Países preparam missões e projetam novas viagens tripuladas depois de cinco décadas
Italo Lo Re, O Estado de S.Paulo
Com a Lua de volta ao foco, a corrida espacial projeta importantes avanços para este e os próximos anos. Principal aposta da Nasa, agência espacial americana, o programa Artemis deve iniciar expedições de teste para enviar nesta década astronautas à Lua pela primeira vez desde 1972. Depois, a agência quer empregar as mesmas tecnologias para buscar um feito inédito: levar o homem a Marte. Após um ano movimentado, países como Rússia e China também têm progredido rumo a esse objetivo.
Cientistas ouvidos pelo Estadão indicam que, a exemplo dos anos 1960, há agora um novo ímpeto para enviar expedições à Lua, o que inclui missões não tripuladas. Alguns dos planos, contudo, podem ser freados diante da guerra na Ucrânia, que compromete inclusive a manutenção da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
Inicialmente, o objetivo da Nasa para o programa Artemis era levar a primeira mulher e o primeiro astronauta não branco à superfície da Lua até 2024. No documento de apresentação do projeto, de 2020, o então administrador da Nasa, Jim Bridenstine, disse que a agência usaria a expedição à Lua como “trampolim para o próximo grande salto – a exploração humana de Marte”.
A programação teve de ser adiada após imprevistos – a agência revelou que não irá concluir o Artemis antes de 2025 –, mas as etapas do programa avançam. A Nasa prevê concluir neste mês o que é considerado o último grande teste antes de lançar à órbita da Lua seu megafoguete Space Launch System (SLS), o mais potente desenvolvido até aqui. Esse teste de combustível estava programado para o início de abril, mas já teve de ser adiado três vezes para que os técnicos fizessem pequenos reparos após a identificação de problemas, como um vazamento.
Nomeada Artemis 1, a expedição prevista para este ano será não tripulada e com duração de cerca de três semanas. Simulará o trajeto pensado para a expedição com os astronautas, mas sem a nave pousar no local. “Todo mundo (da Nasa) está muito entusiasmado com a missão Artemis, que vai levar pessoas de volta à Lua”, afirmou ao Estadão a astrônoma Rosaly Lopes, cientista-chefe da área de Ciências Planetárias do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa.
“A Lua é mais interessante do que se pensava no fim do programa Apollo (que levou o homem à Lua nos anos 1960 e 1970). Houve desinteresse na Lua, mas depois voltou”, prosseguiu, atribuindo a retomada a novos estudos e expedições recentes. “Estamos em um momento de exploração espacial interessante. Tem várias missões no sistema solar e em volta da Terra.”https://arte.estadao.com.br/uva/?id=QB4eaz
Prazos e desafios
A pesquisadora pondera, por outro lado, que a data para o lançamento da missão tripulada do Artemis está em aberto, até pela complexidade da aventura. “As missões tripuladas são bem mais difíceis de fazer e também muito mais caras”, disse Rosaly, que trabalha na Nasa há mais de 30 anos. O orçamento estimado para a missão Artemis é de cerca de US$ 100 bilhões (R$ 470 bilhões), mas o valor final depende de aval no Congresso americano.
A missão que levou astronautas à Lua de 1969 a 1972 teria custado hoje mais de US$ 200 bilhões (R$ 940 bilhões), estimam cientistas. “A tecnologia que foi usada na década de 1960 para ir à Lua era muito cara”, diz Adilson de Oliveira, professor de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Foi uma das razões, explica, que tornaram missões à Lua inviáveis por longo tempo.
“Com esse projeto novo da Artemis, que estão fazendo em parceria com empresas privadas, eles têm uma possibilidade de avançar com outras tecnologias”, afirma. Como exemplo, Oliveira cita um mecanismo desenvolvido pela Space X, empresa do bilionário Elon Musk, para recuperar os foguetes após os lançamentos, o que barateia a missão espacial.
Os projetos que miram a Lua visam a ampliar a presença do homem no espaço e desenvolver novas tecnologias para chegar a Marte no futuro. “A presença na Lua é um treino para ir para outros corpos do Sistema Solar”, diz Alexandre Zabot, professor de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele relembra que, enquanto a ISS fica a menos de mil quilômetros da Terra, a Lua está a 380 mil quilômetros – um desafio bem maior.
“A Lua nunca foi devidamente explorada. As missões Apollo, por exemplo, só foram um fascínio na Lua. Nunca foi feita missão científica mais profunda”, diz Oliveira. “Mesmo na fase soviética, que mandaram sondas para retirar material e trazer para a Terra, isso foi muito pouco analisado.”
