terça-feira, 31 de janeiro de 2023

ELEIÇÕES NA CÂMARA E NO SENADO MOVIMENTAM O CONGRESSO NACIONAL

 


CPIs, convocação de ministros e reuniões semanais: como a oposição a Lula vai se organizar

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília


Sessão conjunta do Congresso Nacional: parlamentares de oposição prometem resistência organizada contra governo Lula| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

Os parlamentares contrários ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmam que pretendem organizar uma oposição institucional ao governo no Congresso Nacional. As conversas ainda são incipientes, mas o aumento de deputados e senadores conservadores na próxima legislatura, que toma posse nesta quarta-feira (1º), engrossou o grupo de opositores que trabalha para coordenar um movimento de resistência às medidas e ações de Lula no Palácio do Planalto.

Senadores de oposição argumentam que o primeiro passo é assegurar a eleição do senador eleito Rogério Marinho (PL-RN) para o comando do Senado. “Não para fazer oposição ao presidente Lula, mas para que a Casa seja uma entidade e um poder independente aos poderes da República”, diz o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Marinho disputa o comando do Senado com o atual presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A eleição ocorre na quarta-feira.

Na Câmara, além de propostas de reuniões semanais, também está em discussão a definição de pautas em comum. O deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) quer apresentar entre 40 a 60 dias uma agenda legislativa de oposição. Na última quarta-feira (25), ele iniciou os trâmites para a contratação de uma consultoria que vai auxiliá-lo a mapear as pautas prioritárias que virão a ser defendidas pelos parlamentares que irão se opor ao governo federal.

O pontapé para a elaboração de uma agenda legislativa é visto por opositores como a pedra fundamental que marca o início de um processo de organização do grupo de opositores. A lista de pautas ainda será definida em reuniões com deputados a partir da próxima quinta-feira (2), após a posse da nova legislatura.

A ideia de deputados da oposição é apresentar uma agenda ampla contendo pautas que, eles entendem, não terá o apoio de Lula e de seu governo. Entre as propostas, há sugestões de reformas amplas, como a administrativa e a do Judiciário, com direito a delimitações aos poderes de tribunais superiores e mandatos de magistrados, como propõe o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP).

O fim do foro privilegiado, a prisão após condenação em segunda instância e o voto impresso auditável são outras propostas defendidas por diferentes parlamentares. A deputada federal Bia Kicis (PL-DF), autora da proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso votada na última legislatura, atua para apresentar uma nova redação no início da legislatura.

Até a elaboração da agenda legislativa e a definição da estratégias para avançar os assuntos, contudo, Melo defende que a oposição concentre as energias em questionar e convocar ministros do governo para explicar declarações e medidas. “A pauta deve começar pelo combate às inverdades e mentiras sendo disseminadas desde a transição, o governo está exagerando nas fake news”, diz. “Vamos montar um exército de questionamentos e o governo pode se preparar, porque vai ter um pacote de convocações de ministros para poder explicar as inverdades que tem dado publicidade”, complementa.

O parlamentar também é favorável à instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar possíveis responsabilidades do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, nos atos de vandalismo de 8 de janeiro. Porém, a própria oposição está dividida sobre qual CPI é mais prioritária. Outros acham que a mais urgente é a que propõe investigar supostos abusos de autoridade de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A divergência na política é natural e deputados não veem problemas na indefinição de qual CPI é mais importante, por exemplo. Existe, porém, uma análise entre parlamentares de que é imprescindível assegurar uma coordenação da oposição, sob pretexto e risco de não oferecer uma resistência firme a Lula. Hoje, o grupo de deputados federais que se dispõe a contestar o governo federal ainda está desorganizado, com alguns parlamentares ainda tomando decisões independentes e até sem planejamento.

Qual é o planejamento projetado para organizar a oposição no Congresso
Vice-líder do governo na Câmara na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado Evair de Melo diz que irá construir um organograma para auxiliar na organização da oposição. “Vamos aguardar a chegada de todo mundo, identificar um a um e começar a trabalhar”, destaca.

O parlamentar se articula para ser o líder da oposição ao governo Lula na Câmara. “Tem deputado que é bom de articulação, de Judiciário, de falar em comissão e de discursar em plenário. Vamos organizar e avaliar o talento, a especialidade e o papel que cada um pode cumprir na oposição”, diz.

