quinta-feira, 6 de maio de 2021

BOLSONARO QUER EDITAR DECRETO CONTRA LOCKDOWN

 

 Lauriberto Pompeu – Jornal Estadão

BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro fez mais uma vez ataques à China ao insinuar que a pandemia de covid-19 seria um instrumento de “guerra química” para garantir maior crescimento econômico ao país asiático. Mesmo após o problema diplomático com a China por causa dessas afirmações, Bolsonaro voltou a dizer que o coronavírus pode ter sido criado em laboratório. A tese é contestada por cientistas e pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS).

“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou se nasceu por algum ser humano ingerir um animal inadequado. Mas está aí, os militares sabem que o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês. O que está acontecendo com o mundo todo, com sua gente e com o nosso Brasil?”, questionou o presidente em cerimônia no Palácio do Planalto referente à Semana das Comunicações.

Bolsonaro fez as afirmações justamente no momento em que vários Estados enfrentam dificuldades para aplicar a segunda dose da Coronavac, vacina produzida no Brasil pelo Instituto Butantan com insumos chineses.

Mais tarde, no Rio Janeiro, onde se encontrou com governador Cláudio Castro (PSC), Bolsonaro negou que tenha atacado a China e disse que não falou o nome do país. “Eu falei a palavra China hoje de manhã? Não falei. Eu sei o que é guerra bacteriológica, química, nuclear. Eu sei porque tenho informação, e só falei isso, mais nada”, declarou.

Em seguida, repetiu o afago ao principal parceiro comercial do Brasil: “Eu não falei a palavra China. Muita maldade tentar aí um atrito com um país que é muito importante pra nós e nós somos importantes pra eles também”. O presidente disse ainda que o governo está fazendo a coisa certa no combate à pandemia. O presidente disse ainda que o governo está fazendo a “coisa certa” no combate à pandemia. “Nunca nos omitimos”.

No último dia 27, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também disse que “o chinês inventou o vírus”. Sem saber que estava sendo gravado em uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar, Guedes afirmou, ainda, que a vacina produzida pela China era “menos efetiva que a do americano”. Horas depois, quando novo embaraço diplomático se desenhava, o chefe da equipe econômica disse ter usado “uma imagem infeliz”.O presidente da República, Jair Bolsonaro © Dida Sampaio / Estadão O presidente da República, Jair Bolsonaro

A versão de que o novo coronavírus foi criado em laboratório foi considerada “extremamente improvável” por cientistas que conduziram investigações a respeito do assunto na OMS. O ex-chanceler Ernesto Araújo, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também provocaram atritos com a China, no ano passado, ao se referir à covid-19 e às vacinas.

Na mesma cerimônia, Bolsonaro defendeu o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho “02”, e os assessores da Presidência Tercio Arnaud Tomaz e José Matheus Salles Gomes. Conhecido como “gabinete do ódio”, esse núcleo de auxiliares é comandado por Carlos e faz o papel de milícia digital contra opositores do governo, nas redes sociais. “São pessoas perseguidas o tempo todo, como se tivessem inventado um gabinete do ódio”, afirmou o presidente. “É o gabinete da liberdade, da seriedade”.

Após a declaração de Bolsonaro, o presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP), defendeu a interdição do presidente por um possível “desvio de personalidade”. Em nota oficial, Pinato afirmou que o presidente não é “uma pessoa irresponsável, desequilibrada e sem noção de mundo”, mas que ele pode ter “uma grave doença mental” que o faria “confundir realidade com ficção”.

Presidente reclama de pedido feito por governista na CPI

Ao se referir à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Bolsonaro reclamou de um requerimento de informações sobre os lugares que visitou. Em muitos finais de semana, o presidente frequentou comunidades pobres em Brasília e provocou aglomerações. O pedido para que a Presidência detalhe os itinerários, no entanto, partiu do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), um dos aliados do Palácio do Planalto no colegiado.

“Recebo agora documentos da CPI para dizer onde eu estava nos meus últimos fins de semana. Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI. Estive no meio do povo, tenho que dar exemplo. É fácil para mim ficar no Palácio do Alvorada, tem tudo lá. Não posso, sem ouvir o povo, tomar conhecimento do que eles sentem e do que eles querem”, disse Bolsonaro. “Vou continuar andando em comunidades em Brasília. Alguns acham que vou passear. Não, vou continuar a fazer tudo que aqueles que me criticam deveriam fazer”.

Para justificar o pedido, Girão citou a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber. “A Constituição Federal (arts. 6o e 196), segundo a ministra Rosa Weber (STF), não admite retrocessos injustificados no direito social à saúde e que, especialmente em tempos de emergência sanitária, as condutas dos agentes públicos contraditórias às evidências científicas de preservação da vida não devem ser classificadas como atos administrativos legítimos, sequer aceitáveis”, disse o senador.

Crítico de medidas de isolamento social adotadas por governadores, Bolsonaro avalia editar um decreto para garantir a “liberdade de culto, de poder trabalhar e o direito de ir e vir”. De acordo com o presidente, a medida “não poderá ser contestada por nenhum tribunal”. “Não podemos continuar com essa política de ‘feche tudo, fique em casa’”, argumentou. “Nas ruas já se começa a pedir por parte do governo que se baixe um decreto. E se eu baixar um decreto, vai ser cumprido. Não vai ser contestado por nenhum tribunal, porque será cumprido”. Logo em seguida, ele perguntou: “O que constaria no corpo desse decreto?”. E, sem esperar, respondeu: “Os incisos do artigo 5º da Constituição”.

O artigo 5º, citado por Bolsonaro, diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Mais uma vez, Bolsonaro adotou discurso populista ao afirmar que o povo estará a seu lado. Recentemente, ele disse esperar um “sinal” para tomar providências. As manifestações de 1.º de Maio, quando pessoas foram às ruas vestidas de verde e amarelo, exibindo camisetas com a inscrição “Eu autorizo” foram vistas por ele como esse “sinal”.

“O Congresso, o qual integrei, tenho a certeza que estará ao nosso lado. O povo, o qual nós, Executivo e parlamentares, devemos lealdade absoluta, também estará ao nosso lado. Quem poderá contestar o artigo 5 da Constituição?”, perguntou.

Na sua avaliação, a “lealdade” do povo equivale à das Forças Armadas. “Os militares, quando se tornam praça, juram dar a vida pela Pátria. Os que estiveram nas ruas, nesse 1º de Maio, bem como outros milhões que não puderam ir às ruas, darão sua vida por liberdade”, afirmou.

A ameaça de Bolsonaro de editar um decreto contra medidas de isolamento social ocorre após crescerem nas redes sociais as críticas à forma como o governo tem conduzido o enfrentamento da pandemia. A morte do ator Paulo Gustavo comoveu o País e, segundo levantamento da consultoria Ap Exata, teve um efeito direto na rejeição ao presidente nas redes.

A empresa, que monitora o humor dos usuários no Twitter, mostra que o sentimento de tristeza em posts que mencionam Bolsonaro aumentou dez pontos desde terça-feira, 4. As publicações da família Bolsonaro lamentando a perda de Paulo Gustavo para a cultura brasileira não foram vistas como genuínas. Opositores lembraram de ocasiões em que o presidente menosprezou a doença e provocou aglomerações desnecessárias. /COLABOROU BRUNO DE CASTRO e FÁBIO GRELLET

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