Editorial
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Gazeta do Povo
Eduardo Cunha teve condenação anulada; processo recomeça do zero na Justiça Eleitoral.| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Em um dos debates anteriores ao segundo turno da eleição presidencial de 2014, a então presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff elencou escândalos de corrupção envolvendo políticos tucanos e, logo em seguida, afirmava: “todos soltos”. Sete anos depois, a frase da presidente-candidata continua servindo à perfeição, agora para descrever os protagonistas de vários outros esquemas de corrupção, inclusive aqueles capitaneados pelo seu partido e ocorridos durante o seu governo. Tudo graças a decisões da Justiça baseadas em entendimentos que reescrevem o passado e desfazem o bom trabalho de combate à corrupção realizado pelos órgãos de investigação e endossados por condenações ocorridas em instâncias inferiores do Poder Judiciário.
Se no dia 1.º o Superior Tribunal de Justiça anulou as condenações de Antonio Palocci, João Vaccari Neto, Renato Duque e outros réus da Lava Jato, nesta terça-feira, dia 7, foi a vez dos ex-deputados Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves, cujas condenações foram anuladas pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1). A dupla tinha sido condenada em 2018 por um esquema de propinas ligado à liberação de recursos do Fundo de Investimentos do FGTS, administrado pela Caixa Econômica Federal – Cunha respondeu por violação de sigilo funcional, corrupção passiva e ativa e lavagem de dinheiro; Alves, por lavagem de dinheiro.
Graças unicamente à vontade dos ministros do STF, descobrimos com assustadora frequência que quem julgou e condenou não deveria ter julgado nem condenado; que tudo deve recomeçar em outro lugar – outro estado, outra vara, outro tribunal
Em outra frente de desmonte do combate à corrupção, a Segunda Turma do STF anulou, também na terça-feira, uma condenação do ex-governador do Rio Sérgio Cabral na Operação Fratura Exposta, em uma decisão que pode ajudar a derrubar outras das 21 condenações que ainda pesam contra o político fluminense. O relator Gilmar Mendes foi acompanhado por Ricardo Lewandowski e Nunes Marques; apenas Edson Fachin votou pela manutenção da condenação. Tanto a Operação Sepsis, que levou à prisão de Cunha e Alves, quanto a Fratura Exposta são desdobramentos da Operação Lava Jato.
A anulação das condenações de Cunha e Alves pelo TRF1 se baseia no mesmo precedente que levou o STJ a decidir em favor de Palocci, Vaccari e Duque na semana passada: o entendimento adotado pelo Supremo em 2019, segundo o qual crimes comuns conexos a crimes eleitorais precisam ser julgados pela Justiça Eleitoral, não pela Justiça comum – agora, caberá ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte analisar o caso. No ritmo atual, não será surpresa se em pouco tempo todos os políticos que já foram condenados na Lava Jato ou em outras operações contra a corrupção estiverem devidamente livres e com seus processos anulados, bastando admitir que seus atos de ladroagem, por mais escabrosos que tenham sido, destinavam-se a abastecer algum caixa dois.
Já o caso de Cabral repete o roteiro que livrou o ex-presidente Lula: a Segunda Turma decidiu que a competência para julgar a Operação Fratura Exposta não deveria ser do juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. No entendimento dos ministros, não havia conexão entre a corrupção na Secretaria de Obras, que motivou a primeira investigação contra Cabral (a Operação Calicute), e a corrupção na Secretaria de Saúde, alvo da Fratura Exposta, motivo pelo qual os processos desta última não deveriam ter sido automaticamente enviados ao juiz Bretas, mas distribuídos por sorteio dentro da Justiça Federal no Rio. No caso de Cabral, ainda há a possibilidade de o novo juízo selecionado para cuidar da Fratura Exposta decidir pela validação das decisões da 7.ª Vara; já nos casos de Cunha e Alves, o processo recomeça do zero na Justiça Eleitoral.
E assim continua o desmanche do combate à corrupção. Graças unicamente à vontade dos ministros do STF, descobrimos com assustadora frequência que quem julgou e condenou não deveria ter julgado nem condenado; que tudo deve recomeçar em outro lugar – outro estado, outra vara, outro tribunal; que trabalho diligente, às vezes realizado ao longo de anos, está inutilizado; que sempre haverá alguma brecha, antiga ou tirada da cartola na hora do julgamento, que permita anular ou desfazer o que foi feito. O resultado? Lentidão, prescrições, impunidade, “todos soltos”.
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