Para o ministro do STF, Estados e municípios não podem proibir totalmente a realização de missas e cultos religiosos. ‘Estamos em plena Semana Santa, a qual, aos cristãos de um modo geral, representa um momento de singular importância’, afirmou
Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA e Rayssa Motta/ SÃO PAULO
Enquanto o país enfrenta o pior momento da pandemia do novo coronavírus, com mais de 330 mil mortos, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques decidiu neste sábado (3) autorizar a realização de celebrações religiosas em todo o País. Indicado ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro, Nunes Marques determinou que sejam aplicados protocolos sanitários em igrejas e templos, limitando a presença em cultos e missas a 25% da capacidade do público. A decisão do magistrado – que proíbe Estados e municípios de suspenderem completamente as celebrações religiosas presenciais – destoa de outras decisões tomadas pelo STF, como a que garantiu autonomia para que governadores e prefeitos decretem medidas de isolamento.
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O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD) já avisou que não vai seguir a decisão do ministro. “Em Belo Horizonte, acompanhamos o Plenário do Supremo Tribunal Federal. O que vale é o decreto do Prefeito. Estão proibidos os cultos e missas presenciais”, escreveu Kalil em seu perfil no Twitter.https://platform.twitter.com/embed/Tweet.html?dnt=false&embedId=twitter-widget-0&frame=false&hideCard=false&hideThread=false&id=1378464517039005704&lang=pt&origin=https%3A%2F%2Fpolitica.estadao.com.br%2Fblogs%2Ffausto-macedo%2Fem-plena-pandemia-kassio-libera-cultos-e-missas-em-todo-o-pais%2F&siteScreenName=estadao&theme=light&widgetsVersion=e1ffbdb%3A1614796141937&width=550px
A decisão do ministro foi tomada em ação movida pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que alega que a suspensão dos cultos e missas viola o direito fundamental à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal. A Anajure questionou decretos de Estados e prefeituras de todo o País que suspenderam a realização de eventos religiosos.
“Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual”, observou Nunes Marques em sua decisão.
“Estamos em plena Semana Santa, a qual, aos cristãos de um modo geral, representa um momento de singular importância para as celebrações de suas crenças — vale ressaltar que, segundo o IBGE, mais de 80% dos brasileiros declararam-se cristãos no Censo de 2010”, acrescentou.
Nunes Marques também determinou que sejam adotadas medidas como distanciamento social (com ocupação de forma espaçada entre os assentos e modo alternado entre as fileiras de cadeiras ou bancos), a obrigatoriedade quanto ao uso de máscaras, a disponibilização de álcool em gel nas entradas dos templos e aferição de temperatura do público.
A decisão do ministro está alinhada aos interesses do Palácio do Planalto, que vive guerra com governadores e prefeitos de todo o País contra toque de recolher, lockdown e outras medidas de distanciamento social. “Nunes Marques concede medida cautelar para o fim de determinar que: estados, DF e municípios se abstenham de editar ou exigir o cumprimento de decretos ou atos administrativos locais que proíbam a realização de celebrações religiosas presenciais”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais.
O deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) elogiou a liberação dos cultos. “O ministro Nunes Marques restabeleceu a vigência da Constituição. Não pode um governador tratar como dispensável aquilo que o constituinte originário definiu como fundamental! Vitória da liberdade. Vitória da democracia!”, disse o parlamentar ao Estadão.
Grau de controle.
Em uma decisão de 16 páginas, o ministro ainda apontou que diversas atividades essenciais continuam durante a pandemia, como o transporte coletivo. “É importante reconhecer que o transporte coletivo tem sido considerado essencial, a exemplo de mercados e farmácias ― que, de fato, o são. Tais atividades podem efetivamente gerar reuniões de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de controle do que nas igrejas”, observou.
O magistrado destacou um parecer do procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, a favor da abertura de templos e igrejas, “desde que respeitados os protocolos sanitários para evitar a disseminação da covid-19”. Esse parecer foi enviado em outra ação, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, em que o PSD contesta decreto do governo de São Paulo que vetou atividades religiosas coletivas presenciais durante as fases mais restritivas do plano de combate ao coronavírus. Na prática, Nunes Marques se antecipou a Gilmar.
“A lei, decreto ou qualquer estatuto que, a pretexto de poder de polícia sanitária, elimina o direito de realizar cultos (presenciais ou não), toca diretamente no disposto na garantia constitucional”, escreveu Kassio, ao destacar que a Constituição assegura o livre exercício dos cultos religiosos.
Em São Paulo, o decreto que vetou atividades religiosas coletivas foi editado após recomendação do procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo. Membros do gabinete de crise da covid-19 instituído no Ministério Público paulista consideraram a medida ‘imprescindível’ em razão do aumento do número diário de pessoas infectadas, de internações e de mortes por covid-19.
Vacinação.
Esta não foi a primeira vez em que Nunes Marques tomou decisão que contraria a recomendação de autoridades sanitárias do mundo inteiro. Em dezembro do ano passado, em um revés para o Palácio do Planalto, o Supremo decidiu a favor da vacinação obrigatória contra o novo coronavírus. Por 10 a 1, o tribunal entendeu que Estados e municípios podem decidir sobre a obrigatoriedade da imunização e até mesmo impor restrições para quem se recusar a ser vacinado. A medida, contudo, não significa vacinação à força, sem o consentimento do indivíduo.
Na prática, o STF deu a Estados e municípios de todo o País o poder de definir as sanções contra os indivíduos que não queiram ser vacinados, desde que sejam medidas razoáveis – e amparadas em leis. A carteira de vacinação em dia já é exigida, por exemplo, para matrícula em escolas, concursos públicos e pagamento de benefícios sociais.
Naquele julgamento, Nunes Marques colocou uma série de empecilhos para a vacinação obrigatória. Exigiu que o Ministério da Saúde fosse ouvido e frisou que a vacinação compulsória deveria ser a “última medida de combate” contra o novo coronavírus, após campanha de vacinação e “esgotamento de todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária”. O ministro acabou isolado nesses pontos.
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