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Cristina Seciuk – Gazeta do Povo
Governo descarta risco de apagão em 2021, mas especialistas afirmam que condições para o próximo ano serão críticas no setor elétrico.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Com o retorno do consumo a patamares pré-pandemia, projeção de alta de 3,4% na demanda por energia só em agosto e afluência (o volume de água que chega aos reservatórios) mais uma vez abaixo da média histórica, a crise provocada no setor elétrico brasileiro pela escassez de chuvas pode avançar 2022 adentro.
Dados da Resenha Mensal do Mercado de Energia Elétrica, elaborada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apontam que em junho o consumo total de energia no país avançou 12,5% na comparação com o mesmo mês de 2020. Foi a maior demanda já registrada nesse mês do ano. No acumulado do primeiro semestre, a alta no consumo de energia foi de 7,7%. O número dos seis primeiros meses do ano também superou em 3% o verificado no mesmo intervalo de 2019, antes da pandemia.
Em junho houve crescimento expressivo especialmente na indústria (alta de 19,4% sobre junho de 2020) e no comércio (19,0%), segmentos que têm sua atividade puxada pelo avanço da vacinação e pela retomada da economia, com diminuição nas restrições adotadas no enfrentamento à pandemia da Covid-19. Enquanto isso, os reservatórios seguem se esvaziando.
Revisões atualizadas do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que as hidrelétricas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste – o mais importante e também o que mais preocupa em meio à atual crise hídrica – devem chegar ao fim de agosto com apenas 21,7% da sua capacidade de armazenamento, e a projeção para novembro varia de 11% a 8%. O dado foi divulgado no boletim mensal de operação, publicado na última sexta-feira (20), e reafirma a pior escassez no sistema elétrico brasileiro em 91 anos.
Nos demais subsistemas, os reservatórios devem fechar o mês em situação melhor do que o previsto, o que, entretanto, alivia pouco a pressão sobre o Sistema Interligado Nacional (SIN), uma vez que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste respondem por 70% das águas para geração de energia no país.
Sem expectativas por chuvas para fazer subir o nível das represas antes da primavera, o país segue a estratégia de intensificar a geração térmica para que os reservatórios baixem o menos possível até as águas esperadas para o último trimestre. O final da estação seca, via de regra, ocorre em outubro.
Cálculos do setor elétrico
A água segue pouca. No acumulado de doze meses fechando em junho, o volume que chegou aos reservatórios das hidrelétricas ficou um terço abaixo da média. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, o secretário Christiano Vieira da Silva, do Ministério de Minas e Energia, afirmou que “a expectativa com essa trajetória é criar novos recordes de baixa histórica a partir de setembro”.
Mesmo com reservatórios “desidratando” e pouca chuva até onde ela era esperada (caso do Sul, onde a precipitação quase não veio), os cálculos feitos pelo governo federal ainda descartam racionamentos ou desabastecimento em 2021 e defendem que o setor elétrico tem capacidade instalada suficiente para atendimento da demanda. Mas consultorias e especialistas apontam que o risco subiu.
Relatório de acompanhamento de mercado elaborado pela PSR Energy, principal consultoria do segmento, revela que um aumento no ritmo de expansão da demanda pode levar a um corte médio próximo de 7% da carga. Segundo a consultoria, o consumo subiu 7,5% nos sete primeiros meses do ano e, se essa taxa de expansão chegar a 9% nos próximos quatro meses, será necessário um racionamento entre 2,7% a 6,8% dessa demanda.
A avaliação da PSR é de que “ações precisam ser tomadas para evitar problemas de atendimento ao suprimento de energia e potência, caso as afluências continuem muito baixas”.
A consultoria lembra que, de fato, algumas ações estão sendo tomadas pelo governo, como o acionamento térmico maior que os indicados pelos modelos de otimização, flexibilização das restrições de uso múltiplo da água, redução dos volumes mínimos operativos das usinas, busca de nova oferta de energia, dentre outras ações no tocante à oferta, mas cabem também ações pelo lado do consumo, com mecanismos de compensação, “com ou sem pagamento por isso”. “O risco não é zero e aumenta muito se a demanda crescer mais do que o estimado pelo ONS”, diz a consultoria.
