Enfim, emancipação do BC
Atenção ao emprego já está na pauta do BC. Não era preciso copiar a lei do Fed
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O Brasil fica mais moderno, mais organizado e um pouco menos sujeito ao populismo com a aprovação da autonomia do Banco Central (BC), assunto discutido há décadas. Conter a inflação continuará sendo sua missão principal, a mais importante para o bem-estar das famílias e para o bom funcionamento da economia. Será menor o risco de palpites e interferências políticas nas decisões sobre juros e condições de crédito. Com mandatos de quatro anos, os diretores só serão demissíveis em condições definidas na lei. Além disso, seus mandatos nunca serão coincidentes com o do presidente da República. Dito isso, é preciso reconhecer um detalhe prosaico e certamente positivo: na prática, a política monetária já vem sendo conduzida de forma autônoma, há anos, e seus critérios e prioridades devem ser mantidos, talvez para surpresa de muitos parlamentares e escândalo de outros.
Defender o poder de compra da moeda e garantir um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo sempre foi missão do BC, definida na Lei 4.595, de dezembro de 1964. Mas outros objetivos foram normalmente considerados na elaboração da política monetária. Ao mexer nos juros, nas condições do crédito e, de modo geral, na criação de moeda, os formuladores sempre levaram em conta os efeitos de suas decisões na atividade econômica e no emprego. Sempre avaliaram, portanto, o custo econômico e social de cada ação destinada a estabilizar os preços.
Não há nada surpreendente nesse procedimento. Comparar benefícios e custos de cada medida é mero exercício de racionalidade. Más decisões, muito frouxas ou muito severas, podem ter sido tomadas, no Brasil e em quaisquer outros países, mas isso é parte da vida normal. De qualquer forma, nenhum diretor de banco central é um robô programado para decidir com base em apenas um objetivo.
A política do BC tem sido conduzida, no Brasil, de forma bastante aberta. As decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) são informadas e explicadas, em seus aspectos essenciais, logo depois de toda reunião deliberativa. Uma ata com mais detalhes é divulgada na semana seguinte. Se lessem esses documentos, ou pelo menos o noticiário neles baseado, parlamentares teriam produzido um debate mais informado e mais inteligente durante a tramitação do projeto recém-aprovado. Se entendessem um pouco mais do assunto, ou se procurassem ajuda de pessoas competentes, teriam dito menos tolices e proposto, talvez, emendas mais úteis.
Sem surpresa, portanto, prevaleceu a ideia, defendida há muitos anos por alguns parlamentares, de incluir a atenção ao pleno-emprego entre as funções do BC, ampliando seu mandato legal. Com a explicitação desse ponto, copiou-se a legislação dos Estados Unidos. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) foi criado em 1913 com o mandato de “promover com eficiência os objetivos de máximo emprego, preços estáveis e juros de longo prazo moderados”.
Na prática, passou-se a procurar o máximo emprego compatível com preços estáveis, sendo estes, portanto, a referência principal. Essa é a política básica seguida até hoje, apesar das diferenças entre dirigentes mais propensos ao aperto ou ao afrouxamento monetário. Vários políticos brasileiros entusiasmados com o modelo do Fed parecem jamais haver entendido esses detalhes.
De toda forma, a lei recém-aprovada inclui a atenção à atividade econômica e ao pleno-emprego no mandato do BC, mas em posição secundária. Há nesse detalhe uma aparência de bom senso, mas a política de crescimento envolve muito mais que juros baixos e crédito amplo. Além disso, a inovação legal, embora nada acrescente aos critérios normalmente seguidos pelo BC, pode estimular pressões injustificadas e geradoras de insegurança econômica e financeira. Parte dos congressistas defende a subordinação da política monetária ao Executivo. A última experiência desse tipo, entre 2011 e 2013, resultou em forte aumento da inflação e em desmoralização do BC. O conserto foi demorado e custoso. Melhor é evitar experiências desse tipo.
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