Urgência e oportunismo
O governo de Jair Bolsonaro parece perigosamente enamorado por soluções
heterodoxas, digamos assim, para driblar o teto de gastos e tocar programas
eleitoralmente vistosos em meio à generalizada escassez de recursos.
O último movimento nesse sentido, patrocinado pelo Ministério do
Desenvolvimento Regional e pela Casa Civil, foi a elaboração de uma consulta ao
Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de financiar investimentos
em obras de infraestrutura por meio de créditos extraordinários, que estão fora
do limite do teto.
A justificativa é que tais empreendimentos serviriam para impulsionar a
retomada da economia como resposta à crise gerada pela pandemia de covid-19. “O
atual momento torna essencial que se garantam recursos orçamentários
adicionais”, diz a minuta da consulta ao TCU, referindo-se a obras em andamento
e também a projetos que só estão no papel. As verbas, afirma o texto, seriam
“eficaz instrumento de alavancagem econômica e de enfrentamento da crise”. Na
visão dos defensores da medida, portanto, estaria assim satisfeita a exigência
para a abertura de crédito extraordinário: a imprevisibilidade e a urgência da
despesa, em situações decorrentes de calamidade.
A pretensão chega a ser ofensiva à inteligência alheia. Há no governo
quem consiga comparar as necessidades imediatas criadas pela pandemia - estas
sim, urgentes e imprevistas - com projetos de infraestrutura que levam anos
para serem concluídos e que já estavam sendo planejados bem antes da atual
catástrofe sanitária.
O problema não são os projetos em si - entre os quais a revitalização de
bacias hidrográficas e um novo programa habitacional -, que provavelmente se
prestam ao que o governo deles espera, isto é, gerar empregos e
desenvolvimento. A questão é que o governo, mais uma vez, parece desinteressado
de encarar o desafio fiscal de encontrar recursos sem recorrer a truques
contábeis e fintas legais.
O teto de gastos é um marco civilizatório. Ao lado da Lei de
Responsabilidade Fiscal, estabeleceu que o dinheiro público é finito e deve ser
usado com parcimônia, depois de amplo e transparente debate na sociedade, por
meio de seus representantes políticos, sobre as reais prioridades do País. Não
à toa, a emenda constitucional do teto foi aprovada no governo de Michel Temer,
em 2016, depois da tétrica experiência do governo de Dilma Rousseff, que se
notabilizou pela contabilidade criativa e por pedaladas fiscais - manobras
sobretudo antidemocráticas, por esconder do escrutínio dos contribuintes a
origem e o destino do dinheiro arrecadado pelo Estado.
Espanta que um governo cujo presidente se elegeu como reação a essa
imoralidade política e econômica se preste a expedientes com o mesmo espírito.
Consta que o governo desistiu de realizar a tal consulta ao TCU diante da
previsível rejeição do tribunal e da opinião pública, mas esse possível recuo
não atenua de nenhuma maneira a sensação de que o presidente Bolsonaro está
inclinado a avalizar manobras estranhas que lhe darão preciosas verbas para
turbinar seu capital eleitoral.
A mesma esperteza foi empregada pelo governo para tentar abocanhar uma
parte do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb),
aprovado na terça-feira. Como o Fundeb não está limitado ao teto de gastos, o
governo pretendia utilizar um porcentual do fundo para financiar o “Renda
Brasil”, nome do programa de transferência de renda bolsonarista que pretende
substituir o Bolsa Família e que, este sim, estará submetido ao teto de gastos.
Felizmente o Congresso barrou essa manobra, mas está ficando claro que
outras do tipo virão por aí. Para quem só pensa em eleição, como o presidente
Bolsonaro, o prêmio é bom demais para ser ignorado: dar dinheiro para milhões
de pobres e empregá-los em obras espalhadas pelo País alimenta um gigantesco
curral eleitoral. Como ensinou o demiurgo petista Lula da Silva, esse capital
pode garantir o poder por mais de uma década, mesmo em meio a escândalos e
incompetência administrativa.

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