Editorial
Por
Gazeta do Povo
A ministra Rosa Weber é relatora de três ações contra as emendas de relator.| Foto: STF/divulgação
Nesta terça e quarta-feira, dias 9 e 10, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, em plenário virtual, se mantém ou derruba a liminar da ministra Rosa Weber que determinou a suspensão do pagamento das chamadas “emendas de relator” no Orçamento da União. A decisão monocrática de sexta-feira foi tomada em ações de autoria de legendas de oposição ao governo – PSol, PSB e Cidadania. Depois de tantas interferências em atribuições dos poderes Executivo e Legislativo, estaria o STF também tentando determinar como o Orçamento da União deve ser elaborado e executado?
As emendas de relator ou “RP9” (referência à expressão “Identificador de Resultado Primário 9”) foram uma novidade introduzida no Orçamento de 2020, discutido em 2019 – até então, só existiam as emendas individuais, de bancada e de comissão; a execução das duas primeiras passou a ser obrigatória após as Emendas Constitucionais 85 e 100, de 2015 e 2019 respectivamente. E a discussão sobre o chamado “orçamento impositivo” é essencial para se entender o espírito que move o uso das emendas de relator. Antes da execução obrigatória, era corriqueiro que o governo trocasse a execução destas emendas por apoio político em votações importantes. Especialmente esclarecedor a esse respeito é um episódio de 2014 em que um decreto de Dilma Rousseff condicionou a liberação de R$ 444 milhões em emendas à aprovação de um projeto de lei que alterava o cálculo de metas orçamentárias daquele ano.
Por mais que não haja nenhuma vedação constitucional à criação de tipos específicos de emendas, percebe-se de imediato que as emendas RP9 violam o princípio constitucional da publicidade por terem pouquíssima transparência.
Como as emendas de relator não têm execução obrigatória, podendo ser liberadas ou não pelo governo, a porta que o orçamento impositivo havia fechado para as negociatas de troca de emendas por votos foi reaberta. E com uma agravante: enquanto as emendas individuais, de bancada e de comissão têm autoria declarada, formalmente as emendas RP9 são atribuídas apenas ao parlamentar encarregado de relatar a peça orçamentária anual; seu real beneficiário fica oculto do público – mas não, evidentemente, do governo, que sabe muito bem quem está afagando ao autorizar a execução de cada emenda, e o que cobrar em troca; só nos dias que antecederam o primeiro turno da votação da PEC dos Precatórios na Câmara houve a liberação de R$ 1 bilhão em emendas de relator.
Além disso, como as emendas de relator não estão sujeitas aos limites impostos às demais emendas em termos de quantidade e valores destinados – e desde sua criação elas superam de longe o valor destinado a todas as outras emendas parlamentares –, elas permitem o favorecimento explícito a certos parlamentares, partidos ou blocos. Foi assim que se construiu o dito “orçamento secreto” ou “paralelo” denunciado meses atrás, com o uso abundante de emendas de relator em benefício de parlamentares do Centrão.
A imoralidade deste mecanismo é evidente, mas para concluir se há justificativa para uma intervenção do Judiciário nas emendas de relator é preciso analisar também sua legalidade. Por mais que não haja nenhuma vedação constitucional à criação de tipos específicos de emendas, percebe-se de imediato que as emendas RP9 violam o princípio constitucional da publicidade por terem pouquíssima transparência, especialmente em relação ao parlamentar que é o verdadeiro responsável pela emenda. Daí uma possibilidade intermediária que ganhou força nestes dias anteriores ao julgamento da liminar de Rosa Weber no STF: permitir a existência das emendas de relator, desde que o Congresso adote meios de tornar o processo transparente, com informações completas da origem ao destino da emenda. Com isso, Executivo e Legislativo seguem podendo elaborar a peça orçamentária como bem entenderem, com o Supremo apenas garantindo que ela respeite os princípios constitucionais que regem a administração pública.
As emendas parlamentares existem para dar aos congressistas maior participação nas decisões sobre como é usado o dinheiro tirado dos cidadãos e empresas brasileiros, e não há justificativa para que valores tão grandes sejam alvo de negociatas políticas nada transparentes. Por mais que a interferência indevida do Judiciário em atribuições de outros poderes tenha se tornado prática lamentavelmente comum no Brasil, a ação do Supremo é legítima quando há princípios constitucionais sendo desrespeitados.
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