quinta-feira, 4 de março de 2021

AUXÍLIO EMERGENCIAL É APROVADO NO SENADO EM PRIMEIRO TURNO

 

Senado aprova, em primeiro turno, PEC que retoma auxílio com contrapartidas fiscais

Governo conseguiu aprovar gatilhos para contenção de despesas no futuro, mas precisou se conformar com a retirada do fim dos gastos mínimos com saúde e educação do texto; senadores ainda analisarão o texto no segundo turno

Idiana Tomazelli, Daniel Weterman e Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – A equipe econômica conseguiu driblar a ameaça de desfiguração do teto de gastos, a principal âncora fiscal do País, e obteve no Senado Federal a aprovação em primeiro turno do texto-base da PEC emergencial, que vai recriar o auxílio a trabalhadores vulneráveis na pandemia limitado ao custo total de R$ 44 bilhões. Se de um lado o ministro Paulo Guedes saiu vitorioso por manter no texto os gatilhos para contenção de despesas no futuro, de outro o governo precisou se conformar com a retirada de pontos como o fim da obrigação de gastos mínimos em saúde e educação.

A aprovação do texto-base teve apoio de 62 senadores, ante 16 contrários, no primeiro turno. Os chamados destaques (sugestões de alterações ao texto) foram rejeitados. Os senadores ainda vão analisar o texto no segundo turno, marcado para esta quinta-feira, 04. Em cada votação, é necessário o apoio de, no mínimo, três quintos do Senado, o correspondente a 49 de 81 senadores. Depois, a PEC segue para a Câmara dos Deputados, onde vai direto para votação em plenário.

O resultado veio no fim de um dia de grande tensão dentro do governo diante da ameaça de fatiar a PEC e votar apenas a autorização para o auxílio (o que foi rejeitado pelos senadores) e manobras para furar o teto (regra que limita o avanço das despesas à inflação) para além dos gastos com a pandemia. A equipe de Guedes precisou agir para evitar uma desfiguração do texto.

Lideranças do Senado queriam retirar R$ 34,9 bilhões em despesas com o programa Bolsa Família do alcance do teto, o que abriria espaço na regra para mais gastos com emendas indicadas por parlamentares e investimentos em obras às vésperas de ano eleitoral. A tentativa fez derreter os principais indicadores do mercado financeiro, o dólar chegou a bater R$ 5,76 e criou-se um clima de desconfiança em relação aos rumos da votação.

Senado
Time de Guedes conseguir evitar o rompimento do teto a tempo da votação da PEC Emergencial. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Nos bastidores, o time de Guedes precisou agir e travou uma verdadeira batalha com a ala política em torno da questão. A revolta foi tão grande que houve ameaça de novas baixas na equipe. Autoridades passaram a temer uma “destruição estrutural” das regras fiscais.

O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, hoje economista-chefe do BTG Pactual, alertou que o “truque contábil” poderia ampliar a desconfiança com a sustentabilidade do País, levando o Banco Central a acelerar o passo no aumento dos juros. “Uma PEC que deveria aumentar a confiança do arcabouço de ajuste fiscal do país corre o risco de ser percebida apenas como um instrumento para flexibilizar o teto dos gastos”, disse.

O economista-chefe da XP InvestimentosCaio Megale, que também já integrou a equipe de Guedes, avaliou que o cenário para a votação se deteriorava rapidamente e alertou que, com o Bolsa Família fora do teto, o “céu é o limite”. “Esse valor pode ser qualquer coisa”, afirmou.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, Guedes esteve com o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas nesta quarta-feira, 3, para discutir o impasse. No encontro, foi discutida a possibilidade de edição de uma Medida Provisória para o pagamento do auxílio sem aprovação da PEC. O próprio ministro do TCU sinalizou essa possibilidade em postagem no Twitter, numa tentativa de alertar para os prejuízos de fragilizar o teto.

Uma das linhas de negociação agora é usar a economia de recursos do Orçamento do Bolsa Família nos quatro meses de concessão do auxílio para reforçar o programa no segundo semestre.

