Julgamento do STF marcado para hoje pode eliminar proteções fundamentais da Lei de Patentes, com efeitos imediatos
Licks Attorneys, Estadão Blue Studio
A ação pede a extinção do parágrafo único do artigo 40 da LPI, que assegura um prazo mínimo de dez anos de vigência para as patentes de invenção a partir da data de concessão pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
A tese da PGR é de que o mecanismo representa uma extensão do prazo das patentes, o que foi contestado pelos especialistas que participaram de webinar promovido na última terça, 20, pelo Estadão Blue Studio, em parceria com o escritório de advocacia Licks Attorneys, especializado em patentes e direito regulatório.
“É uma visão distorcida, pois não se trata de uma extensão de prazo”, afirmou José Graça Aranha, diretor regional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) no Brasil e ex-presidente do Inpi. “É bem claro que a lei prevê dois caminhos possíveis. A patente tem 20 anos de prazo a partir do depósito – ou seja, a partir do pedido junto ao Inpi – ou então tem dez anos a partir da concessão do pedido”, explicou.
Inserido na Lei em 1996 como uma proteção para a demora da análise pelo Inpi, o dispositivo soava como uma precaução. O fato é que, com o tempo, o Inpi acumulou ineficiência. Mesmo com melhora nos últimos dois anos, o prazo médio de análise está em 8,8 anos – de tal forma que grande proporção dos processos passa dos dez anos. Há mais de 10 mil pedidos nessa situação – dos quais 329 já passaram de 20 anos de análise. “A solução do problema não é retirar o dispositivo, e sim aumentar a eficiência do Inpi”, observou Graça Aranha.
Alicerce da inovação
O julgamento estava inicialmente marcado para 7 de abril, mas foi adiado. Naquela data, contudo, o relator da ação, ministro Dias Toffoli, concedeu uma liminar suspendendo parcialmente os efeitos do parágrafo único do artigo 40.
Para o secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia, Geanluca Lorenzon, também no evento, a questão deveria ser tratada pelo Poder Legislativo. “É quem tem legitimidade para fazer política pública, com os diversos setores da sociedade sendo ouvidos.”
Ele ressaltou que a liminar reforça a sensação de insegurança jurídica, que vem causando prejuízos ao Brasil. “Estudos estimam um custo de R$ 180 bilhões por ano decorrente da insegurança jurídica no País”, observou.
O representante do Ministério da Economia também afirmou que a decisão de Toffoli se preocupou mais com os resultados que causaria do que com os fatos ou a legislação. “Nosso Judiciário sempre age com um fim consequencialista, e não baseado na melhor corrente consequencialista, que seria a análise econômica do direito. O presente processo não me parece ter sido instruído de nenhum número de evidências que demonstram um custo/benefício positivo a médio e longo prazo. O que nós temos aqui é uma decisão monocrática unilateral que pode gerar grande insegurança jurídica.”
Otto Licks, advogado da Licks Attorneys, lembrou que, depois de 25 anos de vigência, a Lei de Patentes precisa mesmo passar por ajustes. “Em meados da década de 1990, não existia 5G, internet das coisas e tantas outras tecnologias que temos hoje. É normal que haja atualização. Mas o caminho esperado para isso é o Legislativo”, disse.
A coordenadora-geral de Mecanização, Novas Tecnologias e Recursos Genéticos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Sibelle Silva, também presente ao debate, enfatizou a importância do respeito à propriedade industrial. “É a regra do jogo, o alicerce do processo de pesquisa e inovação, do qual já somos tão carentes no Brasil.”
Discussão míope
Em sua decisão, o ministro Dias Toffoli também antecipou o voto que dará no julgamento. Nele, o relator amplia o escopo e afirma que o parágrafo único do artigo 40 da LPI não deve mais valer para nenhum pedido de patente a ser decidido pelo Inpi após o julgamento final.
Além disso, a decisão teria efeitos retroativos em dois casos: para patentes de medicamentos e de itens ligados à saúde, que teriam prazos reduzidos ou seriam extintas; e para ações judiciais em curso que discutam a constitucionalidade do dispositivo.
Se o voto for confirmado pelo pleno do STF no julgamento, cerca de 63% das patentes de fármacos e biofármacos e mais um número não especificado de patentes de equipamentos e de materiais de uso em saúde vigente no Brasil serão extintos ou terão prazos reduzidos. O voto não traz qualquer proteção para os pedidos em andamento, mesmo aqueles que já ultrapassaram dez anos de análise e que fariam jus ao prazo previsto no parágrafo único.
Isso representaria um grande golpe contra a capacidade criativa e de inovação da economia brasileira. Atingiria em cheio projetos de novos produtos e serviços não apenas da iniciativa privada, em diversos setores da economia, mas das mais importantes universidades e instituições de pesquisa, como fica claro pela lista dos oito maiores detentores de patentes no Brasil. Além da Petrobras e da Embrapa, o seleto grupo é integrado por quatro universidades – Unicamp, USP, UFMG e UFRJ – e duas fundações de amparo à pesquisa, a de São Paulo e a de Minas Gerais.
“Numa eventual quebra de patentes, as vacinas surgiriam de onde?”, pergunta Licks
O webinar discutiu também um tema que tem se misturado à discussão sobre o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial, embora não haja relação entre os dois assuntos: a licença compulsória de patentes para vacinas contra a covid-19 – ou “quebra de patentes”, como é conhecida.
O assunto está sendo discutido por instituições como a Organização Mundial da Saúde e o Congresso brasileiro. “Quem mistura esses dois temas demonstra que não conhece como o sistema de patentes funciona no Brasil e no mundo”, disse Nuno Carvalho, sócio do Licks Attorneys que já foi diretor da Ompi e conselheiro da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Do ponto de vista prático, a liminar concedida por Dias Toffoli não teria impacto no combate à covid-19 – circunstância que parece ter motivado a urgência com que o tema passou a ser tratado. “Infelizmente há uma parte do enfrentamento da covid que acabou sendo politizada, mas é preciso analisar a questão com calma e olhar técnico, pois está em jogo o futuro da indústria brasileira e de todas as instituições que investem em inovação no País”, alertou Otto Licks.
“Ninguém ouviu falar de nenhuma empresa no mundo com capacidade de copiar qualquer uma das vacinas, muito menos na quantidade de centenas de milhões de doses de que o Brasil precisa. Ato contínuo a uma eventual licença compulsória, as vacinas surgiriam de onde?”, questiona Licks.
O advogado ressaltou ainda o papel fundamental da ciência no combate à covid-19 e lembrou que as vacinas só puderam ser criadas em tempo recorde por conta de grandes investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento. “Justamente no momento em que essas empresas mais deveriam ser reconhecidas, mais deveriam ser incentivadas, há esse ataque às patentes no Brasil”, lamentou Licks.
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