Habitação
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Isabelle Barone – Gazeta do Povo
O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho: orçamento do programa Casa Verde e Amarela despencou nos últimos anos.| Foto: Marcos Corrêa/PR
Enquanto o governo federal concentra esforços para viabilizar o programa de transferência de renda Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família, de outro lado o programa habitacional Casa Verde e Amarela (CVA), substituto do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), enfrenta forte limitação de orçamento.
O programa tem duas fontes de recursos: parte deles vem da União, e outra parte é oriunda do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ou seja, recursos do trabalhador. Os recursos destinados pela União beneficiam diretamente o grupo classificado como “faixa 1”, voltado a famílias de baixa renda que recebem até R$ 2 mil mensais.
O dinheiro destinado pela União ao programa habitacional despencou nos últimos dois anos. Caiu de R$ 4,8 bilhões em 2019 – quando ainda se chamava Minha Casa, Minha Vida – para R$ 2,7 bilhões em 2020, o menor valor desde 2012.
Para 2021, a dotação atualizada do Casa Verde e Amarela é de cerca de R$ 1 bilhão. E os desembolsos efetivos somaram R$ 772 milhões até 15 de outubro. No início deste ano, o presidente Jair Bolsonaro vetou uma verba de R$ 1,37 bilhão destinada ao programa.
Para 2022, a verba programada no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) que o governo enviou ao Congresso é de R$ 1,2 bilhão. No entanto, esse valor pode mudar ao longo da tramitação no Congresso e no momento da sanção ou veto presidencial. Foi o que ocorreu em 2021: o PLOA previa R$ 2,5 bilhões para o Casa Verde e Amarela neste ano, mas no fim a verba acabou reduzida a R$ 1 bilhão.
Em seu melhor momento, em 2015, o Minha Casa, Minha Vida recebeu R$ 20,8 bilhões em verbas do governo federal. O valor caiu para menos da metade no ano seguinte, e desde então ficou abaixo de R$ 5 bilhões por ano.
Todos os valores citados acima foram extraídos do Sistema Integrado de Informação Financeira (Siafi), principal instrumento de registro e controle da execução orçamentária do governo federal, e consolidados pela Associação Contas Abertas a pedido da Gazeta do Povo. Dentro do Orçamento, o nome formal do programa que engloba o Casa Verde e Amarela – e, antes, o Minha Casa, Minha Vida – é Moradia Digna.
Falta de dinheiro do governo sobrecarrega o FGTS
O pouco dinheiro que o governo destinou nos últimos anos ao Minha Casa, Minha Vida e agora ao Casa Verde e Amarela sobrecarrega o FGTS, que tem bancado a maior parte dos subsídios às faixas de renda mais baixas, conforme apontam os relatórios de gestão do Fundo de Garantia.
“As restrições orçamentárias da União têm dificultado a parcela de contribuição do OGU [Orçamento Geral da União], culminando com a dispensa dessa contrapartida em episódios recentes. Após o lançamento do programa Casa Verde e Amarela, por meio da Medida Provisória nº 996, de 25 de agosto de 2020, a contrapartida deixou de ser obrigatória”, aponta o relatório de gestão mais recente do FGTS, de 2020.
A sobrecarga havia sido apontada também no relatório de 2019: “Em meados de 2019, no auge da crise fiscal, o dispêndio do orçamento federal com subsídios às Faixas 1,5 e 2 do PMCMV foi limitado em cerca de R$ 450 milhões, menos da metade do que seria necessário para complementar o orçamento de R$ 9 bilhões aprovado pelo FGTS. Pelo restante do exercício, o Fundo teve de arcar com 100% dos subsídios direcionadas àquelas faixas de renda”, apontou o documento.
Questionado pela Gazeta do Povo, o Ministério do Desenvolvimento Regional respondeu que “os investimentos em produção habitacional, de 2019 a 2021, foram de mais R$ 130 bilhões, sendo mais de R$ 27 bilhões em repasses federais e mais de R$ 103 bilhões do FGTS para financiamentos a pessoas físicas”.
