Paula Cristina – IstoE
Durante a campanha eleitoral de 2018, o entrosamento entre o candidato Jair Bolsonaro e o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, parecia impecável. O candidato do PSL mal falava de assuntos econômicos e reiterava que o seu chamado Posto Ipiranga teria carta branca. Mas a sincronia não tardou a desandar. Logo no primeiro ano de governo, o presidente desautorizou o ministro. As propostas liberais, em especial as que envolviam a reforma do Estado, se dissiparam. Pouco saiu do plano das ideias — e o que andou foi um rascunho dos projetos do Chicago Boy. Agora, na entrada de 2022, Guedes sua gravata para convencer Bolsonaro a apoiar a agenda de reformas prometida em 2018. A meta é atrair apoio do mercado e dos empresários na corrida eleitoral de 2022.
© Valeria Goncalvez O DISCURSO E A PRÁTICA Candidato, Bolsonaro encaminhava todas as perguntas sobre economia a Paulo Guedes. Presidente, ele nem ouve as respostas. Valeria Goncalvez
Os problemas, porém, agora são maiores que em 2018. Primeiro porque é mais fácil prometer quando se está na oposição. Segundo, porque há fortes resistências no Legislativo e no próprio Executivo às ideias do ministro Guedes. Em 2019, a falta de sintonia desperdiçou capital político. Em 2020, a pandemia foi o argumento do Posto Ipiranga para explicar a magra lista de sucessos. E 2021 foi um “annus horribilis” para Guedes. A perda de influência e a ausência de sucessos do ministro deixaram algo claro: o coronavírus foi responsável por centenas de milhares de vítimas no Brasil, mas nem isso matou o programa liberal. Quem o fez foi Bolsonaro.
Ter um economista liberal e sem experiência política em um governo como o do ex-capitão, nacionalista e oriundo do baixo clero, foi um erro. Para o País. Guedes já admitiu que não foi por falta de aviso. “Muitos economistas disseram que o desafio e a luta seriam grandes, mas sou resiliente”, afirmou. Ex-presidente do Banco Central (BC), Pérsio Arida, foi um desses economistas. “Guedes é um homem de mercado, sem experiência na gestão pública, em especial uma complexa como a brasileira”, disse. O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega também reforçou que Guedes tem feito parte de um projeto de reeleição, não de reformas estruturantes. “O período de reformas deste governo já acabou”, afirmou, antecipando que a agenda eleitoral diminui a chance de aprovação de pautas impopulares.
Guedes garante que ainda tem influência no governo, mas reconhece que muitas vezes faltou vontade política. Em um recente encontro com empresários, o ministro foi questionado sobre o motivo de as reformas terem parado. Respondeu que há pessoas ao lado do presidente, ministros inclusive, que trabalham contra os avanços dessa agenda, restrita, segundo ele, ao Ministério da Economia. “É uma luta constante”, afirmou. Guedes já criticou publicamente Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, seu desafeto desde a primeira hora. Mais recentemente não faltaram farpas direcionadas ao ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni.
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REFORMAS Se a retomada da agenda liberal não apetece o presidente Bolsonaro às vésperas da campanha eleitoral, Guedes vem tentando aprofundar o discurso de que as reformas vão trazer de volta uma parte relevante dos votos que o presidente perdeu entre 2018 e 2022. Talvez esse seja o único argumento que Bolsonaro levará em consideração. “O presidente ganhou a eleição em uma aliança de centro-direita. São os conservadores de direita nos costumes, e os liberais de centro na economia. Nós temos que avançar com nosso programa, sob risco de perder o apoio do centro”, disse Guedes.
O entendimento do ministro é que os eleitores que votaram no Bolsonaro atraídos pela promessa da implantação de uma agenda liberal vão começar a pensar em um voto alternativo, já que este governo não fez nada muito diferente dos outros. “Temos que girar, temos que seguir nossa agenda”, afirmou. Assessores próximos ao ministro dizem que, até agora, Guedes permanece firme ao lado de Bolsonaro, mas a escalada das tensões entre eles pode romper essa parceria em um eventual segundo mandato. “É claro que o ministro também está frustrado. Ele tinha projetos grandiosos e que foram abatidos ou pelo presidente ou pelo Congresso”, disse um técnico do Ministério. Ele afirmou que neste momento não há clima em Brasília para pressionar por avanços nas reformas administrativa e tributária.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (que é do PL, partido a que Bolsonaro acaba de se filiar) também diz que será complicado aprovar reformas estruturantes. “A PEC dos Precatórios já saiu na marra. Se botarmos para votar, a gente perde”, disse. Como se houvesse o desejo de votar algo desse patamar. Tanto a reforma administrativa quanto a tributária são vistas como fundamentais para melhorar a situação fiscal do País e permitir a ampliação de investimentos, mas elas também têm potencial de prejudicar a imagem de deputados e senadores, algo impensável em um ano eleitoral. Até mesmo Bolsonaro admitiu que a janela para aprovação das reformas era 2021. “Já estamos praticamente terminando o terceiro ano [de governo]. Se não aprovar agora, no ano que vem pode esquecer”, disse o presidente em outubro, batendo o último prego no caixão do liberalismo.
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