No início do mês, a XP elevou de 3,5% para 5% sua estimativa de risco de racionamento nos próximos 12 meses. Apesar disso, ela ainda considera “baixo” esse risco. O motivo para a revisão foi a piora do cenário hidrológico.
O pesquisador sênior do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio (Gesel/UFRJ), Roberto Brandão afirma que a condição de armazenamento ao fim de 2021 pode significar problemas à vista em 2022, uma vez que o setor elétrico chegará à estação úmida no cenário mais crítico já experimentado no país. Segundo Brandão, emendar mais um ano de escassez poderia colocar a geração em apuros.
“O final do período seco e a transição para o período úmido (outubro, novembro, dezembro) é hoje a grande preocupação. Conforme o tempo for passando vai surgir outra preocupação que é o abastecimento do ano que vem, porque a gente vai gastar as reservas que tinha. É uma coisa que vai entrar no radar. É inevitável que os reservatórios cheguem no fim do ano em condições absolutamente críticas e isso torna o sistema vulnerável a um outro ano seco”, destaca.
Apesar de possíveis riscos, o pesquisador avalia que o sistema tem folga para operar, mas estava despreparado para um evento tão extremo. “Se a gente não tivesse perdido quase três Itaipus em termos de água chegando aos reservatórios, a gente não estaria tendo esse problema. Aliás, ao contrário, o sistema estaria muito folgado, pois de 2015 para cá o crescimento do consumo foi pequeno, de 3,5%, enquanto a capacidade instalada cresceu na ordem de 20%”, afirma.
O representante do MME afirmou na mesma agenda na Câmara que as avaliações de cenário sobre risco de desabastecimento que vem sendo conduzidas utilizando-se a repetição do cenário de chuvas de 2020 para garantir mais segurança ao sistema.
“Estamos imaginando o mesmo cenário, muito adverso. Se vier a chuva, chegar em outubro, teremos uma situação muito mais confortável, mas estamos trabalhando com o cenário de não ter essa chuva. É um cenário mais crítico para o qual o sistema está sendo preparado”, afirmou, ao defender as previsões de garantia no abastecimento.
Com geração mais cara por causa da necessidade de acionamento das termelétricas, evitando-se, assim, o uso de água dos reservatórios, a energia elétrica subiu 20,9% para o consumidor no acumulado dos últimos doze meses encerrados em julho, conforme dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O custo elevado preocupa o consumidor, inclusive o de grande porte, como revelou recente pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A crise hídrica aparece no radar do empresariado com receios de mais aumento no custo da energia, possibilidade de racionamentos e risco de apagão. O medo de obstáculos adicionais no caminho da retomada leva segmentos intensivos em consumo de energia a buscar soluções como o deslocamento da produção para fora do chamado horário de ponta (o popular horário de pico) e até via utilização de peças de fornecedores externos para evitar o consumo na fabricação própria (o que é considerado uma forma de importação de energia).
Ações do governo no consumo são esperadas para setembro. É quando será colocado em prática, segundo o Ministério de Minas e Energia, o programa de redução da demanda – em elaboração pela pasta e esperado há meses para engrossar medidas que, até o momento, têm se concentrado na governança do setor elétrico e na organização da oferta, com pouco incentivo à redução na energia utilizada pelo consumidor (independentemente do seu porte).
Em declaração recente, o ministro Bento Albuquerque afirmou que tanto indústrias quanto pequenos consumidores – inclusive os residenciais – terão incentivos para poupar energia. A participação não será compulsória, o que parece coerente, afirma o pesquisador do Gesel, Roberto Brandão, uma vez que, em sua avaliação, “a situação não é irreversível” e medidas compulsórias poderiam ser “precipitadas”.
Apesar disso, avalia que uma grande campanha de conscientização para o uso racional e mais transparência quanto à criticidade do cenário atual poderiam colaborar no médio prazo. “Seria altamente recomendável nesse momento. É o tal negócio: algum efeito faz. E 1% de redução de demanda em vários meses já é bastante coisa. Em um mês é muito pouco, mas uma variação favorável da demanda é sempre é positivo”, pondera.
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