma propriedade produtiva, foram descontadas como peças de retórica toleráveis em nome da redenção da democracia.
Mas as fissuras na narrativa estavam lá para quem quisesse ver. A desconfiança do agronegócio era tratada como mero preconceito de classe. Nos cercadinhos de Lula, pululavam referências ao agro como vilão ambiental. De vez em quando, o conciliador deixava transpirar velhos cacoetes. O “capiau” paulista seria “ignorantão” e “chucro” – mas, como o insulto aludia a Jair Bolsonaro, foi contemporizado. Falando sobre o agronegócio ao Jornal Nacional, escapou um “fascista e direitista” – mas seria só “um setor”.
Já no poder, a narrativa começou a ruir, com o desmembramento esquizofrênico da pasta da Agricultura em um Ministério da Agricultura e outro do Desenvolvimento Agrário. Agora, as fissuras ameaçam abrir-se em crateras.
Nesta semana, 1,7 mil militantes do MST invadiram três fazendas de eucaliptos na Bahia. De improdutivas, nada têm. Pelos dados da proprietária, a Suzano, só na região ela gera 7 mil empregos e beneficia 37 mil pessoas pelo efeito renda. Mas, como deixou transparecer a líder do MST na Bahia, Eliane Oliveira, o objetivo não era mesmo denunciar latifúndios improdutivos, mas só chantagear o governo para ocupar cargos no poder: “O MST acendeu o alerta amarelo diante da demora do governo federal em nomear a presidência do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)”.
Nos governos Temer e Bolsonaro, e a rigor já no governo Dilma, o Incra vinha se dedicando cada vez menos a aumentar o número de assentamentos e cada vez mais a melhorar as condições de vida das famílias, transformando os assentamentos em comunidades capazes de alcançar mais produção e renda, por meio de programas de capacitação, ofertas de insumos e melhorias de infraestrutura e moradia. Essas medidas vinham combinadas a políticas de titularização, que só nos últimos 4 anos emitiram o dobro dos 200 mil títulos emitidos em 13 anos da gestão lulopetista.
Com a titularização, os assentados tornam-se agricultores familiares, capazes de decidir os rumos de sua propriedade e colher os frutos de seu trabalho. Mas, com isso, deixam de ser massa de manobra do MST e objeto de tutela política do PT. Um Incra autônomo, por sua vez, já não serve para rotular automaticamente toda terra invadida pelo MST como “latifúndio improdutivo”.
A invasão é, antes de tudo, um caso de polícia – a ver se o governo petista da Bahia agirá prontamente para restabelecer os direitos de propriedade violentados. Mas é também um caso de política. O PT tem uma inegável ligação umbilical com o MST. Foi o “exército do Stédile”, referindo-se ao chefão do MST, João Pedro Stédile, que Lula ameaçou botar na rua quando contrariado com o impeachment de Dilma Rousseff; e foi esse exército que ergueu barracas ao redor da carceragem da Polícia Federal de Curitiba, onde se hospedou Lula por 500 e tantos dias. O Brasil tem pressa de saber se seu presidente, o autodeclarado líder da “frente ampla democrática”, condenará, sem adversativas, as manobras do MST como aquilo que são – crimes contra o setor mais dinâmico e produtivo da economia nacional – ou se passará a mão na cabeça dos arruaceiros, seja omitindo-se, seja apelando para justificativas que ofendem a inteligência alheia.
É mais um teste que se coloca ao figurino democrático do PT. Será uma surpresa se o partido passar.
Lula está espremido entre esquerda, com PT e MST, e direita, com União Brasil trazendo problemas
Não dá para o presidente confiar nessa ‘base aliada’, embolada e desleal
Por Eliane Cantanhêde
A política externa avança, com o áudio do presidente Lula com o ucraniano Zelenski e o encontro do chanceler Mauro Vieira com o ministro russo Serguei Lavrov, mas a política interna vai aos trancos e barrancos. Lula está espremido entre esquerda, com PT e MST no ataque; e direita, com o União Brasil trazendo muitos problemas e nenhuma solução.
Qual o objetivo do MST ao invadir três fazendas produtivas da Suzano Papel e Celulose na Bahia, quando o governo mal completa dois meses? Enfraquecer Lula? E fortalecer a guerra ideológica que desaguou na ação terrorista de 8/1 contra os três Poderes?
E quem imaginou um movimento combinado nos ataques da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se enganou. Ela bombardeou em público o fim da desoneração dos combustíveis, considera os dividendos da Petrobras “indecentes” e quer porque quer mudar a política de preços da companhia. Com termos duros.
:quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/EH7DUVL4GVDFDMDPUQ3OOSIZDU.jpg)
“É mais fácil aguentar o Congresso do que a Gleisi”, dizem aliados de Haddad, que Lula escolheu como candidato à Presidência em 2018 em detrimento de Gleisi e virou o principal ministro, enquanto ela ficou fora, no PT. A crise dos combustíveis não foi a primeira nem será a última entre eles.
Na outra ponta, a “frente ampla” inclui a direita do toma lá, dá cá. Exemplo: União Brasil. No “toma lá”, Lula pôs três enrolados no Ministério: os deputados Juscelino Filho, nas Comunicações, Daniela Carneiro, no Turismo, e o ex-governador Waldez Góes (este indicado, mas não filiado ao UB), no Desenvolvimento Regional. E o “dá cá” não rolou. Dos 59 deputados do partido, 28 apoiaram a CPI do golpe, proposta por um bolsonarista do PL e rechaçada por Lula. Que governo quer saber de CPI?
Juscelino é um festival de problemas, como informa o Estadão. Deputado, destinou emendas parlamentares para uma estrada na sua fazenda e, em 2022, só apresentou um projeto, o do Dia do Cavalo. Candidato, escondeu do TSE R$ 2 milhões em cavalos de raça. Ministro, usou avião da FAB e diárias para ir a leilões de cavalos em São Paulo. Não bastasse, nomeou para a Diretoria de Radiodifusão o sócio de dono de rádios no seu Estado, o Maranhão. Lula não falou nada, não fez nada.
Não dá para confiar nessa “base aliada”, embolada e desleal, para a aprovação da MP dos combustíveis. Haddad finge que está tranquilo, porque MPs entram em vigor automaticamente, por 120 dias, mas já tem um plano B: empurrar com a barriga. Se o Congresso não aprovar até julho, volta tudo: desoneração, guerra com Gleisi e perplexidade. Aliás, não só no “mercado”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário