Cargo de senador para ex-presidentes vira moeda de troca para aprovar PEC fura-teto na Câmara
Por
Olavo Soares – Gazeta do Povo
e
Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília
Michel Temer, Lula, José Sarney e Dilma Rousseff no TSE, em
agosto: ex-presidentes poderiam assumir cargo de senador vitalício.|
Foto: Antonio Augusto/TSE
A ideia de conceder o cargo de senador
vitalício a ex-presidentes da República – o que lhes garantiria foro
privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF) – voltou a circular nos
corredores do Congresso diante da iminência de Jair Bolsonaro (PL)
deixar o comando do país. Ao menos publicamente, a proposta é rejeitada
por parlamentares que criticam o governo e também por congressistas que
apoiam Bolsonaro.
Nos bastidores, porém, há uma articulação em curso para viabilizar a figura do “senador para toda vida” envolvendo a aprovação da PEC fura-teto na Câmara dos Deputados. A informação, confirmada pela Gazeta do Povo, é do blog da Andréia Sadi, no portal G1. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), seria um dos fiadores da proposta.
O objetivo é atrair o PL, partido de Bolsonaro, que seria beneficiado por um assento no Senado, para votar a favor da PEC do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que abre um espaço de R$ 145 bilhões no Orçamento de 2023, por dois anos, para pagar o Bolsa Família (atual Auxílio Brasil) de R$ 600.
Havia a previsão de que a PEC fura-teto fosse apreciada em primeiro turno pelos deputados nesta quinta-feira (15), mas Lira transferiu a votação para a próxima terça-feira (20) justamente porque a base do governo eleito não tem votos suficientes para aprovar a matéria. E é aí que a ideia do senador vitalício entra.
A sugestão não é nova. Há décadas discute-se a concessão de uma cadeira permanente no Senado a ex-presidentes, como ocorre em países como Chile e Itália. Nos últimos meses, voltou a ser defendida pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO), líder do governo Bolsonaro no Congresso. No início de novembro, pouco após o atual presidente perder o segundo turno da eleição, Gomes disse que buscaria assinaturas para protocolar uma proposta de emenda à Constituição que criaria a figura do senador vitalício.
No Senado, entretanto, a proposta esbarra na resistência do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que já disse ser totalmente contra. Com isso, as articulações passaram a se concentrar na Câmara, embora ainda não haja um texto formalmente protocolado na Casa. Duas lideranças da Câmara disseram à Gazeta do Povo que Lira está ciente e engajado na ideia.
Os dois líderes também afirmaram que a ideia é que a ocupação da cadeira de senador vitalício por ex-presidentes seja opcional e tenha uma condicionante: ao assumir o cargo, o ocupante ficaria impedido de disputar eleições. No caso de Bolsonaro, ele não poderia se candidatar novamente à Presidência da República em 2026, por exemplo.
Outra vedação do cargo é que o senador vitalício não poderia votar no plenário – apesar de ter direito a discursar, participar de comissões e a manter um gabinete com servidores. A principal vantagem seria garantir o direito ao foro privilegiado, o que impediria que eles fossem julgados na primeira instância do Judiciário.
Um fator que pode vir a mudar o ambiente no Senado é a eleição para o comando da Casa, em fevereiro. Embora seja favorito para ser reeleito presidente do Senado, Pacheco terá a concorrência do senador eleito Rogério Marinho (PL-RN), apoiador de Bolsonaro, e do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que se declara independente. Girão afirmou à Gazeta do Povo ser contra a PEC do senador vitalício. Mas não se sabe a posição de Marinho.
Qual seria o custo do cargo de senador vitalício
Em entrevista à
revista Veja, o senador Eduardo Gomes disse que o projeto teria “custo
zero” aos cofres públicos, porque a estrutura destinada aos
ex-presidentes no Senado seria um reaproveitamento do que já está à
disposição, hoje em dia, aos ex-chefes do Executivo federal. Ainda não
se sabe se a proposta que vem sendo discutida na Câmara não viria a
criar custos.