A pasta não comentou especificamente sobre o CVA nem deu detalhes sobre quais programas habitacionais receberam os citados R$ 27 bilhões em repasses federais de 2019 a 2021. Segundo os dados de execução orçamentária extraídos do Siafi, MCMV e CVA receberam um total de R$ 8,3 bilhões nesse período.
Segundo o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), coordenado pelo Ministério da Economia, o Minha Casa, Minha Vida contou com R$ 223,1 bilhões em subsídios públicos entre 2009 e 2019, em valores corrigidos. Desse total, quase R$ 129,8 bilhões foram subsídios públicos (benefícios financeiros e tributários) e R$ 93,4 bilhões, privados (financiamentos do FGTS com descontos). Nesse período, o programa entregou mais de 4 milhões de unidades habitacionais.
Apesar disso, o déficit habitacional quantitativo – que mede a necessidade de novas moradias – continua elevado no país. Aumentou de 5,8 milhões de domicílios em 2011 para 6,4 milhões em 2015, e desde então oscilou em torno de 6 milhões até 2019, conforme o relatório.
Falta de recursos é problema antigo
Carlos Henrique, presidente da Comissão de Habitação de Interesse Social da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), afirma que o programa habitacional enfrenta falta de recursos há anos.
“A partir de 2014, nós passamos a enfrentar diversos problemas. Muitas de nossas empresas deixaram de receber em dia os recursos das obras contratadas, em decorrência do déficit público no Orçamento da União”, diz.
“De ano em ano, o programa sobreviveu a solavancos. O único ano que se sobressaiu foi 2015. Quando o ex-presidente Michel Temer assumiu o governo, teve o compromisso de investir recursos no programa”, diz.
Segundo o representante da CBIC, o programa voltou a sofrer com atraso de repasses no primeiro ano da gestão Bolsonaro. “O programa só fica em pé com recursos, e eles têm que vir do Orçamento da União. Sabemos que o Brasil enfrenta problemas de limitação de gastos, mas a distribuição do Orçamento faz parte de uma decisão política, tanto do Executivo como do Legislativo”, diz. “O acesso à casa própria deveria ser uma das prioridades das duas forças políticas.”
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Redução nas taxas de juros do Casa Verde e Amarela
Apesar da escassez de recursos, neste ano o governo flexibilizou algumas regras do programa, a fim de facilitar o acesso à moradia. As novas diretrizes entraram em vigor no último dia 28 de outubro. Entre as principais mudanças estão os descontos nas taxas de juros e o aumento do valor do imóvel a ser financiado, além de um incentivo a parcerias entre estados e municípios através das quais os entes podem ofertar um subsídio complementar ao do programa.
No caso de famílias do Norte e Nordeste com renda mensal de até R$ 2 mil, classificadas como “faixa 1”, e que são cotistas do FGTS, haverá um desconto no juro que incide sobre o valor das prestações do financiamento, ficando em 4,25% ao ano. Para as que não são cotistas, a taxa ficará em 4,75%.
Ainda com relação a famílias dessa faixa e que são cotistas do Fundo de Garantia, mas residentes do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, as taxas serão de 4,5% ao ano. Para as que não são cotistas do FTGS, o valor será de 5%.
Quanto às famílias com renda entre R$ 4 mil e R$ 7 mil, classificadas como “grupo 3”, a redução na taxa de juros será menor, de 0,5%. Isso é, as taxas passam a ser de 7,16% ao ano para os cotistas do FGTS, e de 7,66% para os que não são.
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Reajuste no preço dos imóveis
Na tentativa de compensar a alta de preços na construção civil, o governo também reajustou o preço dos imóveis que podem ser financiados pelo programa – aqueles considerados “habitação popular”. O preço final vai variar de acordo com as regiões.