Além da Artemis, a Nasa tem dois robôs em Marte e leva à frente duas importantes missões no momento: a primeira é a Psyche, que visa a estudar um asteroide similar ao núcleo da Terra “É um asteroide metálico, como se fosse um interior de um asteroide que está exposto”, diz Rosaly. O lançamento é previsto para este ano e o retorno, para 2026. A segunda missão é a Dart, cujo objetivo é testar tecnologias para proteger a Terra de eventual colisão com asteroides.
Outras missões
Como parte dos eventos previstos para 2022, a Roscosmos, agência espacial da Rússia, anunciou o lançamento do foguete da missão Luna 25 à Lua a partir do 2º semestre. O programa foi montado para enviar a primeira expedição da agência à Lua desde 1976, período da Guerra Fria.
Paralelamente, a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) conduz o programa Juice, cujo lançamento de uma sonda para explorar as luas de Júpiter deve ocorrer até o próximo ano, e o ExoMars, em parceria com a Roscosmos. Em 2016, a primeira parte desta segunda missão foi bem sucedida e enviou um equipamento para orbitar ao redor de Marte. Para este ano, a previsão da ExoMars era lançar um robô à superfície marciana para procurar sinais de vida a partir de 2023, quando chegasse ao planeta vermelho.
Mas a guerra na Ucrânia comprometeu o planejamento para a Exomars. A ESA informou no último mês a suspensão da cooperação com a agência russa para a missão. O conflito no leste europeu pode resvalar ainda na manutenção da ISS, laboratório orbital desenvolvido por uma coalizão de 15 países há mais de 20 anos para conduzir pesquisas. A Rússia é uma das nações mais importantes do grupo.
No início de março, a agência espacial russa cancelou o lançamento de um foguete carregado com mais de 30 satélites da empresa inglesa OneWeb, novo capítulo do estremecimento nas relações espaciais. Naquele mesmo mês, a OneWeb anunciou que iria retomar os lançamentos de satélites por meio da SpaceX.
Depois, Dmitry Rogozin, chefe da agência russa, reagiu de modo mais explícito às sanções feitas pelo presidente americano, Joe Biden. Ele disse que não iria mais fornecer motores para os foguetes americanos Atlas e Antares.
Com o cenário de instabilidade, a Nasa indicou no último mês estudar formas de manter a estação espacial sem auxílio da Rússia, que ainda decidirá se continua na estação. “Os Estados Unidos já sabiam que precisavam cortar a dependência com a Rússia, porque havia instabilidade”, analisa Zabot.
A China também tem ganhado espaço. Os asiáticos começaram a construir em 2021 sua nova estação espacial, com conclusão prevista para o fim deste ano. Há poucos dias, astronautas chineses voltaram à Terra após expedição de mais de seis meses para atuar no desenvolvimento da estação.
E, recentemente, Pequim disse planejar uma missão tripulada a Marte até 2033. “Como tudo que envolve a China, são avanços exponenciais”, diz Zabot, ressaltando que o país tinha pouca expressão na corrida espacial do século 20.
Conforme Rosaly, a lista de países que tinham condições de planejar missões espaciais era restrita. “Agora vemos China, Índia, Emirados Árabes, todos fazendo missões. E isso é muito bom.” Como exemplo, ela cita o pouso do robô chinês Zhurong na superfície marciana em 2021, feito que antes limitado a russos e americanos.
A agência espacial japonesa, Jaxa, deverá apresentar neste ano o módulo de pouso Smart Lander for Investigating the Moon (Slim), nova tecnologia desenvolvida pelo país. Já a agência espacial da Coreia do Sul planeja lançar em agosto sua primeira missão lunar a partir da Flórida.
Em paralelo, projetos da SpaceX – que recentemente levou a primeira equipe particular à ISS – e da Blue Origin, do bilionário Jeff Bezos, firmam parcerias com as agências espaciais e promovem uma corrida de voo comercial.
Presença tímida
No Brasil, os avanços na área espacial são considerados tímidos ante outras iniciativas. “É claro que não dá para investir na mesma proporção (que nações desenvolvidas), mas a gente está perdendo muito neste momento. Todo país tem de dominar alguma tecnologia, e a tecnologia espacial se mostra importante nos próximos anos”, aponta Oliveira, da UFSCar.
De acordo com os pesquisadores, os programas desenvolvidos no Brasil são mais voltados à observação da Terra. Um dos exemplos é o satélite Amazônia 1, lançado em fevereiro do ano passado na Índia.
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