Atualmente, o Brasil tem seis ex-presidentes: Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor e José Sarney. Como Lula será empossado presidente no dia 1º de janeiro, logo Bolsonaro passará à condição de ex. Há incerteza ainda se ex-presidentes afastados do cargo por força do impeachment, casos de Dilma e Collor, poderiam conseguir um assento no Senado.
Petistas, independentes e aliados de Bolsonaro são contra
A
questão do foro privilegiado para ex-presidentes é um dos maiores pontos
de controvérsia da criação do cargo de senador vitalício. Para
adversários de Bolsonaro, o objetivo do projeto é blindar o atual
presidente da República de futuros processos. “Isso é uma excrescência,
um absurdo. É uma tentativa de deixar impune um presidente como Jair
Bolsonaro”, afirma o senador Humberto Costa (PT-PE). “Se depender de
nós, do PT, isso não passa nunca.”
Costa diz que o partido rejeita a proposta mesmo que Lula e Dilma venham a se beneficiar dela no futuro. “Se Dilma quisesse ser deputada ou senadora, iria disputar a eleição, e com chances”, afirma. A ex-presidente concorreu ao Senado em 2018, buscando uma vaga para representar Minas Gerais, mas foi derrotada.
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Aliado
de Bolsonaro, o senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) também descarta a
proposta. “Sou contra cargos vitalícios de qualquer natureza e considero
que iniciativas como essas não serão acolhidas pelo Congresso. Cargos
vitalícios fragilizam o sistema democrático”, diz.
O senador Girão, que se define como independente, mas costuma votar junto com o governo Bolsonaro, também critica a iniciativa. “Obviamente que eu voto contra isso. Não tem o menor cabimento esse jogo político para blindar ninguém – nem o atual [presidente] e nem os anteriores. Isso não tem fundamento. Vou votar contra e trabalharei contra esse projeto.”
A Gazeta do Povo consultou também líderes de outros partidos que, de forma reservada, indicaram não ver possibilidade de tramitação da iniciativa em 2023.
Mudança viria com PEC, que poderia ser contestada
A criação do
cargo de senador vitalício teria que ser efetivada por meio de uma
emenda constitucional. A aprovação de uma PEC é um dos processos mais
longos e difíceis do Congresso, já que exige votos favoráveis de três
quintos dos deputados e três quintos dos senadores, em dois turnos de
votação, tanto na Câmara quanto no Senado.
Mesmo após a aprovação pelo Congresso, porém, a medida poderia ser contestada no STF e derrubada. “Mesmo uma emenda à Constituição pode ser inconstitucional. Nós tivemos o poder constituinte originário que criou a Constituição de 1988 e que estabeleceu um poder constituinte derivado capaz de reformar a Constituição. No entanto, essa reforma só pode ser feita nos limites da própria Constituição originalmente estabelecida”, diz o advogado constitucionalista Camilo Onoda Caldas.
Segundo ele, a ideia de fornecer um cargo político de forma vitalícia contrasta com dispositivos da carta magna. “A Constituição estabelece uma forma republicana de governo que implica justamente na temporalidade dos cargos, dentre outras características da República. Portanto, quando a gente estabelece um cargo de natureza vitalícia para um membro do governo, isso pode ser objeto de questionamento, já que não estaria em conformidade com os princípios republicanos.”
Brasil já teve senador vitalício
Durante o período do Império, que
durou entre 1822 e 1889, o Brasil teve senadores vitalícios. Eles eram
selecionados pelo imperador a partir de uma lista tríplice, formada com
nomes eleitos pela população. A Constituição de 1891, a primeira do
Brasil republicano, já não previa a figura do senador vitalício.
Embora durante a República o país nunca tenha tido senadores vitalícios, a ideia ressurgiu mais recentemente. Em 2006, por iniciativa do então senador Gilvan Borges (PMDB-AP), a criação desse cargo foi proposta. Borges é aliado do ex-presidente José Sarney, que seria um dos beneficiados.
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