TCU aperta cerco sobre
gastos com publicidade do Governo Bolsonaro e exige planilha completa da Secom
Afonso Benites
© EVARISTO SA (AFP) Bolsonaro
caminha em frente ao Palácio da Alvorada, no dia 9, onde está em isolamento
após contrair covid-19.
Uma decisão em caráter cautelar, de efeito imediato e preventivo, do
ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União, impedindo que o Governo Jair Bolsonaro anuncie em diversos sites e canais
do YouTube se soma a uma série de reveses para o Planalto em sua estrutura de
propaganda oficial e extraoficial. Na sexta-feira, o ministro proibiu que
o Ministério das Comunicações veiculasse publicidade em
meios que promovam atividades ilegais, como jogo do bicho, por exemplo, ou em
que o conteúdo não tenha relação com o público-alvo de suas campanhas, como o
infantil. Os valores gastos com esses anúncios ou o tamanho das páginas
atingidas não foram divulgados. Por conta dessa ação, o Governo terá de
divulgar todas as inserções publicitárias programadas pela Secretaria de
Comunicação, a Secom.
A decisão de Rêgo cita casos em que foi veiculada publicidade em páginas
que disseminavam fake news, conteúdo infantil, a favor do jogo do bicho
ou no idioma russo. A ação foi baseada em uma reportagem do jornal Folha
de S. Paulo que revelou os gastos da então Secretaria de Comunicação
da Presidência da República nesses meios específicos no ano de 2019, quando o
Planalto produziu peças publicitárias em alusão à reforma da Previdência, que
acabou sendo aprovada naquele ano. Atualmente, a Secom é vinculada ao recriado
Ministério das Comunicações.
Para o ministro Rêgo há sinais de “flagrante desperdício de recursos
públicos”. Diz trecho da decisão: “O caso em relevo —divulgar matérias afetas a
regime jurídico-administrativo a crianças, sejam elas brasileiras ou de
qualquer outra nacionalidade— equivale a vender areia no deserto, gelo nos
polos ou água nos oceanos”.
Os anúncios veiculados nessas páginas eram feitos via Google Adsense,
que é uma ferramenta na qual o anunciante pode filtrar seu público. Por
exemplo, escolhe qual é a faixa etária de seu alvo, a temática tratada pelo
veículo ou se trata de temas ilegais. Algo que, aparentemente, não foi feito
pelo Palácio do Planalto. Em nota à Folha, a Secom afirmou que o
Governo “não interfere na seleção do Google Ads, realizada por algoritmos, e
nunca investiu recursos públicos com base em preferências pessoais ou
políticas”.
Em sua decisão, Vital do Rêgo ainda cobrou explicações do Governo nos
próximos 15 dias e exigiu que o ministério apresente “informações detalhadas
sobre todas as veiculações/inserções do Governo Federal em
plataformas/mídias/canais realizadas por meio da compra de espaços
publicitários”.
A divulgação detalhada dos dados da Secom pode ser mais combustível para
o escrutínio às ações de propaganda do presidente e do Governo. Mas não é o
único movimento que mira a maquinária de propaganda do bolsonarismo,
especialmente na Internet. A escalada judicial e empresarial contra os
militantes iniciou em maio, quando o Supremo Tribunal Federal deu andamento
ao inquérito das fake news e apreendeu uma vasta
quantidade de documentos, celulares e computadores de 29 blogueiros e youtubers
bolsonaristas. Na mesma ocasião, foram autorizadas as quebras de sigilo contra
quatro empresários suspeitos de financiar a disseminação de desinformação.
No mês seguinte, os alvos foram quem apoiou atos antidemocráticos, entre
eles dez deputados e um senador da base do Governo que também
tiveram seus sigilos levantados. Nesse ínterim, desembarcou no Brasil a iniciativa Sleeping Giants, que estimula empresas a deixarem
de financiar veículos que divulgam boatos, a maioria delas ideologicamente
vinculadas à gestão Bolsonaro – ao menos dois e sites e cinco apoiadores foram
descapitalizadas até o momento, com perdas aproximadas de 448.000 reais.
Por fim, o Governo ainda viu o Facebook e o Instagram encerrarem 88
perfis, grupos e contas vinculadas a apoiadores do presidente, entre eles
o assessor presidencial Tércio Arnaud Tomaz, número dois da
estratégia digital do mandatário. Neste caso, o conglomerado comandado por Mark
Zuckerberg reagiu à pressão internacional de patrocinadores, que ameaçaram deixar
de anunciar em suas redes caso não houvesse uma filtragem de perfis que
disseminassem discursos de ódio ou espalhassem desinformação. Em outros quatro
países – EUA, Canadá, Equador e Ucrânia – foram fechadas outras 402 contas por
“comportamento inautêntico coordenado”.
O caso em relevo —divulgar matérias afetas a regime
jurídico-administrativo a crianças, sejam elas brasileiras ou de qualquer outra
nacionalidade— equivale a vender areia no deserto, gelo nos polos ou água nos
oceanos
Os movimentos têm desagradado o presidente, que reagiu, mesmo em
isolamento por estar com coronavírus. Em live na última
quinta-feira, o presidente disse que quem o apoia tem sido censurado. “Vemos
que o Facebook derrubou páginas em todo o mundo. No Brasil, sobrou pra quem
está do meu lado, pra quem é simpático à minha pessoa. A esquerda fica posando
de moralista, mas olha aqui, blog me associando ao nazismo. Bolsonaro
decapitado. Ninguém fala em derrubar essas páginas”, disse o mandatário.
Em tese, essa rede de desinformação que vem sendo desbaratada em
diversas frentes pode afetar o julgamento de ações que tramitam no Tribunal
Superior Eleitoral que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Na eleição
de 2018, havia claro uso de divulgação de fake news em favor
da candidatura que venceria o pleito.

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