domingo, 29 de janeiro de 2023

RELAÇÃO ENTRE O ATUAL PRESIDENTE DA CÂMARA E O GOVERNO

 


Como a provável reeleição de Lira para o comando da Câmara vai afetar o governo Lula

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília


O presidente da Câmara, Arhur Lira, e o presidente Lula, durante a solenidade de posse presidencial, em 1.º de janeiro.| Foto: Tauan Alencar/Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem amplo favoritismo para ser reeleito ao comando da Casa, na eleição marcada para a próxima quarta-feira (1.º de fevereiro). Hoje ele é mais forte do que quando assumiu o cargo, há dois anos. Aliados dizem que Lira pode vencer a disputa com até 90% dos votos dos 513 deputados. E essa força, se for confirmada, deve ter efeitos: a Câmara poderá ser ainda mais independente em relação ao governo do que foi na gestão de Jair Bolsonaro (PL); e Lira terá poder de influir decisivamente na administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O poder de Lira vem de seu relacionamento com os deputados. Ele é alguém que sempre atendeu os parlamentares “no varejo”, inclusive em reuniões individuais com os colegas. Isso é diferente do que fazia grande parte de seus antecessores na presidência da Câmara, que atendiam os parlamentares no “atacado”, mediante reuniões com líderes de bancadas partidárias, e sem conversas individuais. A atenção destinada a seus pares fortaleceu Lira sobretudo entre os chamados deputados de “baixo clero”.

Por sua atuação e habilidade nos bastidores, Lira chegou a ser apelidado na Câmara de “Cunha 2.0” – numa alusão à força que o ex-deputado Eduardo Cunha (RJ) teve como presidente da Casa. Mas atualmente Lira é visto até como mais forte do que Cunha – que foi responsável por abrir o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Essa força de Lira fez com que sua gestão tenha marcado o ápice do protagonismo político da Câmara. Muitos ser refeririam a Lira como “primeiro-ministro” informal de Bolsonaro. Foi durante sua administração, por exemplo, que os deputados passaram a controlar uma fatia expressiva do orçamento federal por meio das emendas de relator – o orçamento secreto, extinto no fim do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Os mais próximos de Lira afirmam que ele tem uma “base” própria com quase 30% dos deputados. É a sua chamada “tropa de choque”, que pode seguir suas orientações e causar problemas para qualquer governo, impondo uma agenda legislativa contrária à do presidente da República. “Arthur é frio, é calculista. Está com a máquina na mão, e isso o levou a ter 150 votos [de deputados] só dele. Ele é mais poderoso e hábil do que o Eduardo Cunha e o [Rodrigo] Maia [seu antecessor no comando da Casa]”, diz um aliado. Outros afirmam que a base de Lira chega a 200 dos 513 deputados.

A provável reeleição de Lira tende a reforçar essa condição de independência dos parlamentares em relação ao governo federal. “Cada dia mais os deputados são donos de suas pautas. Não somos mais um puxadinho do Executivo, igual no passado. E o Arthur é alguém que preserva isso”, diz um aliado do presidente da Câmara.

O deputado federal Darci de Matos (PSD-SC), vice-líder da Maioria na Câmara, elogia Lira e diz que ele conta com o apoio da “ampla maioria” dos deputados. “Ele conhece a pauta econômica como ninguém. Domina a Câmara. É um homem de palavra, firme. Ele vai fazer com que a Câmara continue com a sua independência em relação ao Executivo, com personalidade. Mas vai ter uma relação republicana normal e boa com o governo”, diz.

Quais são os riscos da reeleição para Lula
Darci de Matos diz que Lira tem o respeito inclusive da esquerda, e avalia que isso ajudará a construir uma boa relação com Lula. “Tanto é que a esquerda vai apoiá-lo [na disputa pela reeleição]”, afirma.

Mas o poder reforçado de Lira pode impor desafios a Lula que não existiram no relacionamento com a gestão do ex- presidente Jair Bolsonaro. Para Matos, a reeleição do presidente da Câmara será importante inclusive para preservar os “pesos e contrapesos” em uma relação com um governo de esquerda. “Um Parlamento essencialmente mais de centro, com um presidente de centro, experiente, faz com que a gente possa buscar a racionalidade”, diz.

