Política
Por
Diogo Schelp – Gazeta do Povo
Lula com o presidente e a vice-presidente da Argentina, Alberto Fernández e Cristina Kirchner| Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação
A leitora ou o leitor pode não acreditar em pesquisas de intenção de voto, mas são elas que balizam as estratégias dos políticos em períodos pré-eleitorais — inclusive aqueles que, em público, dizem desconfiar de seus números. E, pelas mais recentes pesquisas, se a eleição fosse hoje, Lula, do PT, seria eleito para um terceiro mandato presidencial, talvez até no primeiro turno, segundo o levantamento Genial/Quaest divulgado na última quarta-feira (8). Não é certo que Lula vai voltar ao poder, pois muita água ainda vai rolar por baixo da ponte até o dia da votação. Mas a fotografia do momento é essa.
Se essa imagem instantânea não lhe agrada, espere para saber como será o filme a partir de 2023 caso Lula vença as eleições. Lula vai voltar mais populista e messiânico do que antes.
Ainda que se diga o contrário com frequência, Lula não foi um presidente populista em seus dois primeiros mandatos, entre 2003 e 2010. A razão para isso é que ele se elegeu com um discurso moderado, de acomodação com as elites políticas e econômicas, o tal Lulinha paz e amor.
Já apresentei antes, ao discorrer sobre o estilo de governar do presidente Jais Bolsonaro, os cinco elementos que definem um líder populista, segundo o cientista político australiano Simon Tormey. Um populista: 1) diz estar ao lado do “povo” contra certas “elites” que atravancam o verdadeiro potencial nacional; 2) investe contra o establishment político, alegadamente em crise; 3) apresenta-se como um salvador da pátria, que não precisa recorrer a soluções tecnocráticas; 4) é carismático; 5) tem uma retórica simples, voltada para o confronto.
Quando presidente, Lula enquadrava-se nos itens 1, 4 e 5, apenas. Apesar de, por vezes, atacar as “elites”, na prática ele não investiu contra o establishment político nem antes, nem depois das eleições. Ao contrário, abraçou a velha política e vivia fazendo encontros na Fiesp. E, apesar do tom messiânico das suas falas e da atitude de desprezo do seu governo em relação aos antecessores, resumida no slogan “nunca antes na história desse país…”, Lula rendeu-se às “soluções tecnocráticas”, com políticas ortodoxas na economia e em outras áreas.
Há alguns sinais de que Lula vai voltar mais populista e mais messiânico em 2023, se de fato voltar. Primeiro, porque sua perspectiva eleitoral hoje é mais confortável do que era em 2002, quando precisou se despir do antigo radicalismo de esquerda para vencer a resistência de alguns setores da classe média e do mercado. Lula não precisa mais fazer esse jogo de cena. Na campanha, ele vai apagar o desastre que foi Dilma Rousseff e concentrar-se em reavivar a memória dos anos de bonança (graças à conjuntura internacional e ao preço das commodities) de seus dois mandatos.
Lula não precisa, portanto, ser tão paz e amor. Prova de que não tem essa preocupação são as frequentes ameaças de enquadrar a imprensa, com o eufemismo de “regulação da mídia”, por causa da cobertura dos seus problemas com a Justiça, que o levaram à prisão. A “grande mídia” e a Justiça que o prendeu são as elites que Lula escolheu para apresentar como adversárias do povo, do qual se diz o verdadeiro representante.
Segundo, a escolha do vice em sua chapa não se destina a moderar o discurso e atrair votos do centro. Como observou Thomas Traumann, um astuto jornalista com bom trânsito no petismo, a busca por um vice com o perfil do tucano Geraldo Alckmin tem como objetivo garantir a posse de Lula (há um entendimento de que Bolsonaro vai contestar o resultado e que os militares podem ficar inquietos com a volta do PT) e ajudar na governabilidade. Isso exposto, minha interpretação é que Lula, assim como Bolsonaro, vai, sim, apostar na polarização durante campanha, o que tende a acentuar o discurso populista e messiânico.
Terceiro, tenta-se reeditar a aliança de esquerda na América Latina que marcou boa parte do período dos governos petistas. Vale a pena analisar o discurso feito por Lula em visita à Argentina, neste fim de semana, em palanque montado para “celebrar a democracia”, ao lado do presidente Alberto Fernández, da vice (e ex-presidente) Cristina Kirchner e do ex-mandatário uruguaio José Mujica.
No palanque, ao lado dos velhos amigos da fase bolivariana da região, Lula vangloriou-se de ter matado a Alca, uma proposta americana de criação de um bloco de livre comércio nas Américas, e fez-se de vítima de uma suposta perseguição do Judiciário. Cristina, que também tem problemas com a Justiça, pegou carona no vitimismo e disse que, na atualidade, os golpes de Estado “não vêm com uniformes nem com botas, vêm com togas de juízes e a mídia hegemônica”.
“Estes companheiros foram parte do melhor momento da democracia da nossa Grande Pátria, da nossa querida América Latina”, disse Lula. Foi, sim, um grande momento de tenebrosas transações, de grandes esquemas de corrupção, de desmantelamento da democracia venezuelana com a conivência de governos vizinhos, entre os quais os do PT, e da transformação da Venezuela e da Bolívia em narcoestados.
O intuito de reeditar o domínio bolivariano na região, apresentando-o como um idílico passado recente, ajuda a reforçar a imagem de salvador da pátria que, cada vez mais, Lula constrói para si.
Se eleito, Lula vai voltar disposto a fazer diferente, para não ter o projeto de poder de seu grupo político interrompido como ocorreu anteriormente. E isso exigirá uma abordagem mais populista e mais messiânica.
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