Espaço deve ser aberto no ano que vem em Belterra, área no sudoeste do Pará às margens do Rio Tapajós, com metas de fomentar pesquisa, bioeconomia e turismo local
Emílio Sant’anna, O Estado de S.Paulo
Aos 18 anos, Diogo Noronha está no “centro do mundo”. O segundo dos cinco filhos de um minerador e de uma dona de casa não tem dúvidas que o futuro virá da floresta que ele se acostumou a ver desde que nasceu. Aluno do 1º ano de Direito, o jovem faz parte de um ambicioso projeto no meio da Amazônia. O rapaz foi escolhido, ainda no ensino médio, para ser um dos embaixadores do Museu de Ciência da Amazônia (MuCA) que será aberto em abril de 2022.
Instalado em Belterra, cidade de 20 mil habitantes a 1,2 mil quilômetros de Belém e no sudoeste do Pará, o museu é o primeiro passo para mudar a rota do lugar que, em 1934, Henry Ford escolheu para extrair borracha para os pneus dos carros da sua fábrica. O projeto está na antiga Vila Americana. Planejada de forma idêntica a uma cidade dos Estados Unidos do início do século 20, a vila tem casas padronizadas, com varandas e amplos jardins na frente.
Ali moravam os funcionários da empresa nos dez anos em que a empreitada (a segunda no Brasil do criador do Ford-T) durou na floresta. Na época, a instalação da vila atraiu mais moradores. “Minha avó veio do Ceará porque na época Belterra ficou famosa. Um dos melhores hospitais do Brasil estava aqui com médicos e equipamentos que vieram dos EUA”, conta Diogo.
A instalação do MuCA prevê reforma de casas, como a construída para o fundador da Ford (que nunca esteve na cidade) e que deverá abrigar um centro de cultura alimentar tapajônica. O projeto de restauro é do Studio Arthur Casas. “A casa do Ford vai virar um restaurante e um centro de cultura gastronômica da Cordon Bleu (rede internacional de ensino culinário)”, diz o coordenador geral do MuCA, Luiz Felipe Moura.
A estrutura que será instalada na vila inclui deques, bar, restaurante e área de convivência às margens do rio Tapajós. Eles se somarão ao centro de memória, igreja e outros pontos conservados no local.
Arthur Casas também projetou o interior do museu. “Vi potencial turístico muito grande ali”, diz Casas. “Queremos mostrar que a floresta em pé vale muito mais do que a soja.”
Impulso
A 20 quilômetros de Santarém, por onde a soja é escoada pelo porto, e de Alter do Chão, conhecido destino turístico da região Norte, Belterra é uma fronteira agrícola. “Grande parte dos trabalhadores rurais é informal”, afirma Diogo, que diz ver no museu um impulso para a indústria do turismo. “Quem vem a Alter do Chão costuma vir de barco para cá. Para mim, Belterra tem ainda mais atrativos, tem uma biodiversidade maior e a Floresta Nacional (Flona, área protegida federal) do Tapajós.”
Em novembro, o coordenador geral do museu foi a Glasgow, na Cúpula do Clima, apresentar os projetos do MuCA numa área sob concessão gerenciada pela Ama Brasil, um organização da sociedade civil de interesse público (Oscip), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Além de abrigar coleções da fauna e flora amazônica, o MuCA terá participação da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e outros objetivos, como estudar animais, plantas e microrganismos. “Será o primeiro laboratório avançado da selva”, afirma Moura.
Bioeconomia
Valorizar as cadeias de bioeconomia e gerar renda para a população local também estão no foco. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam que o setor movimenta cerca de € 2 trilhões no mundo e gera mais de 22 milhões de empregos.
Até 2030, diz a entidade, a bioeconomia deve responder por 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) de seus países membros. Essa taxa pode ser maior conforme a biodiversidade local. No Brasil há mais de 100 mil espécies animais e 45 mil plantas identificadas.
O salário de Diogo, de cerca de R$ 1,8 mil, vem do Pagamento por Serviço Ambiental (PSA), mecanismo de remuneração de produtores rurais que mantêm a floresta em pé.
Um projeto piloto foi montado entre o MuCA e o governo federal para a produção de cacau, cúrcuma e gengibre na área da Flona do Tapajós. Em fase experimental, é o passo inicial para alavancar a produção com carbono zero e que prevê ainda desenvolver biocosméticos e fármacos.
A certificação de produtos e a ponte com a indústria serão outras atribuições do museu. Diretora para a América Latina da Biossance, empresa de biotecnologia e cosméticos, parceira do projeto, Camila Farnezi diz que o potencial da floresta pode ser aproveitado sem a extração em escala, com a reprodução de moléculas bioidênticas de plantas locais.
“É daqui que sairão respostas para problemas como as doenças que podem surgir e que já existem. Como estaremos preparados se não começarmos a fazer isso agora e manter a floresta em pé?”, destaca Diogo. “A Amazônia é o centro do mundo.”
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