Outro risco é a possibilidade de o petista Lula não nomear indicados de Lira para cargos importantes no governo. “O Lira pediu 200 cargos para a base dele. Porque ele sabe também que, se não atendê-los, os votos que ele tem somem”, diz um aliado do presidente da Câmara. Para acomodar aliados, Lira pleiteou a Lula cargos nos ministérios de Minas e Energia, do Planejamento, da Saúde e da Integração Nacional, além do controle de estatais como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Mas aliados de Lira acreditam que ele e Lula vão ter uma convivência ao menos pragmática. “O Arthur é um homem de negócios. Se sentar com ele e se acertar, então estará tudo certo”, diz um correligionário do presidente da Câmara. Outro faz um alerta ao presidente eleito: “Se o Lula pensa que vai levar na lábia, esquece. É melhor fazer um mau acordo com o Arthur do que tentar enganá-lo”.

O deputado Darci de Matos diz não acreditar que Lula e Lira terão um relacionamento conflituoso como foi o de Dilma e Eduardo Cunha. “O diálogo entre eles é bom e o presidente Arthur tem outra personalidade. Cunha conhecia muito o regimento [da Câmara], mas era um homem impulsivo e com um outro comportamento. Lira é tranquilo. Arthur segurou quase 100 pedidos de impeachment do Bolsonaro. Arthur é um cara que é racional. Além disso, o Arthur trabalhou junto com todos nós da liderança para passar a PEC [fura-teto, que foi o primeiro grande desafio de Lula no Congresso]”, afirma.

O presidente Lula conhece a força de Lira, e exatamente por esse motivo o PT anunciou apoio à reeleição dele. Lula também quer evitar repetir o que ocorreu em 2015 – quando Eduardo Cunha, à época filiado ao MDB, foi eleito presidente da Câmara com 267 votos tendo o petista Arlindo Chinaglia (SP) como adversário bancado pelo governo da então presidente Dilma. Cunha nunca escondeu a contrariedade com a posição de Dilma, e foi o responsável por abrir o processo de impeachment dela.

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Reeleição pode ter efeitos até depois que Lira deixar o comando da Câmara
A provável reeleição folgada de Lira pode ter efeitos também na segunda metade do governo Lula. O atual presidente da Casa irá comandá-la, se a vitória for confirmada, até fevereiro de 2025. No restante de 2025 e em 2026, os dois últimos anos do mandato de Lula, a Câmara necessariamente será comandada por outro deputado – a reeleição no meio de uma legislatura é proibida. Mas Lira já articula hoje quem irá sucedê-lo na presidência da Câmara em 2025.

“O Arthur já está negociando a sucessão daqui a dois anos. Quem quer ser [presidente da Câmara] e tem tamanho para o cargo vai ter de combinar com ele agora para ter o apoio dele daqui a dois anos”, diz um deputado aliado.

O deputado federal Marcos Pereira (Republicanos-SP), presidente nacional do partido, é hoje o nome mais cotado para suceder Lira no grupo do atual presidente da Câmara. Pereira chegou a ensaiar uma candidatura em 2023, mas recuou para negociar o apoio de Lira para as eleições da Mesa Diretora em 2025.

Por ter bom trânsito junto aos deputados do “baixo clero”, alguns dizem que Pereira tem boas chances de obter o capital político de Lira. “O Marcos Pereira tem histórico e tem tamanho [para o cargo]. É um cara que não pode ser descartado”, diz um correligionário. “E o Lira é um cara que cumpre o que tratou. Se os dois se acertarem, as chances dele ser o candidato do Arthur [em 2025] são grandes.”

Os deputados Baleia Rossi (MDB-SP) e Luciano Bivar (União Brasil-PE) são outros nomes que tentam se cacifar para comandar a Câmara em 2025. Mas atualmente eles não contam com o apoio do baixo clero e da base de Lira.

O PL, que é o maior partido da Câmara, também pode tentar fazer o sucessor de Lira. Mas um deputado diz acreditar que isso é hoje improvável. “O problema do partido é unidade. Chega muito grande [na nova legislatura], mas dividido. E não tem liderança”, diz.

Já hipótese do grupo de Lira apoiar algum candidato da esquerda também é vista, hoje, como remota.


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