Ao identificar a disponibilidade, pretensão e habilidades dos deputados para fazer a oposição, Melo acredita que seja possível montar um bloco coeso e organizado. “Queremos identificar a habilidade potencial de cada um e montar um organograma da oposição para que cada um possa atuar em um campo, seja de fiscalização, denúncia, em plenário ou nos bastidores”, explica.

O deputado entende que o processo de organização pode levar “alguns dias”, mas assegura que será possível montar uma coordenação eficiente, com o estabelecimento de metas e objetivos. Ele discorda, porém, que a atual desorganização da direita decorra de vaidades.

“Acho que cada um tenta dar o seu melhor mesmo em ‘carreira solo’.  Tem espaço para todo mundo, a oposição não vai ser uma pessoa, vai ser um bloco onde cada um vai ter o seu protagonismo. Nos outros mandatos, Lula tinha só uma meia dúzia perturbando, agora, ele vai ter um exército alinhado”, diz. “Nunca tivemos uma direita organizada na oposição, é uma experiência nova, mas tenho certeza que as abóboras se juntarão e vamos organizar um grupo muito qualificado”, complementa.

Nos cálculos de Melo, a bancada orgânica da oposição pode chegar a 250 deputados e a 300 em temas ideológicos. O grupo de oposição dialoga em um grupo de WhatsApp e tem discutido a organização do bloco ainda em termos informais, mas existe a expectativa de que as primeiras reuniões formais possam ter início na próxima semana.

“Estamos nos falando muito no grupo, inclusive essas ações que cada um faz [contra o governo Lula] são compartilhadas, cada um faz ao seu juízo de forma solo, mas com apoio de todos. Na quinta (2) ou sexta-feira (3), vamos reunir o primeiro grupo para organizar as primeiras ações”, afirma Melo. Ele e o deputado Sanderson (PL-RS) apresentaram pedidos de impeachment de Lula. Também há pedidos de investigação contra o presidente da República por ter sugerido a hipótese de que a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu um “golpe”.

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No Senado, os cálculos sugerem que a oposição pode chegar a pelo menos 35 votos e os senadores prometem uma oposição com “conteúdo e lógica”. “Os bons projetos nós vamos aprovar, mas tudo que não for interessante para o país nós vamos combater”, diz Luiz Carlos Heinze.

Para o senador, é importante uma discussão sobre o decreto que restringiu o acesso ao porte e à posse de armas e também a temas da área econômica discutidos pelo governo, como a ideia de moeda única para países do Mercosul e o financiamento de obras em países estrangeiros com recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Vamos fazer uma oposição responsável para melhorar o destino do nosso país, que já estava sendo bem feito no governo passado”, afirma.

O senador Wellington Fagundes (PL-MT) reforça o discurso de defesa de uma oposição responsável que assegure a manutenção dos investimentos e de uma economia fortalecida e sugere que a candidatura do senador eleito Rogério Marinho à presidência do Senado é uma sinalização disso. “Ele quer ser um presidente na linha construtiva, de uma oposição consciente”, afirma.

“Estamos em sintonia com a população, apresentando uma candidatura extremamente viável e que representa mudanças, mas isso não quer dizer que estamos aqui para agredir nosso adversário, é uma casa dos pares, da maturidade, nós representamos os estados brasileiros”, complementa Fagundes.

Oposição quer reuniões semanais para definir até palavras de ordem

A deputada Bia Kicis defende reuniões semanas junto à bancada de oposição a Lula para discutir não apenas pautas legislativas, mas também coordenar denúncias e até palavras de ordem contra o governo. O objetivo é assegurar uma resistência vigilante, proativa, programática e fiscalizatória.

A proposta é que a direita trabalhe com uma organização semelhante à apresentada pela esquerda na gestão Bolsonaro. Bia entende que a esquerda recebia orientações semanais sobre como acusar o antigo governo e o ex-presidente, e considera que as críticas e acusações eram feitas de forma organizada para criar narrativas.

“Uma semana eles eram orientados a chamar o Bolsonaro de genocida, e aí, onde estivesse, a única palavra era essa. Na outra semana era outro assunto, e não importa se é verdade ou mentira, eles não estão nem aí para isso. Eles querem criar uma narrativa, mentir para fazer a narrativa colar. É como se diz na política: uma versão é mais importante que o fato. A gente tem que entender isso”, afirma.

A ideia defendida por ela é mencionar palavras de ordem no plenário, nos breves comunicados, em todas as comissões e usar o tempo de liderança para “martelar” e “mostrar o que está sendo feito”. “Vamos denunciar as coisas que estão sendo feitas de errado, porque isso com certeza não vai faltar, vai sobrar. Estamos vendo a quantidade de absurdo que já está sendo feito”, sustenta.

