Médico foi demitido do ministério da Saúde em abril de 2020, justamente por divergir de Bolsonaro em relação a como lidar com a pandemia
Redação, O Estado de S.Paulo
O médico, ex-deputado federal e ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta vai depor nesta terça-feira, dia 4, à CPI da Covid. Embora a comissão tenha marcado de ouvir todos os quatro homens que ocuparam a pasta durante o governo de Jair Bolsonaro – Nelson Teich também irá na terça, Eduardo Pazuello na quarta e Marcelo Queiroga, atual ministro, na quinta –, a fala de Mandetta tem o potencial de ser uma das mais desgastantes para o Planalto.
O médico foi demitido do cargo em abril de 2020, justamente por divergir do presidente em relação a como o governo federal deveria lidar com a pandemia. Desde então, não só deu entrevistas e declarações afimando que o Planalto negligenciou a pandemia e a ciência como publicou um livro sobre o tema. Em Um Paciente Chamado Brasil: Os bastidores da luta contra o coronavírus, lançado no final de setembro, o ex-ministro apresentou sua visão interna sobre como Bolsonaro escolheu lidar com a crise.
Tanto no livro quanto em entrevistas dadas na época do lançamento, Mandetta revelou que o Ministério da Saúde estimava que 180 mil pessoas poderiam morrer no Brasil em função do coronavírus, caso não fossem adotadas medidas para frear o contágio. A estimativa de mostrou conservadora, já que o País já superou as 400 mil mortes e as previsões apontam para meio milhão de vítimas em mais alguns meses.
“Eu nunca falei em público que eu trabalhava com 180 mil óbitos se nós não interviéssemos, mas para ele eu mostrei. Entreguei por escrito, para que ele pudesse saber a responsabilidade dos caminhos que ele fosse optar. Então, foi realmente uma reação bem negacionista e bem raivosa”, disse em entrevista ao programa “Conversa com Bial”, em setembro, na véspera de lançamento do livro.
Ainda de acordo com o que o ex-ministro descreveu na obra, Bolsonaro não quis sequer conversar sobre os cenários. Foi necessário primeiro mostrar as projeções ao ministro general Braga Netto – que estava na Casa Civil e hoje é titular da pasta da Defesa – para que a gravidade da situação alcancasse os ouvidos do presidente. ‘Eu nunca falei em público que eu trabalhava com 180 mil óbitos se nós não interviéssemos, mas para ele eu mostrei’Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde
Mandetta chegou a comparar o negacionismo de Bolsonaro com as fases de negação que psicólogos idetificam em pacientes com doenças terminais, inicialmente contrariando o quadro e depois procurando uma solução milagrosa. No caso de Bolsonaro, essa saída mágica teria sido foi a cloroquina, segundo o ex-aliado. O mandatário passou a ter caixas do remédio sem eficácia comprovada em cima da mesa de seu gabinete, mas nunca deu bola para máscaras ou para álcool em gel.
Ainda de acordo com o médico, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi igualmente desinteressado pela pandemia e nunca o procurou para saber da situação e planejar ações que ajudassem a economia do Brasil diante do quadro.
Em entrevistas mais recentes sobre a variante do coronavirus que surgiu em Manaus e que é mais letal e mais contagiante, Mandetta criticou o fato de que o Brasil não está fazendo mapeamento genético para concluir a velocidade de transmissão da nova cepa.
“O Brasil não está fazendo o mapeamento genético para saber a velocidade de transmissão dessa nova cepa. Deveríamos estar fazendo para saber o que está acontecendo em outras cidades e onde o vírus está se aclimatando melhor com a nova cepa. A gente está testando pouco e, mesmo testando pouco, estamos achando (a nova cepa), no Rio, em São Paulo. Araraquara fez uma testagem maior e achou tendência de predomínio da nova cepa”, disse o ex-ministro ao jornal Estado de Minas.
“Provavelmente, a gente vai plantar essa Cepa em todos os territórios da federação e daqui a 60 dias a gente pode ter uma megaepidemia”, afirmou em janeiro durante entrevista ao programa Manhattan Connection, da TV Cultura.
O ex-ministro, que vem se aproximando do governador de São Paulo, João Doria (PSDB) – potencial rival de Bolsonaro nas eleições de 2022 – também criticou este ano o desdém que Bolsonaro inicialmente demonstrou em relação às vacinas, ao instituto Butantan e à China. A gestão Doria viabilizou a fabricação da vacina Coronavac no Instituto Butantan. O imunizante foi desenvolvido pelo instituto paulista em parceria com a empresa chinesa Sinovac.
“Esse erro foi cometido em agosto e setembro, quando fecharam as negociações com a Pfizer, Moderna, Johnson. Não quiseram. (…) É um erro muito primário. Como o governo fechou as portas com esses laboratórios de primeira linha, está avançando para terreno perigoso, que é comprar vacina que não tem fase 3”, alertou em fevereiro, em conversa com o portal Metrópoles.
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