No fim do dia, o presidente da Câmara dos DeputadosArthur Lira (PP-AL), tratou que pôr fim aos rumores de manobra extrateto. “Não há a intenção nem a vontade, nem eu acredito que aconteça nenhuma votação de PEC no Senado e na Câmara que ameace o teto de gastos”, disse.

Crise de confiança

Apesar de a equipe econômica ter conseguido desmontar a articulação para tirar o Bolsa Família do teto de gastos, no mercado financeiro a sensação é de que o País está na porta de uma crise de confiança, mesmo que a âncora fiscal resulte intacta ao fim da votação. Os episódios envolvendo a desoneração do diesel, a demissão do presidente da PetrobrásRoberto Castello Branco, a lentidão na compra de vacinas reforçam essa percepção negativa. A necessidade de atuação mais frequente do Banco Central para conter a volatilidade do câmbio é apontada como uma evidência do momento crítico.

No Congresso, não se descarta a possibilidade de algum destaque alterar o texto de última hora para ampliar o rol de despesas livres do alcance do teto. Na última semana, foram quatro pareceres oficiais, sem contar as inúmeras minutas elaboradas para “testar” alterações mais polêmicas, o que dá uma dimensão do vaivém em torno da proposta.

O próprio relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), indicou que não teria problema em incluir novas permissões, embora tenha mantido até agora o desejo da equipe econômica de preservar a âncora fiscal. “Se o programa social Bolsa Família tivesse que ficar fora do teto, eu não teria dificuldade de relatar e defender”, disse no plenário. “Mas fazemos uma PEC que não extrapola os limites que a Economia neste momento acha que são fundamentais”, ponderou.

O parecer de Bittar autoriza o governo a conceder uma nova rodada do auxílio emergencial e cria dois novos marcos fiscais: a emergência fiscal, quando a despesa elevada pressiona as finanças de União, Estados e municípios, e a calamidade nacional, quando há situações como a pandemia de covid-19. Em ambas, são acionados automaticamente gatilhos para contenção de gastos com salários de servidores, criação de cargos e subsídios.

Pela emergência fiscal, porém, os gatilhos só devem ser acionados entre 2024 e 2025, segundo previsão do secretário do Tesouro NacionalBruno Funchal. Isso coloca o ajuste em um cenário ainda longínquo para o governo do presidente Jair Bolsonaro. Ele poderia, por exemplo, conceder reajustes salariais em 2022, ano de eleição.

Mansueto foi um dos que criticaram a ausência de medidas mais duras de ajuste no curto prazo, embora tenha ressaltado que a aprovação da PEC é uma “excelente sinalização” de compromisso com a sustentabilidade das contas. “As contrapartidas não implicam nenhum corte imediato e obrigatório do gasto neste ou no próximo ano. Mas a PEC é muito importante porque fortalece o arcabouço fiscal”, afirmou.

A PEC autoriza o governo federal a decretar um novo estado de calamidade a qualquer momento para combater efeitos sociais e econômicos de uma crise, como a da covid-19. Nesse caso, o mecanismo permite ao Executivo aumentar gastos por meio de um processo simplificado, sem respeitar a maioria das limitações fiscais, e conceder benefícios como repasse a Estados e municípios e socorro a empresas. Como compensação, terá de acionar automaticamente os gatilhos e congelar salários e novas despesas obrigatórias durante a calamidade. Versão anterior do parecer acionava a contenção por dois anos após esse período, mas a medida recebeu críticas e ganhou uma versão mais branda.

A votação só foi destravada após desidratação da PEC. Um dos pontos retirados foi o trecho que acabava com a obrigação de gastos mínimos em saúde e educação. O relator também suprimiu o dispositivo que autorizaria o governo a reduzir jornada e salário de servidores para poupar gastos. Outro ponto que acabou caindo foi o fim dos repasses de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o BNDES.

Nenhum comentário:

Postar um comentário