Em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, por exemplo, o teto dos imóveis que poderão ser financiados passará de R$ 240 mil para R$ 264 mil.
Nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o valor dos imóveis populares passará de R$ 215 mil para R$ 236,5 mil. Nas outras regiões, o teto ficará em R$ 209 mil.
Nos municípios com população maior ou igual a 250 mil habitantes, os valores vão funcionar da seguinte maneira: em cidades do Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo, o valor total do imóvel passará de R$ 230 mil para R$ 253 mil.
No ES, MG, PR, RS e SC, o teto saltará de R$ 190 mil para R$ 209 mil e, nas demais regiões do país, de R$ 180 mil para R$ 198 mil.
Nas cidades do DF, RJ e SP com o mínimo de 100 mil habitantes, o preço máximo passará de R$ 180 mil para R$ 198 mil. ES, MG, PR, RS e SC: de R$ 170 mil para R$ 187 mil. E nas demais regiões com o mesmo número de habitantes, saltará de R$ 165 mil para R$ 181,5 mil.
Parceria com estados e municípios
O governo federal também estabeleceu parceria com entes subnacionais para reduzir ou zerar o valor da entrada dos imóveis. Neste caso, isso será possível com a contrapartida de estados, que pode chegar a até 40% do valor da compra.
“Nós já damos o subsídio, que diminui a necessidade da entrada. A grande dificuldade de se ter acesso ao imóvel é ter recurso suficiente para a entrada, não é a prestação”, afirmou Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, durante cerimônia de anúncio das mudanças, em 15 de setembro.
Até o momento, dez estados da federação participam do convênio. São eles Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rondônia, Bahia, Ceará, Pernambuco e Alagoas.
“Com essa parceria, estados se comprometem conosco para aumentar o subsídio inicial. A prestação do imóvel ficará bem menor e mais acessível para um conjunto maior de brasileiros”, afirmou ele.
Ainda segundo Marinho, “mais de 150 mil novas unidades habitacionais serão ofertadas, além daquelas que estão disponibilizadas dentro do programa”.
Unidades do Casa Verde e Amarela entregues
Apesar da redução do juros e aumento do leque de imóveis aptos ao financiamento, o governo ainda precisa concluir aproximadamente 1,8 mil obras que estão em andamento destinados à “faixa 1”. Durante o anúncio das mudanças, o governo não entrou em detalhes ou citou qualquer expectativa para a entrega dos imóveis.
Em 2021, segundo a pasta, o governo federal entregou 19.684 unidades habitacionais do Casa Verde e Amarela. Do total, 14,7 mil foram destinadas a famílias com renda mensal de até R$ 2 mil, da antiga “faixa 1”.
O governo também informou que vai ampliar o prazo de entrega das moradias contratadas por meio de ofertas públicas realizadas em governo anteriores, que deveriam ter sido entregues até 2018.
Serão retomadas as obras de cerca de 27 mil residências em municípios menores de 50 mil habitantes, informou o governo durante o anúncio das mudanças no programa.
Segundo o MDR, foram liberados nos primeiros seis meses do ano R$ 607,5 milhões para “garantir a continuidade das ações ligadas à produção habitacional do Programa Casa Verde e Amarela”. A equipe econômica também estuda enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei para abrir crédito e aumentar o financiamento do programa. Mas, até o momento, não há novidade sobre a proposta.
Em 13 de setembro, dois dias antes de anunciar as mudanças no Casa Verde e Amarela, o presidente Jair Bolsonaro editou medida provisória que criou o programa habitacional Habite Seguro, exclusivo para profissionais da segurança pública e seus pensionistas. As taxas de juros são similares às do CVA, e a Caixa oferece subsídio de R$ 13 mil para o pagamento da entrada no financiamento e despesas com cartório.
O governo estima movimentar cerca de R$ 100 milhões em financiamentos na primeira fase do programa, com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), vinculado ao Ministério da Justiça.
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