sábado, 20 de novembro de 2021

METAVERSO - MERGULHO NO MUNDO DIGITAL

A ideia de pessoas fazendo amigos ou encontrando seus parceiros de vida enquanto olham para uma tela em seus quartos teria soado tão improvável há 35 anos para qualquer pessoa quanto o metaverso é para nós agora

 Por Steven Zeitchik – The Washington Post

Avatar de Mark Zuckerberg no metaverso; Facebook apresentou projeto de universo virtual em evento em outubro

Avatar de Mark Zuckerberg no metaverso; Facebook apresentou projeto de universo virtual em evento em outubro

Em 2007, um grupo de pesquisadores da Universidade de Stanford decidiu explorar uma nova questão: que efeito a escolha de avatares online de uma pessoa teria em seu comportamento? Suas descobertas foram surpreendentes: não apenas o usuário operaria o avatar de uma forma consistente com sua aparência no mundo digital, mas as características do avatar moldariam o comportamento do usuário de volta ao mundo real. Esse fenômeno poderia de repente se tornar amplamente relevante com o advento do metaverso, o ideal de um mundo virtual persistentemente fantasiado, que permite a um número ilimitado de usuários perambular, brincar, aprender, trabalhar e, sim, comprar.

Uma pessoa que opta por ser mais alta digitalmente torna-se um negociador mais agressivo na vida diária. Alguém que veste o jaleco de um inventor online é mais criativo em reuniões do mundo real. A adoção de um personagem digital, descobriram os pesquisadores, pode essencialmente mudar uma personalidade, em uma virada que ficou conhecida como Efeito Proteu.

Em outubro, Mark Zuckerberg delineou sua visão para o metaverso – e o compromisso da recém-batizada controladora do Facebook, a Meta, de gastar bilhões na próxima década –  para construir esse mundo. A empresa possui um nível de investimento e de alcance do consumidor, que nem mesmo empresas de mundo virtual altamente bem-sucedidas, como Roblox ou Fortnite possuem.

Alguns receberam o anúncio com justificável ceticismo – tanto pela falta de uma plataforma de hardware no Facebook como pela resolução dos desafios técnicos e corporativos que a empresa enfrenta. Mas se o Facebook – ou, nesse caso, uma série de outras pessoas que vêm visualizando um metaverso há anos – pudesse de fato fazer isso, essa jogada traria dramáticas mudanças na maneira como vivemos. Um metaverso totalmente concretizado intensificaria nitidamente as tendências existentes, abriria novas oportunidades e, da mesma forma crítica, criaria um novo conjunto de problemas.

“Quando se trata do metaverso, o título deveria ser ‘Os haters vão odiar'”, disse Rabindra Ratan, professor associado do Departamento de Mídia e Informação da Universidade Estadual de Michigan, que pesquisou interconectividade virtual em larga escala. “A realidade é que existem todos os tipos de razões para ser otimista sobre esse mundo”, disse ele. “Haverá maldade também”, acrescentou. “Só acho que será um novo tipo de maldade.”

Ouvir sobre o metaverso pode parecer absurdo. É uma reação compreensível e pode ser em parte devida a ouvir alguém nos vender um mundo inteiro em vez de simplesmente falar sobre uma parte dele ou construir esses elementos um de cada vez. Afinal, quando os feudos atuais da Internet foram construídos, bilhões de nós não foram submetidos a uma explicação meticulosa a respeito, com 10 anos de antecedência.

“Começar a construir o metaverso não é realmente a melhor maneira de acabar com o metaverso”, disse John Carmack, executivo que se tornou consultor da divisão Oculus do Facebook, na mesma apresentação que Zuckerberg. Em vez disso, ele foi a favor de lidar silenciosamente com as peças que nele se aglutinariam.

Mas isso não significa que um potencial grande resultado deva ser ignorado. Afinal, a ideia de pessoas fazendo amigos, fazendo fortunas ou encontrando seus parceiros de vida enquanto olham para uma tela em seus quartos teria soado tão improvável há 35 anos para qualquer pessoa quanto o metaverso é para nós agora. No mundo digital, a implausibilidade presente raramente é um indicador de viabilidade futura.

“A própria ideia do Metaverso significa que uma parte cada vez maior de nossas vidas, trabalho, lazer, tempo, gastos, riqueza, felicidade e relacionamentos estarão dentro de mundos virtuais, ao invés de apenas estendidos ou auxiliados por dispositivos digitais e software”, afirmou Matthew Ball, especialista digital que recentemente publicou um livro sobre o assunto, em um e-mail para o The Washington Post.

Trabalho virtual

Aqueles que apoiam o metaverso, incluindo Zuckerberg, defendem seu potencial para a criação de escritórios virtuais. Mas nem todo mundo vê isso como uma melhoria, para se dizer o mínimo. “Então, em vez de enviar uma mensagem no Slack em 2D, vejo um avatar em 3D de mim mesmo sentado em meu monitor virtual olhando para a mesma mensagem do Slack? O que isso causa?” questionou Clay Shirky, executivo de Educação Tecnológica da Universidade de Nova York, cronista de longa data sobre tecnologia e seus efeitos na sociedade.

Shirky disse que o escritório baseado no metaverso ignora uma verdade oculta sobre o trabalho remoto. “O zoom faz tanto sucesso precisamente porque reduz a presença”, disse ele. “Você não sente que está no escritório, e é por isso que podemos gastar tanto tempo nisso. Não queremos sentir como se estivéssemos mais tempo no escritório”.

