Com sinais dados pelo mercado, senadores dizem que a ideia é restringir o uso da folga de R$ 91,6 bilhões aprovada na Câmara
Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender as emendas de relator reforçou a posição do Senado em dificultar o caminho para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, aprovada na Câmara em segundo turno na terça-feira, 9. Mas os sinais dados pelo mercado financeiro de que a PEC é melhor solução para bancar o novo programa social do governo do que o “plano B” de prorrogação do auxílio emergencial também estão sendo ouvidos pelos senadores.
Os preços dos ativos, como juros, dólar e Bolsa, reagiram positivamente à votação em segundo turno com a aposta de que a PEC é o menor dos males para as contas públicas. Representantes do mercado têm alimentado os senadores com informações de que o risco para as contas públicas pode ser maior sem a PEC.
Segundo apurou o Estadão, os senadores pretendem mudar o texto para restringir o uso da folga de R$ 91,6 bilhões aberta com a PEC em ano eleitoral via redução das emendas de relator, base do chamado orçamento secreto, que foi colocado em xeque pelo resultado do julgamento do STF. PUBLICIDADE
Posicionamento
O PT fechou posição contrária à PEC e os senadores de partidos do centro estão divididos – há alguns sinalizando ser contra a matéria. A articulação ganhou força com a criação da Frente Parlamentar de Defesa da Responsabilidade Fiscal, liderada pelos senadores Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Líder do MDB, a maior bancada no Senado, Eduardo Braga (AM), admite que a tramitação na Casa não será fácil, mas apoia a aprovação da PEC com mudanças para torná-la mais restritiva, com a redução do espaço para mais gastos. “Ouvi de uma pessoa do mercado muito influente. É melhor um fim horroroso do que um horror sem fim”, argumentou . Ele diz acreditar que a PEC será votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na próxima semana, com votação no mesmo dia no plenário.
O senador Alessandro Vieira, que é um dos autores da ação no STF que questiona o orçamento secreto, a mobilização é para rejeitar a PEC. “Ela é desnecessária. Ela fragiliza o regime fiscal”, critica.
STF
Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o Senado não vai aprovar a PEC do jeito que chegar da Câmara. “Ainda mais agora com o placar do STF. Vamos repor as coisas nos devidos lugares, até porque como subsídio temos a decisão dos ministros do Supremo”, afirma. Tebet diz que há saída para bancar o Auxílio Brasil e planos B e C como alternativas.
Segundo o senador Oriovisto, a criação da frente mostra que há número suficiente de senadores que vai atuar contra projetos que atentem contra o teto de gastos. “O primeiro teste vai ser essa PEC dos precatórios. Vamos nos colocar contra.”
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Por que a PEC dos precatórios é tão polêmica, já que o dinheiro seria usado para o Auxílio Brasil?
Pela forma como o governo conduziu a proposta. Em resumo, o texto faz duas mudanças para abrir espaço no Orçamento de 2022, ano de eleições, de R$ 91,6 bilhões: adia o pagamento de precatórios (dívidas do governo já reconhecidas pela Justiça) e muda a correção do teto de gastos, a regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Não há em nenhuma parte da PEC os detalhes do novo programa social, nem o valor do benefício, nem quais os critérios para as famílias serem contempladas. A proposta tem só o objetivo abrir o espaço no Orçamento.
Quais são as principais críticas à PEC?
Técnicos alertam que a folga também será usada para turbinar as emendas parlamentares. Congressistas falam em um piso de R$ 16 bilhões para as emendas de relator, que são direcionadas aos redutos eleitorais de aliados do governo e criticadas pela falta de transparência.
Com a proposta haverá uma mudança no teto de gastos. O que ela pode acarretar?
Hoje, a fórmula para corrigir o teto de gastos considera a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulada em 12 meses até junho do ano anterior à vigência do Orçamento. A escolha desse período se justifica porque é o dado disponível nos meses de agosto, quando o governo precisa enviar ao Congresso o projeto de Orçamento do ano seguinte. Com a mudança, o IPCA usado na correção do teto passa a ser o índice acumulado entre janeiro e dezembro. Segundo os técnicos do Congresso, a alteração é casuística, pois, de 2023 em diante, não há qualquer garantia de que o cálculo de janeiro a dezembro seja mais vantajoso.
Qual será a mudança na quitação dos precatórios?
Pelo texto, o limite proposto é o montante pago em precatórios em 2016, ano da aprovação do teto de gastos, corrigido pela inflação. O adiamento dessas dívidas afeta principalmente grandes empresas como Petrobras, bancos públicos e privados e fundos de investimento que adquirem os direitos de cobrar esses débitos.
É possível criar um novo programa social sem a PEC dos precatórios?
Sim. Especialistas já deram várias sugestões. É possível contabilizar o precatório do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) fora do teto, cortar despesas da máquina pública e direcionar parte das emendas para o gasto social. Com essas medidas, seria possível conseguir espaço de R$ 35 bilhões, o que dobraria o orçamento do Bolsa Família em 2022.
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