A parlamentar esclarece que não concorda com o posicionamento da esquerda, mas entende que o modelo de briefing semanal pode ser replicado pela oposição a Lula. “Nós podemos definir palavras de ordem baseadas na verdade, porque para falar mal do PT não precisa criar nenhuma narrativa, é só falar a verdade”, defende.

O deputado Luiz Philippe considera que a organização da oposição deve começar por lideranças que tenham “credibilidade” e possam expandir desse núcleo duro para pessoas com pensamento similar. “Ser oposição é ter, primeiro, objetivos comuns, e ter coragem de sofrer as consequências de ser oposição em segundo lugar. Em terceiro, não pode abrir mão da coesão”, destaca.

O parlamentar entende que tem muitos deputados com visibilidade, mas sem coesão na defesa das ideias, e vice-versa. “Tem que começar com o núcleo duro bem coeso. A gente ainda está nessa etapa, não estamos nem na etapa de expansão”, comenta, com críticas veladas a deputados que considera vaidosos e até narcisistas. “Tem as bancadas ‘da live e do meme’, que têm canal de mídia e estão loucos para aparecer de novo.”

Como opositores querem avançar o voto impresso, reformas e outras pautas

A oposição a Lula também planeja manter um boa relação institucional com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para assegurar a votação de matérias da agenda legislativa a ser construída, incluindo o voto impresso. O deputado Evair de Melo vai apoiar a pauta e promete dialogá-la com Lira junto de Bia Kicis quando o novo texto estiver pronto.

“O Arthur coloca pra votar e respeita, é um homem que não é de sentar em cima de pauta legislativa, ele tem esse perfil. Uma vez convencido da necessidade técnica ele sempre se dispõe a dialogar. Confio muito na palavra dele, como ele tem com todos. Quando botar para votar, respeita o plenário”, comenta Melo.

Bia não espera um compromisso de Lira com o mérito do voto impresso, mas acredita que ele possa encaminhá-la para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma vez que a nova PEC esteja pronta e com o mínimo de 171 assinaturas necessárias para ser protocolada. “Ainda não comecei a colher as assinaturas porque não redigi essa nova proposta. Estou pensando qual seria a melhor forma de fazer uma redação que afastasse resistências e angariasse apoio”, justifica.

Para a elaboração da nova PEC do voto impresso, Bia tem ouvido especialistas, acadêmicos na área de segurança em sistemas eleitorais e também deputados. “Sempre tenho falado que eu pretendo, mais uma vez, dar uma chance à nossa democracia de fazer com que os eleitores se sintam confiantes. Não adianta ministro do TSE ou quem quer que seja dizer que o sistema é seguro ou transparente se o eleitor não confiar, e não adianta dizer que é obrigado a confiar”, argunenta.

A parlamentar também planeja pedir a tramitação de CPIs, de propostas que tratam do fim do foro privilegiado, da reforma do Judiciário e da reforma tributária relatada por ela em comissão especial, a PEC 7/2020. De autoria do deputado Luiz Philippe, o texto prevê a concentração da tributação em apenas três categorias de impostos (consumo, renda e propriedade), mas cria uma regra de transição, preserva tributos, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), e mantém a existência dos fundos de participação dos estados e dos municípios.

A PEC 7 foi aprovada em comissão especial no fim do ano passado e está pronta para ser votada em plenário. Porém, os sinais políticos são de que a reforma tributária a ser discutida é a PEC 45/2019, que tem como autor intelectual o secretário especial para reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Luiz Philippe critica os movimentos e promete pressionar para que sua proposta tramite.

“Nenhuma das outras propostas conseguiu chegar nesse estágio [da possibilidade de ser votada em plenário] e, agora, corre o risco do governo pensar diferente. Eles têm uma visão completamente centralizadora e aí não sei se o Lira vai apensar a proposta do PT em cima da minha, que não tem nada a ver, já digo isso de antemão”, diz.

O parlamentar também é autor de uma proposta de reforma do Judiciário e defende sua pauta, que propõe restringir o STF a uma Corte constitucional. “É a mais abrangente, porque envolve STF, STJ, Ministério Público, nomeações com mandatos, competências”, afirma. “Tudo isso é importante porque está pontuado, não dá para fazer reforma do Judiciário pequena e pontual, não resolveria o problema do Judiciário, que evoluiu para ser uma autocracia”, acrescenta.


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