Mas Ratan observa que o metaverso produziria uma gama de ferramentas impossíveis no atual trabalho remoto, como um desenvolvedor de software com três enormes monitores que não se poderia ter em casa ou um trabalhador da indústria automotiva capaz de consertar um carro inteiro. As reuniões podem ser ainda mais equilibradas.

“Muitos dos preconceitos superficiais que temos agora que podem fazer uma pessoa não ser ouvida ou ter medo de falar podem ser diminuídos se aparecermos nas reuniões como avatares baseados mais em nossas ideias e realizações”, disse ele. (Ratan está em negociações com o Facebook para receber financiamento para seu laboratório).

As transformações do trabalho podem ir ainda mais adiante. Perguntar como o metaverso mudará o mundo corporativo é aplicar o paradigma errado, dizem os especialistas em metaverso. É a própria economia de trabalho que pode mudar e falar sobre isso em termos de videoconferência mais imersiva. É como focar na chave que conserta o motor do metrô em vez daquilo que o metaverso realmente é: o sistema inteiro dos trilhos.

“Novas empresas, produtos e serviços surgirão para gerenciar tudo, desde o processamento de pagamentos até a verificação de identidade, contratação de anúncios, criação de conteúdo, segurança”, escreveu Ball em seu site. Ele também descreve no artigo inovações como “profissionais que decidem viver fora das cidades (que) serão capazes de participar da economia de ‘alto valor’ por meio do trabalho virtual”.

Uma das maiores oportunidades pode vir com a educação. Qualquer pessoa que tenha tentado garantir que uma criança de 10 anos aprenda em casa sem distração nos últimos 20 meses anseia por um novo modelo. A imersão do metaverso forneceria ao professor mais ferramentas e aos alunos menos razões para desligarem o computador.

Contato

Os defensores do metaverso, que existe tanto em aplicações fictícias quanto em toscas aplicações do mundo real desde pelo menos a década de 1990, enfatizaram como ele facilitará as oportunidades sociais –  permitindo, digamos, um zap de nossas salas para um jogo de futebol e, em seguida, para a comemoração conjunta de um feriado em todo o país.

Mas, por mais que a rede social possa parecer como algo vazio em comparação com uma amizade real, o metaverso pode acabar simulando inadequadamente a vida real. “Claro, você pode sentir que está na reunião familiar de Ação de Graças do seu sofá”, disse Janet Murray, diretora do Centro Interativo Digital de Artes Liberais do Instituto de Tecnologia da Geórgia e uma pioneira no estudo da conectividade digital, em uma entrevista. “Mas você não iria querer poder experimentar o peru?”

Ela também se preocupa, no caso do Facebook, com uma espécie de capitalismo de vigilância em que as corporações se infiltram cada vez mais no metaverso, como começaram a fazer no Roblox.

“Há algo de empolgante em uma tecnologia de representação de coisas que não estão fisicamente presentes”, disse ela. “Mas isso é diferente de uma empresa que possui uma única plataforma que se tornará um constante pesadelo de vendas ao consumidor.” E nosso funcionamento regular como avatares poderia ser um campo minado de privacidade, com muito mais conhecimento sobre nossas preferências e movimentos do que na atual Internet sem corpo.

A situação sobre a desinformação, um flagelo das redes sociais atuais, também não está clara neste novo mundo.

Há alguma esperança entre os especialistas de que a virtualidade irá resolver essa questão, exigindo ou provocando um evento mais concreto do que, digamos, um conspiratório tuíte de duas frases.

Mas a persistente confusão de um mundo virtual com o real também pode aumentar a falsidade. Se afirmações incorretas parecerem convincentes como simples palavras escritas em uma tela, elas serão ainda mais persuasivas se forem incorporadas em 3D. Como Ethan Zuckerman, professor da Universidade de Massachusetts em Amherst, que criou um metaverso em meados dos anos 90 perguntou à Revista Atlântico do Facebook: “De que modo uma empresa que consegue bloquear apenas 6% do conteúdo de ódio em árabe lido com discurso perigoso agirá quando este é usado na camiseta de um avatar ou revelado no final de uma exibição virtual de fogos de artifício?”

Um dos maiores efeitos pode ser uma distorção maior da realidade, com usuários batalhando para distinguir o real do irreal. O Second Life, outro mundo virtual, já tem rendido muitos relatos nesse sentido, uma vez que as pessoas negligenciam as partes físicas de suas vidas ou tratam as duas como intercambiáveis.

A possibilidade de mergulhar ainda mais fundo em uma existência digital chama a atenção de observadores de tecnologia como Julian Dibbell, cujo livro “My Tiny Life – Crime and Passion in a Virtual World” (Minha Pequenina Vida – Crime e Paixão em um Mundo Virtual) rastreia a sedução de tal paralelismo virtual e como ele prejudicou seu próprio relacionamento na vida real.

“Sempre foi uma questão avassaladora: onde se traça o limite entre o que é e o que não é imersão no mundo virtual?” Dibbell disse em uma entrevista. “Todos nós seremos canalizados para esses mundos ainda mais duramente. E já estamos muito bem encaminhados nessa direção”./ TRADUÇÃO DE ANNA MARIA DALLE LUCHE

 

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