O futuro não é para populistas
A pandemia de covid-19 deixou ainda mais claro o
absoluto despreparo de líderes populistas para governar seus concidadãos. Na
grande maioria dos casos, populistas se revelam muito competentes para vencer
eleições, não para bem governar. Governar é uma arte que muitos já mostraram
dominar desde a Politeia, com maior ou menor grau de destaque. Entretanto,
governar no curso de uma crise da magnitude da atual é coisa para poucos.
Superar os desafios impostos por uma crise global e com múltiplos
desdobramentos – sanitários, econômicos, geopolíticos, sociais e culturais –
exige dos governantes uma habilidade política sem igual e atributos pessoais
que, em geral, distinguem aqueles que entram para a história como estadistas.
Do ponto de vista estritamente político, não seria
exagero afirmar que a pandemia de covid-19 é a maior ameaça à farsa populista
desde a 2.ª Guerra. Exceto para desonrosas exceções, como Viktor Orbán, na
Hungria, Rodrigo Duterte, nas Filipinas, e Daniel Ortega, na Nicarágua, entre
outros autocratas que usam a emergência sanitária como subterfúgio para
concentrar ainda mais poder e calar vozes críticas em seus países, 2020,
definitivamente, não tem sido um ano alvissareiro para populistas mundo afora.
Isso não quer dizer, é claro, que o populismo como instrumento de ação política
esteja com os dias contados. Mas é fato que a eclosão da pandemia fez as
sociedades escrutinarem com muito mais diligência as ações de seus governantes.
E os governantes populistas têm se saído mal neste teste de qualidade.
Há muitas décadas não se precisava tanto de líderes
capazes de conduzir seus países durante uma grave crise e, tão ou mais
importante do que isso, antever o futuro e preparar seus concidadãos para uma
transição relativamente tranquila, ou menos imprevisível. Se a pandemia de
covid-19 hoje já impõe às nações enormes reveses, inclusive para as nações
desenvolvidas, o futuro não se afigura menos desafiador. Durante o webinar O
mundo após a covid-19, promovido pelo Centro Brasileiro de Relações
Internacionais (Cebri), em parceria com a Fundação Fernando Henrique Cardoso, o
jornalista Martin Wolf, do Financial Times, alertou para o fato de que o
substancial aumento dos gastos públicos a fim de dar conta do enfrentamento da
emergência sanitária ensejará elevação da carga tributária para os cidadãos e
para as empresas, o que certamente terá impacto político no futuro. Tais
condições fiscais adversas, aliadas à perspectiva de crescimento baixo em
decorrência da queda da atividade econômica, exigirão, segundo Wolf, “maior
intervencionismo político” nos países desenvolvidos. “Esta será a grande briga
nos próximos dez anos. Se a alternativa for o incremento do nacionalismo, já
não parece ser muito atraente. Se o futuro do Ocidente for eleger populistas,
então é game over”, afirmou o chefe de análise econômica do jornal britânico.
Se será assim para países desenvolvidos, o desafio será ainda maior para os
países em desenvolvimento.
Populistas têm enorme dificuldade para lidar com a
verdade factual. Esta verdadeira covardia para enfrentar a realidade quando ela
se lhes apresenta hostil é o exato oposto do que se espera dos líderes que
conduzirão as nações na direção do futuro pós-pandemia. Sabe-se que o mundo
mudará, só não se sabe quão profundas serão as mudanças. Além disso, a maior
emergência sanitária deste século exacerbou problemas preexistentes que, sem
mais delongas, terão de ser enfrentados com coragem, espírito público e união
entre governos e sociedades, ou o mundo civilizado entrará em colapso. Já não é
possível, por exemplo, continuar ignorando o abissal fosso econômico que separa
os cidadãos em vários países, o Brasil incluído. Já não se pode mais conceber
um mundo sem cooperação internacional. Já não se pode ignorar o papel central
que a saúde e a educação desempenham na construção de uma nação justa, próspera
e fraterna. São questões das quais os que estão no poder e os que pretendem
exercê-lo no futuro próximo não podem se desviar. Caberá aos cidadãos saberem identificar
aqueles que, por baixo do verniz eleitoreiro, estão à altura do enorme desafio
da reconstrução.
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