terça-feira, 30 de agosto de 2022

LUTA ENTRE O POVO E INTELECTUAIS

 

Tá bem, mas não se irrite!

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo


O povo não aguenta mais intelectuais que despertam nas pessoas a raiva, na esperança macabra de que o ressentimento dará origem a um Paraíso.| Foto: Reprodução/ Wikipedia

Há coisa de semanas, li um sujeito em geral muito equilibrado tropeçar nas próprias intenções e anunciar com inequívoco orgulho que tinha acabado de escrever algo que irritaria jovens e velhos, casados e solteiros, héteros e gays, bolsonaristas e petistas, direitistas e esquerdistas, conservadores e progressistas, fieis e ateus. Não li o texto e, portanto, não posso dizer se o escritor conseguiu mesmo irritar todo mundo. Só sei que, a mim, não irritou.

Mas isso é de menos. O que chamou realmente minha atenção foi essa pretensão de irritar todo mundo, divulgada como se fosse produto de um talento extraordinário e uma motivação nobre. Como se essa raiva toda fosse mudar a vida de uma só pessoa para melhor. E, no entanto, não precisei nem de dois segundos para reconhecer ali toda uma geração de intelectuais. E aqui uso a palavra no sentido de “pessoa que vive das ideias”, o que inclui jornalistas e até artistas.

Ao longo de décadas, de uma forma mais ou menos explícita, aprendemos que o mundo se divide entre ricos e pobres, opressores e oprimidos, isto é, os que mandam e os que, porque têm juízo, obedecem. De acordo com o que diziam nossos professores, a cooperação entre os dois grupos é impossível. Porque eles vivem uma relação de atrito constante, para o qual existe apenas um alívio historicamente aceitável: a violência.

Desnecessário dizer, mas digo mesmo assim porque pensando bem talvez não seja tão desnecessário: não concordo com absolutamente nada disso. Idioticamente, acredito que as pessoas são capazes de cooperar e de se satisfazerem com essa cooperação, independentemente de suas posições na escala econômico-social. Em outras palavras, não estou nem aí para a inveja da mais-valia.

Mas muita gente está. E é esse ressentimento que alimenta o desejo intelectual de exercer perversamente o poder, impondo suas ideias e a elas subjugando o leitor, espectador, ouvinte ou aluno no que ele tem de mais sincero: a emoção. Isto é, provocando nele uma raiva que se diz justa, mas raramente é. Semeando um ódio que seria “intelectualmente justificável”.

Essa mentalidade é uma das grandes responsáveis pela briga político-eleitoral que temos hoje em dia, e que só não vou chamar de “polarização política” porque estou cansado da expressão. Mas suas consequências vão muito além da disputa entre Jair Bolsonaro e Lula. Como o homem comum está cansado de tanto soco no estômago, de tanta provocação, de ser xingado, humilhado, diminuído, tratado como “o grande causados dos males humanos”, é natural que ele se volte contra os causadores desse mal-estar. Ou seja, aqueles que estufam o peito para se dizerem livres-pensadores (não são) e fazem biquinho para se dizerem provocateurs: os intelectuais.

É disso que se trata o caos dialético (bonito, isso) que vemos todos os dias nas redes sociais e aqui mesmo na Gazeta do Povo: o povo, essa abstração alguns ainda reduzem à faixa de renda, mas que é muito mais complexa, se vê traído e esmagado por essa relação de força. Ele se vê escravizado por ideias com as quais não compactua porque não entende – e não compactuaria mesmo se entendesse. Ele não aguenta mais ver seus pequenos momentos de felicidade transformados em privilégios pelos quais se exige reparação.

Se agir assim ou assado, não, um pouco mais para a esquerda, mais, mais, só mais um pouco, mais, mais, sempre mais, o intelectual promete ao homem comum uma religião regida pela razão. Pelo… intelecto que ele tanto preza. Mas ele sabe que se trata de um estelionato espiritual. Daí a revolta contra essa gente que, munida de algumas citações e meia dúzia de conjunções para dar liga nesse arremedo de ideia, lhe diz como viver nos mínimos detalhes: o que comer, o que vestir, que palavras dizer, que músicas ouvir e, em alguns casos, até com quem é aceitável o homem comum se relacionar.

Irritar as pessoas na esperança de que elas se juntem às fileiras de invejosos e ressentidos e marchem rumo a um Paraíso igualitário? Tô fora! Prefiro alegrar e, aqui e ali, oferecer algum conforto a todos os que se esforçam para serem pessoas melhores todos os dias – apesar do fracasso inerente à condição humana.

ELEIÇÕES 2022
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